foto em foco: de bem na fita

de bem na fita

artigo de opinião da coluna foto em foco

Márcio Pannunzio, texto & fotos

Da gritaria numa salinha do palácio sauna de cristal matagado tendo como litigantes vereadora e prefeito foi feito filmezinho e lançado às feras das redes insociáveis pela parte sentida ofendida, viralizou. E na uivaria que se seguiu não apenas no mundo virtual, mas também no real dos jornalões de papel e noticiários da TV, uns saudavam a  vereadora interpeladora, outros o prefeito colérico.
Em tempos de gente crispada, com os nervos a flor da pele, com a tolerância atropelada pela barbárie golpista, por muito pouco as pessoas se melindram e logo partem pro enfrentamento e ele, quase sempre é mediado por arma de fogo, do lado dos ultra direitistas berradores do lema fascista “deus, pátria, família”. Qualquer aresta vira motivo pra não me toques e desencadeia reação explosiva, choro, alarde, denúncia, processo, o escambau como outro filminho memorável eternizou, o da espevitada ruiva deputada lambe botas ex-presidenciais míticas perseguindo com pistola em punho rígido o jornalista Luan Araújo só porque ele cantarolou “te amo espanhola”.

O vídeo do entrevero insular edil-mulher x prefeito-homenzarrão está aí com suas falas legendadas ainda reverberando e é fácil, pra quem preza a elegância e a boa educação, concluir que ali rolou queixume choroso e vozerio autoritário.

A vereadora magoada posa hoje intrépida ao lado do combativo vereador Raul da habitação formando dupla dinâmica a serviço infatigável da fiscalização do gasto público. Todavia, em passado pouco antigo, na posição de presidente da Câmara Municipal de Ilhabela, a toque de caixa, em histórica sessão do dia 23 de março de 2022, aprovou a abertura de processo de cassação do mandato do agora companheiro de operações de denunciar malfeitos do poder executivo justamente por ele fazer isso em discurso incendiário na tribuna.

Na ilha surreal, na ilha da fantasia desses onipresentes banners publicitários banha-ovo terraplanistas, incongruência fantástica realmente verdadeiramente inacreditavelmente, acontece: os dois briguentos são filiados ao mesmíssimo partido político, rezando pois, por idêntica cartilha.

PL.

Partido Liberal. Presidido por Valdemar Costa Neto, dez saudáveis dedos, ex-presidiário, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão.

Recentemente, deputado do Ceará foi expulso do partido apenas porque posou ao lado do presidente Lula.
Como pôde então a vereadora antagonizar com o prefeito, quadro partidário de suma importância, alinhado a sua ideologia tanto que fez campanha apaixonada no segundo turno pela reeleição de Bolsonaro por considerá-lo “a nossa alternativa”, “nossa única saída”, Bolsonaro que é hoje o presidente de honra do PL?

Não seria o caso do seu comportamento desrespeitoso ser objeto de análise pela comissão de ética do partido? No limite, não seria caso de expulsão?

Quem acompanha o noticiário percebe que esse é um  partido coeso, de parlamentares belicosos, a exemplo dos deputados federais Nikolas Ferreira ( o da peruca loira ), André Fernandes ( popularmente conhecido como raspa cu ),  Carla Zambelli ( ela mesma, a do “te amo espanhola” ),  Ricardo Salles ( de passar a boiada e réulator da CPI do MST  ), Abílio Brunini ( comparado injustamente ao pateta Curly Howard  ) entre os inúmeros que causam colossal baderna na CPI do MST e na CPMI do 8 de janeiro. O que não se vê é membro do partido interpelando Bolsonaro ou Valdemar.

nos banners da avenida, uma ilha surreal

Então, é realmente verdade o que papagaiam esses banners ufanistas embelezando a avenida; Ilhabela é surreal. Somente aqui aconteceria duma figura menor do partido liberal peitar com destemor o político maior desse partido na cidade, o prefeito que retomou em 2020 o trono do palácio sauna de cristal matagado por ele mesmo edificado. Nessa memorável ocasião, seu retumbante triunfo aconteceu sob o jingle bradado pelos seus eufóricos simpatizantes, o do “Volta Colucci”.

Se dentro do partido existe harmonia e destemida ação coordenada em defesa intransigente de deus, pátria, família e liberdade, existe fora dele muita gente o antipatizando a ponto de desmerecê-lo, falar dele mal e bastante deslustrando seu hodierno nome, chamando-o não de partido liberal, mas de partido ladrão.

Para os seus filiados, isso só pode ser coisa de invejoso, invejosa. Nas eleições passadas, foi o PL o grande vitorioso conquistando na Câmara dos Deputados em Brasília, a maior bancada, com 99 deputados eleitos. Tão consagrado agrupamento político, diante da enormidade da sua glória, teve a coragem de questionar a lisura das urnas eletrônicas em ação protocolada no TSE em 22 de novembro.

Visto que há pouco, deus foi ignorado, a pátria foi desonrada, a família foi aviltada e a liberdade foi afrontada, imprescindível é a existência do PL defendendo essas bandeiras tão caras à brava brasilidade. Contribuindo com a sua vitalidade, energia e sabedoria para que o Brasil efetivamente fique acima de tudo e não ladeira abaixo como pária entre as nações e para que, também deus fique acima de todos e lá da celestial altura nos enxergando todos seja pois conosco misericordioso, não permitindo que tantos e tantos milhares de nós faleçam como desgraçadamente faleceram doentes do vírus da China ainda que muitos deles tivessem antes enchido o bucho de cloroquina e ivermectina.

O pomo da discórdia entre a ex-presidente da Câmara e o prefeito foi uma licitação para contratação de empresa para cuidar da divulgação da imagem institucional da Ilhabela cantada em verso & prosa no mundo virtual.

O dado bizarro desse imbróglio é que desencadeou uma exposição enorme de Ilhabela na imprensa nacional.

Mais espantoso foi que no final das contas, a ilha, quem diria, ficou bem na fita pois posou de bela figura tanto num lado quanto no outro, agradando a gregos e troianos. Quer dizer, conservadores e progressistas.

Os primeiros aplaudiram a fala firme do prefeito.
Feministas, esquerdistas, comunistas, lulistas, socialistas, janjistas, grazianistas e ista e mais istas adoraram a atitude briguenta da vereadora.
Involuntariamente ela acabou colaborando para fazer trabalho superior, de alcance maior do que faz a assessoria de imprensa municipal ladeada pela imprensa chapa-branca, violadora contumaz do código de ética do jornalismo que defende ser dever do jornalista trabalhar pelo direito à informação honesta por meio de uma exposição dos fatos feita com seriedade e imparcialidade.
Ilhabela foi notícia de peso e vulto atraindo a atenção de turistas conservadores e progressistas, inovando sem ficar no lengalenga de capital da vela, de estacionamento de transatlântico brega-chique, palco de shows milionários, a mais rica das cidades do Brasil. Esse feito saciou por um momento o apetite insaciável da política monocórdia da “Ilhabela indústria do turismo” que quer porque quer botar o turismo literalmente acima de tudo, acima da pátria, acima de deus e que se lasquem os que não venerarem essa diretiva autocrática.
Pode ser que isso explique o motivo da parlamentar não ter sido admoestada pelos dirigentes locais do PL; afinal, ela colaborou para cumprir essa missão pregada noite e dia pela publicidade oficial.

O valor da licitação, quase quatro milhões, apesar de grande é fichinha perto doutros, como é caso da tapa-buracos, vencida por uma quantia de mais de sessenta e quatro milhões. Cidades de porte semelhante ao de Ilhabela, gastam uma fração disso.  Cidades maiores espalhadas pelo Brasil também exibem custos bem menores.

Ilhabela se notabiliza pela grandiosidade dos números do dinheiro que arrecada e gasta. A maior parte do seu orçamento é abastecido pelos generosos royalies do petróleo e aqui reside outra cruenta contradição: como um lugar que se vende como paraíso ecológico enriquece à custa da exploração duma fonte de energia demonizada por onze entre dez ambientalistas?
Com números tão robustos de arrecadação e licitações, a cidade devia brilhar com As nos quesitos de índice de efetividade da gestão municipal.

Mas não.
Quem consulta o relatório do tribunal de Contas do Estado de São Paulo 2022 descobre que as notas de Ilhabela, à exceção da i-cidade e da i-saúde, notas B, estão todas no rodapé, todas notas C, – baixo índice de adequação.

i-Plan/TCESP, i-Educ/TCESP, i-Saúde/TCESP, i-Cidade/TCESP, i-Amb/TCESP e i-GovTi/TCESP são para a maioria das pessoas, palavras duma terminologia somente entendida por doutores, desses que geralmente marcam ponto posando enfastiados na globo news e programas congêneres abusando do  juridiquês.
Quando estes indicadores rastejam na tabela, a população já sente na pele, no dia a dia, o desconforto de ser mal atendida pela municipalidade. E eles rastejaram e muito acompanhando os recordes recentes de pobreza, desigualdade e fome.

Encastelado nos palácios do coração do Brasil, os tentáculos da ultra direita bolsonarista se estenderam cancerosos pelas cidades de todas as estaturas que, acriticamente, os aceitaram apesar deles bafejarem o tombando desses índices ininteligíveis.  Nelas legitimou-se o patrimonialismo, o populismo autoritário, o preconceito à mudança dos costumes, a aversão ao debate mediado pela cultura e pela ciência, a perseguição raivosa à oposição, a incompetência administrativa, a prática de infrações lesivas ao meio ambiente, a construção de escolas cívico-militares.

Agora somos surpreendidos pelo gradual desvendamento de crimes assustadores, repugnantes que maculam figuras de todos os escalões do poder, inclusive o militar que foi pelos lunáticos golpistas invocado como o salvador da pátria.
Pois o que aflora n’alma nesses dias de tantas revelações bombásticas são sentimentos antípodas. De um lado, o alívio de percebermos que o projeto de destruição do país enfim encontrou freio e de outro, a aflição, pela dolorosa constatação de que as pessoas que o abraçaram continuam, muitas delas, a acreditar em suas crenças e como os alienígenas da série clássica The Invaders – os invasores -, de 1967, estão entre nós e vieram para ficar.