Não é slogan oficial de Ilhabela entre os inúmeros criados nos últimos anos, o “Ilhabela – a cidade mais rica do Brasil”. Marcando diferença em relação aos ora papagaiados pela propaganda institucional, “Ilhabela vida natural”, “uma ilha mil maravilhas”, ” Ilhabela de braços abertos para o turista o ano todo”, esse que a nomeia como a mais rica do Brasil é fidedigno.
Rompendo a barreira da imprensa local chapa branca, a Folha de São Paulo em matéria de capa da edição impressa de segunda-feira, 17 de fevereiro enuncia esse fato como o enunciaram os relatórios do Tribunal de Contas recentes.
“A arrecadação per capta de Ilhabela não encontra parâmetros em solo brasileiro. É preciso ir além das fronteiras nacionais para encontrar receitas por habitante semelhantes em cidades turísticas como Daytona Beach (EUA) e Kelowna (Canadá )”, nos informa relatório sobre as contas municipais do exercício de 2018.
Pois dona de tão enorme riqueza, seria de se esperar que a cidade fosse um primor de beleza de deslumbrar imediatamente o olhar de quem a visita. Mas não.
Logo ao pôr os pés na ilha, o que chama primeiro atenção é a rotatória de entrada. Ficou no território brumoso dos sonhos aquela rotatória minimalista, com um morrinho numa extremidade atribuída ao gênio de Burle Marx, adornada por dois troncos calcinados. Há muito morador antigo que jura terem sido eles esculturas de Frans Krajcberg, dessas que aumentaria demais a fama de qualquer museu que as exibisse. Terem sido porque já não o são; não existem depois de apodrecerem sepultados sem honra no lixão da Água Branca.
Já sob gestão milionária graças ao aporte dos royalties do petróleo, a infelicitada paginação atual foi criada: o morrinho foi inteiramente terraplanado e incorporado a um círculo bastante expandido onde foi construído um desgracioso e grande prédio que vem a ser o Departamento de Segurança Pública ladeado por uma gigantesca estrutura de aço inox que a população prontamente apelidou de “bistecão”.
O que em algum momento vai inspirar um afoito publicitário a serviço da prefeitura da vez a inventar um outro slogan: “Ilhabela, terra da bisteca”. E daí os sábios profissionais do turismo da ocasião vão criar um novo evento ao custo de alguns insignificantes milhões: o “festival da bisteca”, com a presença de chefs famosos do YouTube e de milionárias apresentações musicais de conjuntos renomados nas redes sociais, de axé, funk e pagode para ajudar a digestão dos comensais agrupados sob uma portentosa tenda armada na Vila.
Apesar dessa entrada reconstruída seguramente mais a peso de ouro do que a da sucata de metal brilhante, sob ação do sol intenso iluminando o aço inox do “bistecão” ter o poder de ofuscar a visão, esse ofuscamento não será suficiente para eliminar a desagradável percepção da sua desconcertante feiura e da feiura das construções que se alastram pela malha urbana da cidade. O padrão caixotão inaugurado por prédios abrutalhados e abestalhados como o Shopping da Construção e o Centro Médico comprado pela prefeitura por muitos milhões, contamina as ruas criando uma paisagem monótona e indigente.
Fato é que Ilhabela não tem a beleza de Paraty nem a de Tiradentes com seus prédios históricos preservados. Sobrou quase nada do que aqui existia de histórico. Tudo foi há muito demolido e o que foi construído no lugar afronta a boa arquitetura. São prédios sem nenhuma graça, sem qualquer encanto, originalidade; quando não, muros, muralhas encimadas por rolos de arame farpado e cercas elétricas. Se o visitante curioso se afastar das artérias de trânsito se embrenhando pela franjas da cidade vai se deparar com áreas de invasão formando vielas repletas de casas inacabadas construídas em pirambeiras ou buracos onde caminhão de lixo não entra e até ambulância enfrenta dificuldade para trafegar exibindo um quadro de descaso, desigualdade, pobreza.
Pois então é rica, porém, não é nada bela a sua paisagem urbana.
Tudo bem. Não é todo mundo que se importa com estética. A maior parte das pessoas está pouco se lixando mesmo.
Mas a questão continua aberta: se é uma cidade tão rica por que seus índices de qualidade de vida, de gestão pública não estão todos no topo? Por que suas notas não são todas A+?
A resposta emerge da leitura dos relatórios do Tribunal de Contas. Apesar de investir bastante na educação e na saúde, investiu mal. Construiu escolas que recém inauguradas mostravam processo de deterioração e não se preocupou em manter em bom estado as que estavam em operação; terceirizou a gestão da saúde; gastou fortunas na desapropriação de imóveis; edificou uma aberração arquitetônica de aço e vidro blindex bem no meio do Perequê para abrigar a prefeitura que, muito embora seja enorme, não tem espaço suficiente para acomodar todos os servidores municipais juntos, tão grande é seu número inflado por contratações sucessivas em cargos e funções conflitantes; diminuiu o tamanho da faixa de areia das praias do Itaguçu e do Engenho d’Água para aumentar a largura da Avenida Princesa Isabel; reformou a rotatória de entrada da ilha pondo abaixo a antiga para colocar no seu lugar, bom, sobre isso, já foi falado; asfaltou dezenas de ruas que já eram calçadas com paralelepípedos; fez e teve de refazer obras por causa da péssima qualidade com que foram primeiramente realizadas, a exemplo da ponte estaiada da ciclovia…
Uma outra matéria do Estadão, carregada no site do jornal também no dia 17 de fevereiro, furando o bloqueio da imprensa baba-ovo local, estampou a manchete: “com contas reprovadas, prefeitura de Ilhabela gasta mais em eventos do que em educação”. Ilustrada por fotos postadas no facebook de autoridades insulares ao lado de beldades do concurso de Miss Brasil 2017, bancado pelo dinheiro do município. Fotos de autoria das próprias autoridades presentes no evento que diziam juntamente com os periódicos ilhabelenses puxa saco fazendo servil coro, que o concurso traria enorme benefício ao turismo local.
Fato é que em nome do “turismo de Ilhabela”, gestões de safras diferentes tomaram a si com religioso fervor, empreender uma guerra santa e transformaram-se em cruzados obstinados na nobre tarefa de atraírem turistas para a cidade. Valia e continua a valer tudo: torrar o erário do município em concurso de miss até audição de música clássica e exposição do mestre da arte moderna Joan Miró; o meio comportando os eventos mais disparatados, porém, não menos onerosos. Gastando nisso muito mais do que na educação básica conforme relato do Tribunal de Contas.
E é esse Tribunal quem salienta que toda essa abundância de eventos milhardária em nada contribuiu para o crescimento do turismo; muito ao contrário, ao analisar a ocupação da rede hoteleira, ressaltou que em muita festa a ocupação foi até menor.
O óbvio ululante é que as pessoas visitam Ilhabela não por causa da sua paisagem arquitetônica que é horrível logo na sua entrada enodoada e assim persevera cidade adentro; não pela singularidade do seu patrimônio histórico que praticamente inexiste, mas sim pela natureza ainda intocada sobre a qual a cidade se implantou. Pelos oitenta por cento do seu território que pertencem ao Parque Estadual e estão íntegros, densamente vegetados e estupendamente belos a despeito da voracidade dos insetos que lá vivem.
Nem as praias, a rigor, exercem mais tão forte poder de atração porque depois de terem sido apropriadas por quiosques, bares, restaurantes, pousadas e hotéis como prolongamento dos seus negócios, perderam o que de natural possuíam. E que têm, muito mais grave, envergado vergonhosamente a bandeira vermelha da CETESB a ponto de todas elas a ostentarem na temporada de 2019.
Pois então de nada adianta torrar milhões e mais milhões em shows musicais para os gostos mais ecléticos, eventos esportivos que exigem inscrição paga dos seus participantes, feira náutica para rico ver, apresentação de música clássica que cobra ingresso dos munícipes que a forem assistir, concurso de beleza só para convidados vips, desfile de “celebridade pelas ruas da cidade”, exposições caríssimas de artistas incensados pela história da arte organizadas sempre pela mesma pessoa jurídica em processo com inexigibilidade de licitação, rega bofes gastronômicos envolvendo custos de infraestrutura temporária em valor que poderia edificar prédio de eventos permanente para as gerações futuras … Ufa, enfim: de nada vale torrar milhões em pretensiosos “eventos turísticos” para atrair turista porque eles não vêm à ilha por causa deles. É um gasto sem retorno. Não tem o poder nem de gerar emprego em nível expressivo, nem o de gerar maior receita. Ponto final.
É no mínimo insólito, portanto, buscar endossar essa tese furadíssima, gastando mais duzentos e vinte e quatro mil reais para publicar, através da calejada inexigibilidade de licitação, numa editora lá do Espírito Santo, livro que diz que “turismo gera emprego”. Numa muito avantajada tiragem, a julgar pelo valor contratado, suficiente para ser completamente distribuída entre os habitantes da cidade alfabetizados com paciência e inteligência necessárias para ler matéria de maior complexidade do que as corriqueiras postagens iradas que vicejam nas rede sociais.
Naquela lista de parágrafo anterior enumerando os mal feitos das administrações de Ilhabela, faltou um item de enorme relevância. Que nessa lista não pode entrar como realização infeliz, mas justamente como uma evidente falta de qualquer realização.
Trata-se do saneamento básico. Relatório do Tribunal de Contas de 2018 informa que Ilhabela coletava apenas trinta e cinco por cento do seu esgoto e tratava a irrisória quantidade de quatro por cento dele. Com um resultado escabroso desses, não espanta que seja sideral a distância da cidade daquelas demais citadas pelo Tribunal de Contas como referência de poder de investimento – Daytona Beach e Kelowna.
Ilhabela pode ter tanto dinheiro quanto elas mas longe está de ter a beleza, a funcionalidade, a eficiência delas. Na verdade, está é próxima das mais miseráveis ao falhar fragorosamente na questão do saneamento básico, cuja falta provoca sérios problemas de saúde pública. Ocupava em 2018 o décimo terceiro lugar no quesito de pior saneamento de todo o estado de São Paulo. Numa relação de seiscentas e trinta e duas cidades.
O que talvez anime um outro esperto publicitário a soldo das finanças municipais a criar o slogan: “Ilhabela, a 13ª entre 632!”
Diante desse quadro lastimável, a notícia da audiência pública na terça-feira passada, dia 11 de fevereiro, sobre o contrato da SABESP em curso para cuidar do saneamento básico do município, era animadora porque dava a entender que enfim se focava numa questão crucial para o futuro da ilha.
O auditório da prefeitura ficou cheio e representantes diversos da sociedade civil se pronunciaram questionando o contrato e sugerindo modificações que o melhorassem. A relevância desse evento público nada tinha de turístico. Ele seria um palco maravilhoso para as autoridades insulares virem a luz. Até por isso a câmara municipal desmarcou sua sessão para que os vereadores pudessem estar presentes.
Já o poder executivo… Causou espanto que a prefeita a abandonasse para se ocupar de outro compromisso dito oficial, deixando perplexos todos os que assistiram a cena constrangedora da sua saída se perguntando: que compromisso pode ser mais importante do que o de debater o saneamento básico de Ilhabela?
– Participar de um banquete na “ilha de caras”. Prefeita e outras autoridades do poder executivo foram posar de convivas para as lentes de fotógrafos paparazzi, esses que vivem de capturar flagrantes da vida dos “famosos”.
O vereador Marquinhos Guti, bradou enfurecido diante do auditório da prefeitura esvaziado depois de mais de quatro horas de falatório, achar um absurdo o poder executivo de Ilhabela ter se ausentado do debate.
Indignada, como é do seu costume, Janaína Pascoal conclamou no dia 18 de fevereiro em sucessivos twitters:
“Segundo o Estadão, Ilhabela gastou 27 milhões em eventos e 16 milhões em educação no mesmo período. Dentre os eventos, um concurso de beleza. Ilhabela nada investiu em saneamento básico. Recentemente, recebi munícipes com sérias queixas na seara da saúde. Se o projeto de lei 07/20 em tramite na Alesp, for aprovado, ficará proibido gastar dinheiro público em inutilidades: shows, patrocínios, festas, propaganda de governos estéreis. Dinheiro público pertence a todos! Tratam como se dinheiro público fosse de ninguém! Colegas, ajudem a dar andamento ao PL 07/20, para o bem de todos nós!”
A indignação da deputada estadual reverbera em nível federal e a verdade do presente é que Ilhabela tornou-se exemplo nacional de má gestão pública. O que talvez anime algum outro publicitário capacho do …, bom, chega disso.
E o futuro. Puxa, o futuro. Lembraremos amanhã de uma advertência do Tribunal de Contas: Ilhabela não tem qualquer plano de contingência frente à possibilidade de redução do valor dos royalties, possibilidade essa concreta a partir de simulações de receita futura.
Simulações que não levaram em conta a hipótese de que os royalties sejam bloqueados por ordem federal ou a de que a legislação mude e essa receita seja equanimemente dividida entre todos os municípios.
Sim, é de bom tom reforçar, bem ao lado do quesito “saneamento” na bojuda relação de ações não realizadas, faltou “plano de contingência para o caso de diminuição ou fim dos royalties”.
Se os royalties diminuírem drasticamente, qual destino teria Ilhabela? Os relatores do Tribunal de Contas o imaginam parecido ao do Rio de Janeiro atual. Um estado de falência completa, total desordem, abjeta desumanidade.
Consternada frente a esse quadro pavoroso, catastrófico, bem que a prefeitura poderia reconsiderar o gasto nesse livro apócrifo de “turismo gera emprego” e redirecioná-lo para bancar a tiragem de outro, desta feita, um romance escrito por Carlos Knapp, autor do magistral “o sumiço do mundo” que tem Ilhabela como protagonista. O título dessa sua nova obra literária seria “o sumiço dos royalties”. Que de tão extraordinária história engendraria filme homônimo ainda mais excepcional do que Bacurau ou democracia em vertigem e, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o ganharia para o orgulho exultante da pátria amada Brasil.
Em vídeo que circula na internet, ao vermos o vereador Marquinhos Guti continuando a manifestar a sua contrariedade com a atitude da prefeita e secretários municipais, revelar que no ano passado a “ilha de caras” abocanhou mais de quinhentos mil reais da prefeitura, a gente conclui que esse banquete no qual autoridades do poder executivo se divertiam fazendo selfies e posando todo dentes para os paparazzi de plantão não foi de graça.
A foto acima que ilustra a coluna é a de uma praia de Ilhabela. Pequena, intimista, fica ao lado de uma outra menor em frente ao bar do Tuca, no sul. Boa parte dela é inteiramente ocupada por pedras roladas de tamanhos variados, formatos e cores. A faixa de areia é diminuta. Da estrada há um acesso para descer até ela. Uma escadaria de pedra. Ela é pouco frequentada conforme atesta registro feito no domingo, dia 16 de fevereiro. Seria um local perfeito porque lá não houve a ação predatória da venda de cerveja, cachaça e frituras, não fosse o detalhe de existir desembocando nela um filete perpétuo d’água canalizado, que passa por debaixo da estrada.
Próximo à boca de alvenaria que o derrama praia e mar adiante, vemos latinhas de alumínio, papéis, bitucas de cigarro, invólucros de alimentos, absorventes, resíduos pastosos amarronzados compondo uma multifacetada quantidade de lixo catingando o ar marinho. Se elevarmos o olhar acima dessa bocarra de dejetos vamos divisar doutro lado da estrada uma propriedade luxuosa com bandeirolas tremulando ao vento. Bandeirolas estampadas com o logotipo de “caras”. Pois ali é a “ilha de caras” em Ilhabela.
A se crer no depoimento em vídeo posto no facebook por um ilhabelense gozador, que filmou e comentou o fato desse esgoto desaguar na praia tendo como um dos prováveis emissores a imponente mansão da “ilha de caras”, nos espantamos ao imaginar qual seria a verdadeira natureza da material contribuição oferecida ao turismo insular pelas “celebridades” que lá se hospedaram para depois “desfilarem” por Ilhabela, – a mais rica cidade do Brasil.
olalaporno.com shemale destroys her man.
Difícil saber qual o maior, o xilogravurista, o fotógrafo ou o escritor!
Um misto de foto reportagem, com crónica social
e um forte grito de angustiante denúncia
bem nos moldes de democracia em vertigem!