fica doutor Pablo, fica

artigo de opinião da coluna Foto em Foco

Márcio Pannunzio, texto & fotos

O dia do fico entrou pra história e Ilhabela, tão pequenina, agora vive um seu dia do fico. Não se milita pra pleitear às altas esferas do poder insular a permanência de figura política em solo ilhado. Não, a pessoa em questão não está enfronhada nessa seara inóspita. Doutor Pablo é médico de família que atendia na unidade básica de saúde do Perequê. Atendia porque não mais o faz; foi afastado.

cadê o doutor Pablo?

Médico de família no SUS é conquista de governo progressista que cuida com carinho de quem mais precisa. Popularizou-se a opinião de que médico público não enxerga paciente; é máquina de prescrever remédio e exame e como tal, não tem humanidade. A atuação dos médicos de família nas unidades básicas de saúde mudou isso porque muitos desses profissionais passaram a tratar como gente a pobre gente que buscava seu socorro. É certo que não são todos, todas assim. Mas há uma quantidade boa deles e delas atuando bem no Brasil inteiro e isso está mudando aquele juízo ruim que a população tinha do atendimento médico público que estimulou parte dela a se endividar pagando planos de saúde que tiraram saúde duma fração expressiva da sua clientela pelo fato de a tratarem muito pior.

O bom médico de família atende as pessoas com respeito e atenção e assim se familiariza do seu quadro de saúde. Isso faz enorme diferença. Conhece seus pacientes, sabe seus nomes, suas manias; sabe das suas enfermidades com real conhecimento de causa e por isso prescreve o tratamento adequado.

Não causa espanto que a demissão dum médico de família desses represente um trauma tão grande quanto a perda de um familiar ou amigo querido. Vive-se a gigantesca agonia de se sentir duma hora pra outra num desamparo de dar nó no estômago.

Então, vejamos: é uma barbaridade aniquilar numa penada, num instante, dessas pessoas todas, uma rica história de vida compartilhada no transcurso de inúmeras consultas. Será preciso estabelecer uma nova relação com o médico substituto e isso exige um esforço árduo e nem sempre, infelizmente, bem-sucedido. Porque acontece muitas vezes desse outro profissional não estar à altura daquele que foi afastado, demitido. Então, perde a população maltratada e perde também quem governa, pois, a responsabilidade pela ação desastrada e desastrosa haverá de lhe ser imputada.

Doutor Pablo soube satisfazer seus pacientes porque exercitou um tratamento médico humanizado, atencioso, carinhoso e temperado com bom humor. Soube ouvir com paciência, interesse e consideração suas histórias; olhou no fundo dos seus olhos; apertou com ternura suas mãos. Atendeu com igual zelo homens e mulheres de todas as raças e de diferentes identidades de gênero e orientação sexual, ricos e pobres, jovens e velhos, religiosos e ateus, partidários de todo espectro político; não discriminou ninguém. Soube receitar medicação eficaz para seus males; melhorou a saúde deles. E por isso é muitíssimo amado por centenas de moradores. Do Perequê, bairro de quem fala com orgulho que mora na ilha e, podendo pagar plano de saúde caro, não paga, porque pode contar para quando precisar, de um médico como doutor Pablo.

Bom, pelo jeito, não mais e assim rapidamente surgiu um abaixo-assinado endereçado à secretária da saúde solicitando a permanência do doutor Pablo no posto.

Bem redigido, melhor que este artigo que poucos terão paciência de ler até o final, argumenta com clareza e sabe intitular o caso pelo que é: “O problema”.

Porém entretanto todavia convém palpitar que faltou destinatário nesse pedido: a Santa Casa de Misericórdia de Ilhabela. Doutor Pablo é funcionário dela; não é um funcionário contratado pela secretária da saúde. É a Santa Casa de Ilhabela quem fornece toda a mão de obra da saúde municipal.

Sobre essa escolha, ponderou Rafael Baldo, Procurador do Ministério Público de Contas, num parecer de 27 de junho de 2023:

“A gestão da saúde no Município é extremamente dependente da Santa Casa de Misericórdia, cujo orçamento vem sendo suportado pelos crescentes repasses públicos à Entidade. De início, cumpre destacar que a Santa Casa, gestora do Hospital Mario Covas, teve sua intervenção decretada de 22/06/2017 até maio de 2018 (Decreto nº 6353/2017), motivo pelo qual a análise da sua situação passou a ser realizada no âmbito das contas municipais. Desde logo, deve-se pontuar que a intervenção realizada, longe de alcançar os objetivos inicialmente delineados, apenas manteve ou agravou as falhas já existentes. Sobre a relação entre a Prefeitura e a Santa Casa, a auditoria informa que cessada a intervenção do Poder Executivo sobre a entidade, em maio de 2021, foi firmado o convênio nº 01, em 30/04/2022, entre o Município e a entidade para prestação de serviços de saúde. Ocorre que tal ajuste abrange diversas irregularidades, a começar pela transgressão do previsto nos arts. 196 e 199 da CF/88, eis que praticamente todos os serviços públicos de saúde são prestados pela Santa Casa.” ( Negritos reproduzidos respeitando o texto original )

Élida Graziane Pinto, Procuradora do Ministério Público de Contas, ao comentar as contas de 2023 de Ilhabela, arguiu que:

“A saúde no munícipio de Ilhabela foi entregue para execução da Santa Casa de Misericórdia. Não há uma carreira estruturada de servidores na secretaria municipal da saúde que faça a concepção do planejamento do SUS local. Essa dependência extremada da Santa Casa de Misericórdia impacta naquilo que é a base do SUS, que é a atenção primária, que é a prevenção e a promoção à saúde.”

O parecer do Procurador Rafael integra processo do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo acerca do exercício contábil municipal do ano de 2021. E a fala da Procuradora Élida aconteceu no dia 19 de agosto de 2025.

Ambos, pois, nos esclarecem que doutor Pablo é funcionário da Santa Casa de Misericórdia de Ilhabela. Ela é quem determina o destino laboral do doutor Pablo enquanto for seu empregado.

 

bordado no bolso do jaleco: Santa Casa de Ilhabela

Vítimas de injustiça, mentes possantes e corações generosos são cerceados, agredidos sordidamente; sua luminosidade e calor se perdem sem conseguir iluminar o caminho e aquecer a vida dos outros que tanto precisariam disso.

Caso parecido desses, recente em Ilhabela, é o do professor César Augusto Mendes Cruz. Profissional ultra qualificado sofreu assédio funcional perpetrado pelo pessoal que deveria valorizá-lo e protegê-lo e mesquinha, abjeta perseguição política promovida pela ultra extrema direita bolsonarista ilhabelense.

Assédio funcional significa comportamento maléfico em ambiente de trabalho, ao importunar, humilhar, desrespeitar funcionário ou funcionária, ferindo fundo sua autoestima e lhe causando forte dor emocional. Geralmente o agressor é superior hierárquico, mas há caso também de colegas de trabalho maldosos e mesmo de subalternos mancomunados para ofender e prejudicar a chefia.

Não são conhecidos os motivos do afastamento do doutor Pablo. Entre as conjecturas feitas, essa do assédio funcional, a de terem puxado o seu tapete, a de terem lhe passado uma rasteira, ganhou força até pelo fato dessa situação medonha, desgraçadamente, ter se tornado comum em Ilhabela a ponto de poder ter até, se normalizado.

É o professor César quem nos informa disso em entrevista concedida ao DCM:

“Já tivemos denúncias de assédio no Ministério Público do Trabalho que foram arquivadas porque foi um ou dois. Nós sabemos que foram muito mais. As pessoas têm receio de se pronunciar porque a cultura do assédio já está naturalizada aqui. Os próprios gestores que exerceram assédio contra mim, já provavelmente sofreram assédio. Por isso eles acham normal. – Ah, não foi muito bem assim; a gente foi só conversar -. Porque para eles que sofreram assédio, talvez até piores do que o que sofri, é normal isso. Então eu não normalizo esse tipo esse tipo de cultura e eu não estou mais disposto a adoecer, porque o que acontece nessa cidade é isso: doença. ”

Desafortunadamente, dessa doença, doutor Pablo, intensamente querido pelos seus pacientes, não tem como tratar. Até porque essa doença não está dentro do corpo humano. É exterior, prolifera nas relações de trabalho perniciosas e fequentemente nasce da inveja, do despeito, do ressentimento. As pessoas traiçoeiras, ensandecidas pelo descontentamento, pelo rancor, a alimentam e a fortalecem; são seus vetores e rejubilam-se quando percebem que suas maquinações espúrias logram êxito causando dano imerecido a quem buscam prejudicar.

Por circunscrito, o caso do doutor Pablo pode ter pequeno alcance. Quem tem poder de fazer alguma diferença, quem sabe, nenhuma faça. Faça ouvido mouco e desse jeito não escute os lamentos doloridos dessa multidão de pacientes indignados e infelizes. Embaralhe a vista e não veja esse abaixo-assinado que cresce a olhos vistos.

O problema é que o problema que talvez ocasionou o afastamento desse médico tão popular e benquisto, poderá continuar vivo e presente infelicitando injustamente gente demais.

existe também assediômetro?

Espalhados pelo UBS do Perequê, numa ação muito bem-vinda, panfletos nos alertam sobre a violência doméstica e nos convocam a denunciá-la sempre que a presenciarmos. Não seria agora, oportuno, além desse panfleto, haver outros que nos conscientizassem da periculosidade do assédio moral, do assédio funcional e nos estimulassem a combatê-lo, o denunciando? Expondo-o à luz. Existem moléstias que sucumbem à claridade, ao sol. Seres maléficos, tais como os vampiros, desintegram-se quando recebem luz solar. Bom, mas isso, só vimos acontecer nos filmes.

o caso do professor César escandaliza o mundo e pode até virar filme

Patch Adams médico virou filme em reviravoltas com final feliz. Doutor Pablo, que ora vive em Ilhabela, fosse aqui sua estadia transformada em filme, qual final teria?

esperando doutor pablo

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