Festival de cinema Citronela Doc traz 28 produções brasileiras para Ilhabela

O Citronela Doc – Festival de Documentários da Ilhabela chega à sua quarta edição, com apresentação de 17 documentários nacionais contemporâneos que vêm sendo destaque da crítica especializada e colecionando prêmios. Além de 11 produções do Litoral Norte e Vale do Paraíba. Este ano, a mostra gratuita acontece entre os dias 7 e 10 de novembro, na Vila.

Boa parte dos filmes do festival também pode ser vista online em todo o Brasil, pela plataforma Spcine Play, de 7 a 15 de novembro.

O Citronela Doc traz filmes que exploram questões como direitos humanos, identidade cultural e os desafios socioambientais enfrentados por comunidades em todo o Brasil. Com documentários que vão desde a cosmologia Yanomami até a luta de mulheres em cozinhas solidárias, o festival se propõe a ser um espaço de reflexão e celebração das vozes marginalizadas.

O projeto também firmou uma parceria com a São Paulo Cinema e Audiovisual (Spcine), iniciativa da Prefeitura de São Paulo que fomenta o desenvolvimento do setor audiovisual a partir da promoção de cursos, workshops e do incentivo à produção cinematográfica.

Além de exibir os filmes de forma online e gratuita, a Spcine promoverá, durante o festival, uma mesa de debates com Leandro Pardí, responsável por difusão na empresa, que vai falar sobre curadoria e a difusão de filmes fora da capital.

Outra atividade apoiada pela instituição durante o festival será o estudo de caso do filme “Fluxo – o Filme”, de Filipe Barbosa, que faz parte da rede afirmativa da instituição. Filipe, 28 anos, diretor do curta, falará sobre o processo de produção na Cidade Tiradentes, bairro paulistano de origem do cineasta, que aborda a cultura funk. “Eu tinha um orçamento de mil reais e o sonho de fazer um filme”, conta ele.

O Citronela Doc também promoverá debates com a participação de diretores e personagens dos filmes, além de uma programação paralela, com apresentações musicais, reforçando o compromisso com a cultura local e a diversidade. O evento também trará estandes de alimentação e artesanato local.

O festival tem uma forte preocupação em oferecer acessibilidade aos visitantes. Todos os filmes terão legenda descritiva, parte dos filmes terá tradução em libras, todos os debates terão tradução em libras e o espaço será preparado para receber pessoas com mobilidade reduzida.

Para a mostra nacional, os filmes foram selecionados pelos curadores Luciana Oliveira, Bethania Maria, Francisco Cesar Filho e Carlos Alberto Mattos (veja biografias abaixo). As produções selecionadas são filmes de destaque no mercado audiovisual, que estão passando por diversos festivais nacionais e internacionais.

Filmes

“A Queda do Céu”, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, foi produzido a partir do poderoso testemunho do xamã e líder Yanomami Davi Kopenawa e registrado no livro de mesmo nome, co-escrito por Bruce Albert. O filme acompanha o importante ritual Reahu, que mobiliza a comunidade de Watorikɨ num esforço coletivo para “segurar” o céu. Selecionado para o consagrado Festival de Cannes, o documentário faz uma contundente crítica xamânica àqueles chamados por Davi de “povo da mercadoria”, assim como ao garimpo ilegal e à mistura mortal de epidemias trazidas por forasteiros, colocando em primeiro plano a beleza da cosmologia Yanomami, os espíritos xapiri e sua força geopolítica que nos convida a sonhar longe. O filme conquistou agora em outubro o Troféu Redentor de Melhor Direção de Documentário no Festival do Rio.

A “Queda do Céu” trata do  garimpo ilegal e a mistura mortal de epidemias trazidas por forasteiros nas terras Yanomamis (Foto: Divulgação)

Já “Não Existe Almoço Grátis” acompanha três mulheres que lideram uma das cozinhas solidárias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Sol Nascente, no Distrito Federal, considerada atualmente a maior favela do Brasil. Para a posse do terceiro mandato do presidente Lula, elas foram encarregadas de cozinhar para centenas de pessoas que estiveram em Brasília para assistir à cerimônia. Com direção de Marcos Nepomuceno e Pedro Charbel, o longa venceu o prêmio do público no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Outro destaque é “A Transformação de Canuto”, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho, que foi vencedor do prêmio de melhor filme da Competição Envision no mais importante festival internacional de documentários, o IDFA-Amsterdã, além de ter sido eleito como o melhor filme (Grand Prix Nanook-Jean Rouch) no Festival Jean Rouch, na França. O documentário se passa em uma pequena comunidade Mbyá-Guarani entre o Brasil e a Argentina, onde um filme está sendo feito para contar a história de um homem que, muitos anos atrás, sofreu a temida transformação em onça e, depois, morreu tragicamente.

Em “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida”, os cineastas Bel Bechara e Sandro Serpa usam seu veículo de trabalho para registrar um processo que mudará totalmente suas vidas: a adoção de Gael, o primeiro filho do casal. Após aguardar cinco anos na fila de adoção, finalmente chegou o momento de conhecer a criança, que coincidiu com a pandemia da Covid-19. Assim, os dois se abrem com muita vulnerabilidade para a câmera em um tom confessional, com o medo da mudança e a ansiedade cultivada para a chegada de Gael.

Assinado pela dupla GG Albuquerque e Felipe Larozza, “Terror Mandelão” mergulha no universo dos bailes funks da periferia da cidade de São Paulo, revelando o som, a tecnologia e o mercado de trabalho dessa manifestação cultural. A obra traz figuras como o DJ K, um dos principais DJs do Baile do Helipa, na maior favela paulistana, Heliópolis, e seu amigo MC Zero K, mostrando os altos e baixos enfrentados pelos jovens na luta para viver da sua música.

Em “Toda Noite Estarei Lá”, Mel Rosário, 56 anos, sofre uma agressão física por transfobia, ao ser retirada da igreja evangélica que costumava frequentar. Ela protesta todas as noites em frente ao templo que a impede de participar dos cultos. Enquanto luta por seus direitos, ela encontra um modo de se reinventar e sobreviver durante a crescente onda de conservadorismo no Brasil. O longa, dirigido por Suellen Vasconcelos e Tati Franklin, foi vencedor do prêmio de melhor direção no festival Olhar de Cinema, de Curitiba, e do prêmio do público no Festival de Vitória.

Em “Toda Noite Estarei Lá”, Mel Rosário, 56 anos, sofre agressão física por transfobia e protesta em frente igreja que a expulsou (Foto: Divulgação)

A ocupação Ouvidor 63, localizada no centro da capital paulista, é retratada no longa “Ouvidor”, de Matias Borgström. Nela residem e produzem 120 artistas latino-americanos. Além de enfrentar constantes ameaças de despejo pelo Governo do Estado, os residentes também lidam com divergências internas decorrentes do patrocínio de uma famosa marca internacional de bebidas energéticas para viabilizar sua Bienal de Artes. O filme foi selecionado para o festival Olhar de Cinema, de Curitiba, para a Mostra Ecofalante de Cinema e para a 47º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2023.

Documentário que mostra a trajetória do importante e criativo músico brasileiro, “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, de Alessandra Dorgan, reúne raras imagens de arquivo e é narrado em primeira pessoa pelo próprio artista, falecido em 2017. Grande vencedor do festival In-Edit Brasil, o filme recupera a trajetória de um dos maiores e mais injustiçados cantores e compositores da música popular brasileira, da infância de menino negro no morro aos palcos.

Uma coprodução entre o Brasil e os Estados Unidos, “Rejeito”, de Pedro de Filippis, alerta para o fato de que, após os maiores rompimentos de barragens de rejeito da história, novas barragens ameaçam romper sobre milhões de pessoas em Minas Gerais. No filme, uma conselheira ambiental confronta o modus operandi do governo e mineradoras, enquanto moradores resistem em suas comunidades ameaçadas. Vencedor do prêmio de melhor direção no FICA – Festival de Cinema Ambiental, o longa conquistou o prêmio da juventude no CineEco, em Portugal, e mereceu menção especial do júri no Festival Indie Memphis, nos Estados Unidos.


“Rejeito” alerta que novas barragens ameaçam romper sobre milhões de pessoas em Minas Gerais (Foto: Divulgação)

Entre os curtas-metragens do Citronela Doc destaca-se “Utopia Muda”, premiado no festival É Tudo Verdade de 2024, que utiliza material colhido pelo diretor Julio Matos durante uma década sobre uma rádio livre sediada na Unicamp, em Campinas. A partir da história da Rádio Muda, a mais longeva rádio livre que desafiou o sistema, o filme discute o direito à liberdade de expressão.

Surpreende também a abordagem de “Pirenopolynda”, de Izzi Vitório, Tita Maravilha e Bruno Victor para uma festa tradicional no Centro-Oeste brasileiro. O filme foi vencedor do prêmio de melhor filme da Mostra Goiás na Goiânia Mostra Curtas e foi selecionado para o Doclisboa, um dos mais importantes festivais europeus de documentários. No filme, Tita, uma multiartista travesti, pretende reconstruir e retradicionalizar a Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis sob um viés afetivo decolonial.

Dirigido por Cíntia Lima, o curta pernambucano “Rei da Ciranda Pesada” trata da história de João Limoeiro, discípulo do cirandeiro Antônio Baracho, conhecido como o Rei Sem Coroa, que em 50 anos de carreira transformou a ciranda de engenho no ritmo que se conhece hoje em dia.

Também produção pernambucana, “O Som da Pele”, de Marcos Santos, focaliza Mestre Batman e seu projeto Batuqueiros do Silêncio, um grupo de percussão formado por surdos. Trata-se de um curta-metragem que reflete sobre a percepção do som.

Por sua vez o curta alagoano “Impedimento”, de Renata Baracho, apresenta mulheres como Charlene Araújo e Amanda Balbino, que descobriram e aprenderam a amar o futebol em sua própria força, encontrando nele não apenas uma paixão, mas também um sentimento de pertencimento.

Em “Alexandrina – Um Relâmpago”, a personagem título é uma mulher preta da Amazônia, que antes fora reduzida a objeto de estudo, esvaziada do seu vasto repertório de conhecimento e logo jogada ao limbo do suposto esquecimento, e que agora é o presente. Uma espécie de filme-transe que remete a ancestralidades femininas amazônicas em andamento não-convencional e pegada sensorial. Produção do estado do Amazonas, a obra dirigida por Keila Sankofa foi selecionada para o Ji.hlava – Festival de Documentários de Jihlava (República Tcheca).

Uma produção do Distrito Federal, “A Chuva do Caju” se passa no coração de um vale escondido nas profundezas do Brasil central. Lá, seu Alvino e dona Neuza plantam e colhem o que a terra dá, como o cajuzinho do cerrado e o baru. Após mais de dois séculos, o tempo continua passando lento no quilombo Vão de Almas, apesar da seca cada vez mais severa. Com direção de Allan Schvarberg, o curta-metragem foi vencedor de menção honrosa do Prêmio Zózimo Bulbul no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Com reflexões sobre arquitetura afro-brasileira, preservação da tradição do candomblé e resistência, o curta-metragem “O Corpo da Terra”, da cineasta Day Rodrigues, esteve em exibição na 18ª Mostra Internazionale di Architettura: Laboratório do Futuro, no pavilhão brasileiro da Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza. A obra traz contribuições sobre a importância do candomblé para os debates públicos frente aos cuidados com o meio ambiente e a luta contra a especulação imobiliária.

Litoral Norte e região

Para a mostra do Litoral Norte e Vale do Paraíba, pela primeira vez o festival abriu a oportunidade para cineastas da região inscreverem-se. A curadoria dessa mostra é de Juliana Borges e Rodrigo Pereira. A mostra regional se destaca por suas temáticas que vão desde a memória e a identidade cultural até imigração e a resiliência diante de tragédias socioambientais.

De São Sebastião participam os títulos: Benzô, Marés da Noite e Jundu – Memórias do Território; Ilhabela traz: Eva Esperança, Homem Aranha (Retratos Filmados) e O Último Baile; em Caraguatatuba o representante é Macoura; e em Ubatuba participam: Minha Narrativa, O Menino que é Homem e O Brilho da Herança.

4º Citronela Doc – Festival de Documentários de Ilhabela
7 a 10 de novembro de 2024
Entrada gratuita
Local: Esporte Clube Ilhabela
Endereço: Av. Força Expedicionária Brasileira, 73 – Santa Teresa

Programação: https://citroneladoc.com.br/2024-2#grade.

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