Amanheceu nublado com as ruas da Vila vazias de festa.
A sexta-feira nasceu surda da percussão hipnótica da marimba.
As manhãs de maio sempre foram douradas, mas a sua luz hoje empalideceu e perdeu seu calor num frio de doer ossos.
Não há dança, nem há canto.
Porque o dia se fez enlutado.
A lembrança do embate de final feliz ora é lenda.
A solidariedade das pessoas desiguais vive num passado de sonho.
A devoção ao santo cozinheiro negro e pobre trombou com a porta da igreja fechada.
Hoje no dia mesmo em que caiu o segundo ministro da saúde no meio dessa sinistra pandemia, o Brasil inteiro sinistro se tornou ao mundo.
Dona Dedé no lado de lá se tiver olhos para nos enxergar mais lágrimas haverá de derramar que a água toda que molhou os paralelepípedos da praça Coronel Julião nesse dia de sexta-feira, 15 de maio de 2020, sem cor, vibração e canto.
Sem bolo, concertada e ucharia.
Sem gente de todas as cores e credos; gente de berço indigente ou berço de ouro; gente dos ofícios mais diferentes; gente humilde e gente importante; gente dos lugares mais diversos se sentando todos muito juntos lado a lado e sem máscaras feito irmãos numa mesma gigantesca e familiar mesa dividindo uma caseira refeição feita e servida voluntaria e caridosamente por tantos homens e mulheres que, hoje, despertam de coração apertado nessa manhã enevoada e triste.
Hoje, não se fotografa nada e a luz linda que o dia não mais tem bem de leve a sentimos vendo antigas fotos que nos fazem lembrar dos dias de sonho em que fomos todos por um instante solidários e felizes; dos dias em que escolhemos confraternizar em vez de brigar.