O festival Citronela acabou. No dia 12, domingo. Foram três dias de exibição de documentários brasileiros que passaram voando. O evento foi sediado no esporte clube, na Vila, em Ilhabela, com vista privilegiada do mar. Foi o tipo de acontecimento cultural com potencial de atrair um público amante de cultura e antenado com as melhores políticas de inclusão social e combate ao preconceito e ignorância, como era o público do saudoso Vento Festival que, não encontrando a merecida acolhida da reacionária administração municipal passada, migrou para São Sebastião.
O bacana do Citronela Doc, esse é o seu nome, é que todos os documentários podem ser assistidos pela internet no site https://todesplay.com.br/ na área nhaí, que é livre de cobrança.
O ruim é que só dá pra fazer isso até o dia 16, quinta-feira agora, incluída. É um tempo muito, muito, muito pequeno pra poder conferir tanto documentário bacana.
fotos Márcio Pannunzio
Mas vale a pena assistir, pelo menos, o a jangada de Welles, uma viagem complexa, de matiz épica que, sob a direção de Petrus Cariry e Firmino Holanda revolve o passado da era Vargas e aterrisa nesse nosso presente tão conflagrado. Jangadeiros heróis; caiçaras pobres roubados das sua terras e do seu precário sustento; políticos populistas e autoritários normatizando a miséria e a desigualdade; todas elas, narrativas avessas daquele projeto publicitário de política de boa vizinhança gringa que teve a participação problemática do gênio Orson Welles o subvertendo a ponto de conseguir honrar o título do filme que jamais conseguiu finalizar: it’s all true – é tudo verdade.
Certa vez na costa do Brasil eu vi o oceano tão escuro de sangue que ficou preto enquanto o sol sumia no horizonte. Fomos para Fortaleza. E alguns de nós estavam pescando. Consegui a primeira fisgada. Era um tubarão. Então veio outro e mais outro. Todo o mar estava coberto de tubarões. E continuavam surgindo. Nem conseguia ver a água. Meu tubarão se feriu no anzol e o cheiro de sangue enquanto se debatia deixou os outros loucos. As feras começaram a comer uma às outras. Em seu frenesi comeram a si mesmas. Podia sentir seu gosto por matar como um cisco dentro do olho. Podia sentir o cheiro de morte exalando do oceano.
Locução de uma fração de um depoimento de Orson Welles sobre sua experiência durante as filmagens no nordeste, na praia de mucuripe, no terço final do documentário.