São Sebastião: balanço dos danos e reconstrução 1 ano após a tragédia

O desastre das chuvas durante o carnaval de 2023, em São Sebastião, resultou em uma tragédia humana, com a perda de 64 vidas. Na ocasião, 26 pessoas foram resgatadas com vida e centenas de famílias ficaram desabrigadas.

Foram 682 milímetros de acumulados de chuva em menos de 24 horas. Por isso, passou a figurar como uma das maiores chuvas da história do país, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

O temporal  provocou alagamentos e deslizamentos de encostas no trecho da rodovia Rio-Santos desde São Sebastião até a comunidade indígena da Juréia, impactando principalmente a Vila e a Barra do Sahy.

Durante a catástrofe, 100 quilômetros de rodovias foram afetados, com mais de 80 pontos de bloqueio, 35 km de área destruídas, além de 700 cicatrizes nas encostas da Serra do Mar. Em toda a cidade, 18 bairros e mais de 500 ruas foram atingidas, resultando em mais de três mil desabrigados e desalojados.

Nos bairros mais atingidos na tragédia, Barra do Sahy e Vila Sahy, pelo menos 50 casas desabaram, atingindo moradores, turistas e familiares que vieram para a cidade para aproveitar o feriado.

Em Juquehy, alagamentos, desabamentos e carros submersos, além de duas mortes.

Outros bairros como Cambury, Boiçucanga e Toque Toque Pequeno enfrentaram também a falta de água e luz. Na Topolândia, duas casas desabaram por completo.

Um dos motivos do desabamento, segundo autoridades, foram as condições precárias de moradia em áreas de alto risco, onde estava o maior número de vítimas.

As chuvas e o Rotavírus

Mais de 600 pessoas trabalharam no resgate e auxílio às vítimas, entre profissionais da Saúde, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Rodoviária e muitos voluntários.

Além da quantidade indescritível de lama e escombros, um inimigo invisível atrapalhou as equipes: o Rotavírus.

O contato com o esgoto agravou a proliferação da doença, que causou problemas gastrointestinais, como náusea, vômito e diarreia. Dezenas de casos foram informados, tanto entre os profissionais de resgate, como bombeiros e voluntários, quanto moradores que permaneciam nos locais atingidos.

Os animais vítimas da tragédia

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Foto: GRAD

O Grupo de Resgate e Animais em Desastres (GRAD), um grupo de voluntários composto por mais de 80 membros e que promove ajuda humanitária aos animais e pessoas em situação de vulnerabilidade, resgatou mais de 100 animais vitimados pela tragédia em São Sebastião.

O grupo contou com o apoio de ONGs locais, voluntários, bem como do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de São Sebastião e de clínicas veterinárias que abrigaram os animais até que seus tutores se restabelecessem, para então recebê-los novamente.

Porém, muitos cães e gatos perderam suas famílias e foram absorvidos por ONGs e até por uma médica veterinária do GRAD. Destes animais, muitos chegaram machucados e desnutridos e hoje estão saudáveis. Dezenas de cães e gatos ainda se encontram disponíveis para adoção no CCZ.

 

Rede de Solidariedade

A despeito da dor causada por uma tragédia dessa proporção, a cidade viu brotar espontaneamente uma rede de solidariedade.

Cozinheiros e restaurantes distribuíram, gratuitamente, marmitas às vítimas e trabalhadores. Alguns deles acolheram desabrigados e forneciam internet para as vítimas se comunicarem com suas famílias.

Anônimos emprestavam seus braços, carros e barcos para transporte de vítimas e mantimentos, em um movimento incansável de idas e vindas.

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Foto: Marinha do Brasil)

A Marinha do Brasil enviou o ‘Navio-Aeródromo Multipropósito Atlântico’, que levou à São Sebastião 28 profissionais da saúde entre ortopedista, cirurgião geral, anestesista, cirurgião dentista, farmacêutico e enfermeiros. Foram mais de 200 leitos hospitalares disponíveis e UTI completa, ampliando a capacidade de atendimento às vítimas.

A Receita Federal doou mais de 60 toneladas de mercadorias às famílias do Litoral Norte. De acordo com o órgão, foram mais de R$ 11 milhões em roupas, calçados, itens de cama, mesa e banho, higiene pessoal, material de limpeza e utensílios de cozinha. Além disso, a Receita liberou uma lancha para a Defesa Civil para facilitar a entrega de doações em locais sem acesso rodoviário.

Os voluntários fizeram chegar às vítimas em isolamento, desde leite especial para um bebê que necessita da fórmula para se alimentar todos os dias, quanto alimentos, água e absorventes. “Pessoas arriscaram suas vidas para salvar as nossas”, comentou uma jovem nas redes sociais do Nova Imprensa.

Começo da reconstrução

Três meses depois da tragédia, o governador do Estado, Tarcísio de Freitas, autorizou 270 famílias a retornarem para suas casas, com iminência de evacuação em caso de chuvas intensas.

Em junho de 2023, a Fundação Getulio Vargas (FGV), Alelo e Instituto Verdescola distribuíram R$ 9 milhões em cartões para 995 famílias vítimas das chuvas.

Com valores de até R$ 15,8 mil, as pessoas contempladas na Faixa 1 são os moradores que tiveram a residência interditada pela Defesa Civil e possuíam maior vulnerabilidade (incluindo pessoas com deficiência – PCD; idosos acima de 70 anos; recém-nascidos; gestantes ou que perderam parentes em decorrência das chuvas). Já a Faixa 2 incluiu as demais famílias cadastradas.

Paralelamente, o Fundo Social de São Sebastião realizou uma ação em prol das famílias que foram transferidas, em caráter emergencial, para apartamentos em Bertioga.

A transferência das famílias para os apartamentos do Conjunto Habitacional Caminho das Flores, foi uma medida emergencial do governo do Estado que atendeu cerca de 1.200 pessoas.

Outras 165 famílias passaram a receber um Auxílio Aluguel de até um salário mínimo (R$ 1.302) pago pela administração municipal por um período de seis meses, podendo ser renovado por até três períodos iguais e sucessivos, totalizando o repasse de até 24 parcelas.

Em fevereiro de 2024, o Governo do Estado anunciou investimento de R$ 123 milhões em obras de contenção na Vila Sahy, na Costa Sul de São Sebastião, aplicado pela Prefeitura. Essa medida também serviu para preservar parte da comunidade, uma vez que 900 casas seriam removidas do local a pedido da Procuradoria Geral do Estado (PGE), por entender que haveria risco na região.

Um ano depois da tragédia, o governo do Estado entregou 704 apartamentos, sendo 518 no bairro Baleia Verde e 186 em Maresias.

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Na justiça

Em dezembro de 2023, a Promotoria de Justiça de São Sebastião e a Defensoria Pública protocolaram ação civil pública contra o município de São Sebastião, pedindo a fixação de indenizações pelos efeitos da tragédia.

Para o promotor Valério Moreira de Santana e o defensor Filovalter Moreira dos Santos Junior, o Poder Executivo de São Sebastião deve pagar R$ 20 milhões a título de dano moral coletivo e R$ 10 milhões por dano social. Entretanto, destinado ao Fundo Municipal de Regularização Fundiária.

A ação requer também o pagamento de 400 salários mínimos para a família de cada pessoa falecida em decorrência dos deslizamentos e inundações, de R$ 10 mil a cada família que permaneceu desalojada ou desabrigada e de mais R$ 10,9 mil a título de indenização material, também para cada família.

Novas áreas de risco

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Após a tragédia de 19 de fevereiro, identificou-se cinco novas áreas de risco nos bairros  Juquehy, Cambury, Vila Sahy, Baleia e Baleia Verde.

O Plano Municipal de Redução de Risco, elaborado em 2018, indicava 9 mil pessoas vivendo em áreas de risco. A estimativa atual é de que este número tenha subido para 16 mil.

O risco de escorregamento de terras em regiões habitadas por pessoas com perfil socioeconômico mais baixo está geralmente relacionado a uma combinação de fatores sociais, econômicos e ambientais.

Em muitos casos, populações de baixa renda podem não ter outra opção senão construir suas casas em áreas que são mais propensas a deslizamentos, como encostas íngremes e áreas não urbanizadas. Isso, devido ao custo mais baixo do terreno ou à falta de alternativas habitacionais acessíveis.

Além disso, para construir moradias, cortam-se as árvores e remove-se a vegetação natural que ajuda a reter o solo e evitar a erosão.

Há também a questão da falta de infraestrutura adequada e construção informal, sem aderir a códigos e padrões que garantiriam a estabilidade do solo e a segurança estrutural. Por exemplo, o sistema de drenagem que minimizaria o risco de deslizamentos durante chuvas fortes.

Mesmo quando os riscos são conhecidos, as famílias de baixa renda podem não ter os recursos financeiros para realocar ou investir em melhorias para tornar suas casas mais seguras.

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