Num gélido e cinzento final de semana do início de setembro aconteceu o Vento Festival. Na Praça de Eventos de São Sebastião. Um local tão hostil quanto o clima friorento e úmido, agulhando a pele do rosto e das mãos, elas desprotegidas dos agasalhos e esfriando os pulmões. Quando a gente pensa em praça, pensa numa paisagem bucólica, com árvores, com bancos ao ar livre, de encostos confortáveis, como aqueles sinuosos de granilite, ostentado a propaganda dos seus patrocinadores, ou os de madeira e ferro, ainda mais antigos. Mas essa praça de eventos é sim um deserto urbanístico como o Largo da Batata em São Paulo e se houvesse lei que prestasse, os políticos e os urbanistas responsáveis por esses descalabros arquitetônicos que exterminam o pouco de civilidade que continua a resistir em nossas cidades, deveriam ser presos por décadas.
Mas a despeito do clima e do lugar, o Vento Festival foi um sucesso. De público e de conteúdo. Os artistas que se apresentaram eram músicos independentes brilhantes. Politizados e com um trabalho diferenciado, de alta qualidade musical e poética. Coisa que não se vê na TV e redes sociais, tão ciosas as duas de estimular a breguice e a idiotice.
Compartilhando o espaço dos shows, em um ambiente que estimulava e respeitava a diversidade, havia uma feira de produtos artesanais descolados, uma praça de alimentação bem sortida e sobrava lugar para exibição de arte com A maiúsculo, onde imperava soberano o xilogravador Rafael Cão.
Não dá para entender por que o Vento saiu da Ilha, que tinha muito mais a sua cara, principalmente por possibilitar que um dos seus mais queridos objetivos fosse atingido: o de comungar com a natureza. Na praia do Perequê, embaixo dos coqueiros, sob a luz da lua e das estrelas, hipnotizados pela calma marola do mar e com os pés se equilibrando na areia fofa, isso acontecia. Mas nesse inferno de concreto a embaralhar a vista sem a proteção de um único arbusto, comungar com natureza, só mesmo em delírio.
O Vento, além de atrair público afinado com a prática da sustentabilidade e que até talvez por isso se enquadraria no slogan “vida natural” papagaiado nas propagandas oficiais de Ilhabela, atrai também o olhar da imprensa que sabe nele reconhecer um festival de qualidade e que, portanto, merece figurar como boa notícia. É visceralmente democrático, acolhendo todos os credos religiosos e políticos e todos os gêneros sexuais. E é realmente gratuito, marcando relevante diferença com os gratuitos entre aspas de muito show de duvidoso gosto, para não dizer cruamente, show de mau gosto, que acontece em Ilhabela, de celebridades ou sub celebridades artificialmente criadas pela indústria, não do entretenimento, mas do emburrecimento. Cobrando cachê milionário pago à custa dos royalties do petróleo, que bem poderiam fazer melhor obra para os moradores da cidade enquanto ainda duram.
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