“A fotografia pode ser um espelho e refletir a vida como ela é, mas também acredito na possibilidade de, como Alice, atravessar um espelho e descobrir outro tipo de mundo com o auxílio da câmera.”
Palavras do fotógrafo britânico Tony Ray-Jones que imortalizou o ócio inglês no livro A Day Off – An English Journal e influenciou uma legião de novos fotógrafos, como Martin Parr a buscarem o outro lado do espelho.
Esse pensamento parece agora, com a banalização da fotografia, irrelevante. É uma pena. Fotografar tornou-se ato automatizado, irrefletido. O fulano/ a fulana encenando sempre a mesma patética pose, estica o seu braço que segura o smartphone paralelamente ao chão, eleva seus olhos esgazeados ao nível do buraco da lente, contorce seu lábio num sorriso afetado e falso e se fotografa como plano primeiro da paisagem.
É bacana que a fotografia tenha se democratizado, permitindo a todo mundo, principalmente a quem não tem recursos, exercitá-la. Porém, isso resultou num avassalador número de imagens contaminando com péssima qualidade fotográfica o nosso imaginário visual. E no meio de tanto joio, não se reconhece o trigo. Vitoriosa a mediocridade, pouca gente busca pensar antes de fotografar e por isso aquela frase de Ray-Jones fica esquecida.
Ela nos estimula a filosofar, embarcando em um retorno ao passado, até a Grécia antiga, para Platão e seu mito da caverna. O mito era uma metáfora marcando a diferença entre a aparência e a essência.
A fotografia pode transcender a aparência, a superfície da matéria, fazendo essa travessia do espelho. A máquina fotográfica nos possibilita dar esse pulo, mas o que nos capacita a fazê-lo é a nossa atitude. Ela precisa evitar cair no automatismo ora dominante que idiotiza a mente e anestesia a sensibilidade, modelando um mundo de faz de conta.
Enxergar o mundo “real” é olhar além das suas “sombras”. Ao ver um só seu fragmento ficamos assombrados com a sua complexidade que seguramente não se espelha em selfie açucarada tirada com pôr de sol vermelho de fundo.
As fotos da presente coluna constroem uma história. Foram feitas no mesmo dia e lugar, na BR 101, entre São Sebastião e Caraguatatuba e todas têm o protagonismo de pessoas vivendo seu cotidiano em local público. A rodovia é uma artéria viva, pulsante. A gente na sua beirada vive uma vida que não sai em primeira página de jornal. Muitas dessas fotos retratam a situação de esperar. Não interessa se é esperar por alguém ou pelo ônibus. O que sobressai delas não é tanto o ato de esperar em si, mas perceber que essa espera é enfim espera de melhor vida que tarda a chegar e talvez, nem venha. Existe então nessas fotos uma oposição entre excitação e dormência. O trânsito nervoso no asfalto e a inércia, a resignação das pessoas no acostamento. A vida barulhenta da estrada e a vida quase inaudível dessas pessoas.
É um outro lado do espelho? Não dá para saber ao certo. E não tem importância saber. Vale a máxima do viajante descolado: o que vale mais não é o prazer de se chegar ao destino, mas sim o encantamento do percurso.