novamente, carnaval antecipado em São Sebastião
coluna de opinião de série foto em foco
Márcio Pannunzio, texto & fotos
A foto em foco carnaval antecipado em São Sebastião finalizava com uma palavra em negrito que perguntava:
termina?
fotomontagem
Hoje bem sabemos que não. E mais de um ano depois dos fatos que a inspiraram, de novo a avenida da praia foi ocupada por figuras carnavalescas antes da hora.
A larga faixa estendida no gradil deixava claro que ela seria interditada do dia 9 ao 13 de fevereiro, sempre depois das 18h. Entretanto, no dia 7 ela ficou intransitável o dia inteiro. Isso porque foi invadida por gente colorida de verde amarelo assim como fez a que acampou em frente à Delegacia da Capitania dos Portos nos meses finais de 2022. Embandeirados se perfilaram ao pé de seu messias em imagens que viralizaram com gosto na claque bolsonarista; Damares se ufanando de que isso sim era manifestação de apreço popular em tudo diferente dum trechinho recortado com lupa duma outra, de Lula em Belford Roxo. O Brasil inteiro, quiçá o mundo também, sabem agora que em São Sebastião Litoral Norte do estado de São Paulo, Jair Messias Bolsonaro é rei.
Pois do alto do palanque trio elétrico pago não se sabe por quem, na avenida que em breve seria verdadeiramente carnavalesca, ele pançudo posou de rei momo sempre batendo na tecla do vitimismo e na repetição dum versículo só, o 8:32 do Evangelho de João que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
No dia seguinte, a hora da verdade, ao pé da letra e pra ficar mais bonito, classudo, erudito, em latim assim tempus veritatis, chegou. “Eu sei o que vocês fizeram o verão passado”, corrigindo, inverno passado, bem podia ser o nome do vídeo gravado pelo Mauro Cid que escancarou pra nação & mundo a face da ignomínia bolsonarista sem retoque e essa face nada tem de carnavalesca; ela é, primordialmente, criminosa.
Vídeos do acabou porra!, e os da reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 viraram biribinhas ao lado desse, de reunião ministerial em 5 de julho 2022 e agora sabemos que conhecendo a verdade, ela nos libertará muito embora possa encarcerar bastante gente graúda a começar por aquele que tanto tanto repetia o versículo sobre a verdade a esganiçando numa fala ressentida.
Escolher estar em São Sebastião reunindo sua tropa ruim pra sambar “liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!”, mas bem capacitada pra numa coreografia Thriller reverenciar numa toada desafinada aos berros duma nota só justamente o seu inverso, o autoritarismo, não foi fruto do acaso. Havia o depoimento desmarcado, o caso da baleia jubarte toureada, mas esse é pretexto menor.
Escolheu estar na cidade porque sabia que ela o teria eleito como igualmente o faria Ilhabela. Ponto em comum, os prefeitos fizeram campanha para a sua vitória. Estaria pois, no meio do seu rebanho.
No palanque, puxa-sacos agitavam histéricos baleias de inflar fazendo troça duma atitude que a Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987 pune com pena de dois a cinco anos de reclusão, além do pagamento de multa.
Funcionando como atracadouro de navio de gado vivo, inclusive navio sucateado , o porto da cidade se notabiliza por ser dos poucos que permitem essa prática vergonhosa, recriminada no mundo inteiro. Se a população, à exceção duns teimosos que levantam bandeira contrária, não se agonia com a crueldade imposta aos animais confinados em espaços minúsculos durante uma travessia oceânica interminável ao fim da qual, se chegarem vivos, serão esfaqueados ainda conscientes pra sangrar até morrer seguindo preceito religioso, por que se aborreceria com baleia acossada por jet ski?
Quando deputado, Bolsonaro deu carteirada em fiscal que o autuou e multou por pescar em área de preservação. Em campanha, prometeu que, eleito, acabaria com o Ministério do Meio Ambiente. Eleito, despediu o fiscal que o multou. Não conseguiu cumprir a promessa de extinguir o ministério, mas o desidratou a ponto de torná-lo inexpressivo.
No discurso à multidão que não era avantajada porque todos os vídeos que a mostram fogem ligeiros das suas bordas, Bolsonaro disse que poderia “estar já cuidando da minha vida, estar fora do Brasil”. No dia seguinte, o dia da limpeza da lixaiada deixada de lembrança lambança por essa “gente da direita que trabalha”, – palavras do ex-presidente -, ele ficou sabendo que não poderá sair do Brasil.
Esse povo inflamado que sequestrou a avenida da praia não teve coragem de sambar ao som “daqui não saio, daqui ninguém me tira” e retirou-se. Além do refrão de adoração ao bezerro de ouro, MITO MITO MITO MITO MITO MITO MITO MITO MITO MITO MITO, bradou e muito, enraivecido, “Lula ladrão, o seu lugar é na prisão”.
Essa aglomeração estridente, nada carnavalesca, adepta do duplipensar de 1984, ao juntar sem atrito conceitos antípodas como os de democracia e o de autoritarismo, liberdade e ditadura, haverá de ignorar, tripudiar do pensamento humanista, libertador de George Orwell, sintetizado na frase “em tempos de engano universal, falar a verdade torna-se um ato revolucionário”.
Diante da ofensiva do poder judiciário, pouco caso farão do versículo de João. A verdade não importa; vale mesmo a narrativa duma exdrúxula teoria da conspiração capturando as mentes enfraquecidas.
Essa postagem incógnita circula veloz e venenosa nas redes sociais.
Isso pensam os fanáticos que engrossam manifestações. Para eles, a verdade é o seu inverso; a verdade é o seu oposto; a verdade é, visceralmente, o seu contrário: a mentira.
O cabeçalho revela a ignorância de quem o redigiu; a sua pouca ou quase nenhuma familiaridade com a gramática a ponto de colocar sobre o “que” um inexistente acento cincunflexo.
Se essa gente criminosamente golpeia a frágil democracia brasileira, porque não haveria de também estuprar a língua portuguesa?
Como encarar como santo quem zombou dos que morreram de covid, imitando, teatralmente, a falta de ar que sentiram antes de serem entubados ou quando, sem nenhuma assistência médica, em enorme sofrimento sufocaram até morrer?
Pesquisas sérias comprovaram: morreram muito mais bolsonaristas do que os que não abraçaram essa ideologia maligna e tóxica.
Santo? Jamais.
Mártir? Como enxergar nessa condição um genocida que praticou sedição golpista? Alguém que difundindo a mentira, ocasionou a morte? Alguém que traiu a própria pátria?
Solto seria presidente? Inelegível já por oito anos, somente no futuro poderia concorrer e esse futuro poderá se dilatar e muito quando for fechado o inventário interminável dos seus crimes.
Eleito presidente como? Se usando de incontáveis atos espúrios, se gastou a rodo, se comprou e enlameou tantos, se empregou todos os artifícios desonestos, imorais ao seu alcance e mesmo assim foi derrotado?
Todavia, esse acontecimento que celebrou a força do bolsonarismo logo aqui, no seio do Litoral Norte, poderá colaborar para a prisão preventiva de Jair que não se conformou em já ir embora. Afinal, insuflar movimentos contra governo democraticamente, legitimamente eleito e contra o poder judiciário com potencial de abalar a ordem pública e tumultuar investigações policiais em curso poderia ser enquadrado como requisito da sua decretação.
Do lado de lá do canal, novamente, de novo novamente, notícia antiga ainda fresca volta à tona: prefeito e vereadora trocam insultos. O estopim foi um projeto de aumento salarial da elite do poder insular que segue bem vitaminada e robusta encabeçando a folha de pagamento. Morreu no nascedouro. Entretanto, a desfaçatez de querer mais e mais pra quem tem tanto frente aos que quase nada têm, incendiou uns poucos ânimos na câmara municipal. Ao assistir o vídeo oficial da sessão, no entanto, não se verá nem se ouvirá a berraria: “o senhor é um bandido, corrupto, mentiroso, traidor…”. Pra ver a xingação, é preciso abrir o vídeo tornado público pela vereadora. A diferença é que desta vez, a briga, apesar de filmada como a anterior, não caiu no colo e no gosto da grande mídia pois havia baixaria muito maior, de envergadura nacional sendo descoberta.