Congada de São Benedito: 230 anos de tradição e sincretismo religioso em Ilhabela

Começa nesta sexta-feira (17) a tradicional Congada de São Benedito em Ilhabela. Com pelo menos 230 anos de história, a festa celebrada nas ruas do arquipélago é baseada no sincretismo religioso do cristianismo e das crenças de matriz africana.

A história de fé do único santo negro da igreja católica é contada por meio de um ritual que inclui teatro de rua, muita comida, música, dança e fé. A alegria dos atabaques e da tradicional marimba, das flores e das cores atrai centenas de expectadores locais e turistas, todos os anos.

Nascido na Itália e filho de escravizados etíopes, o santo deixou suas marcas em Ilhabela, onde a comercialização de negros moveu a economia durante dezenas de anos. Inclusive a população negra que foi trazida de diversos países africanos era maior do que a de homens livres na época da colonização. Os descendentes dessa história ajudaram e formar a nação e a identidade caiçara. E eles não poderiam deixar de se identificar com a trajetória do santo protetor dos humildes.

Com forte influência africana bantu, o fundador da Congada em Ilhabela desembarcou em Castelhanos por volta de 1785 trazido nos porões de um navio negreiro com muita fé trazida do outro lado do oceano.

Os mais antigos organizadores da Congada contam que o escravo Roldão Antônio de Jesus foi essencial para consolidar a festa nas terras do arquipélago. Ele veio da África para a fazenda Morro do Espinho, no bairro da Cocaia. Foi tio-avô da famosa Dona Ana Esperança, umas das primeiras líderes da culinária da Congada, a Ucharia. Hoje é sua família que ainda cuida da tradição da cozinha congueira.

Dramatização da batalha

Hoje realizada pela Associação de Congueiros de Ilhabela, a tradição é passada de pai para filho. A dramatização retrata a disputa entre os fidalgos do Rei de Congo, também chamados cristãos (vestidos de azul), e os mouros do exército do Embaixador de Luanda (de vermelho e rosa), considerados não batizados ou pagãos.

Quando o exército azul consegue derrotar a tropa inimiga, o Rei acaba concedendo o perdão em nome da bondade de São Benedito. O embaixador de Luanda se emociona com o perdão concedido pelos vencedores e se torna mais um devoto fiel do santo, assim como seu povo.

Congada São Benedito Ilhabela
Festa acontece no mês de maio quando os pescadores estão em terra (Foto: PMI/ Divulgação)

E o romance não poderia ficar de fora da história. O Rei do Congo havia se apaixonado por uma mulher do povo e com ela teve um filho, mas por temer consequências deste amor em seu reinado, mandou a amante embora ainda grávida. Ela foi para Luanda e teve o bebê, que se tornou, justamente o embaixador de vermelho que volta para aterrorizar o reino do pai desconhecido. Em busca de seus direitos, acontecem as batalhas, mas a misericórdia de São Benedito é maior, sela o destino dos reinos e da família.

No drama, após batalhas, lamentos, perdões e celebrações, representadas pelas danças, cantos e versos recitados (embaixadas), o Embaixador se declara filho perdido do Rei perdido. E ele o reconhece como seu legítimo filho. A conciliação entre cristãos e mouros é representada com ambos os povos festejando e homenageando o Santo Negro com suas danças, até o momento final da festa, em que acontece a grande Procissão.

Seu Dito morreu aos 95 anos sendo o Rei do Congo. Hoje Dino o substituiu (Foto: Márcio Pannunzio/ NI)

O atual Rei do Congo e principal personagem da história, o Dino, tem 55 anos de Congada. Ele participa dos rituais desde os cinco e substituiu o saudoso Dito de Pilaca que faleceu em 2015 com 95 anos, ainda participando ativamente da Congada.

Como não poderia deixar de ser, a festa segue o calendário da natureza caiçara. Até poucos anos, o baile acontecia no “claro” de maio, período de lua cheia, quando a água clara do mar dificulta a pescaria e, assim, os pescadores da comunidade estão em terra e podem participar dos festejos.

Levantamento do mastro

O ponto inicial de toda a festa é o levantamento do mastro. A cerimônia começa com uma procissão pelas ruas da Vila ao som da marimba, atabaques, repicar dos sinos da Igreja Matriz e foguetório. Ao final desta cerimônia, é servida a “concertada”, bebida típica à base de folhas de laranjeira e limoeiro, canela e cravo socados, rapadura e cachaça.

Ucharia

A culinária é parte essencial no ritual da Congada, afinal São Benedito também foi cozinheiro do mosteiro onde viveu e conhecido por seus pratos saborosos. Em Ilhabela ainda é comum encontrar a imagem do milagreiro dentro das cozinhas, para garantir a fartura. E quando o fogo se acende na cozinha da Congada, é sinal de abundância.

 

A Ucharia reúne centenas de pessoas para uma deliciosa refeição coletiva. A comida é preparada pelas mãos das mulheres dos congueiros, com ingredientes doados pela comunidade. O alimento é preparado ainda nos tradicionais fogões “tacuruba”, montados manualmente  sobre pedras grandes que assentam os enormes tachos e panelões.

Bolo de São Benedito (Foto: Márcio Pannunzio/ NI)

A comida é servida a todos que prestigiarem o evento, remetendo mais uma vez à bondade de São benedito, que praticou muita caridade, como a distribuição de comida aos menos abastados de sua época. Um enrome bolo coletivo arremata o banquete.

Shows musicais

No Centro Cultural da Vila, a Prefeitura de Ilhabela promove a festa social da Semana da Cultura Caiçara. Além das bandas locais que se apresentam, o destaque vai para a apresentação da dupla Hugo & Tiago na sexta (17), o grupo de pagode Soweto no sábado (18) e, no domingo (19), a banda local Pop Music.

Programação

Sexta, 17 de maio
17h – Levantamento do Mastro de São Benedito
Praça Alfredo Oliani – Em frente ao Cruzeiro da Igreja Matriz – Centro
18h – Distribuição de Bolo e Concertada de São Benedito
18h30 – Filme “O Último Baile”
Praça Cel. Julião – Centro
Festa Social (Centro Cultural da Vila)
19h30 – Siriani
20h50 – Roney Alves
22h – Show Hugo & Tiago

Sábado, 18 de maio
CONGADA
9h – Baile do Congos
Praça Alfredo Oliani – Em frente ao Cruzeiro da Igreja Matriz – Centro
10h – Baile do Congos
Praça Cel. Julião – Centro
11h – Baile do Congos
Rua da Padroeira – Centro
12h – Ucharia
14h – Baile do Congos
Rua Dr. Carvalho – Centro
15h – Baile do Congos
Rua Dr. Carvalho – Centro
16h – Baile do Congos
Rua Dr. Carvalho – Centro
Festa Social (Centro Cultural da Vila)
19h30 – Diniz & Banda
20h50 – Mais Simpatia
22h – Show Soweto

Domingo, 19 de maio
CONGADA
10h – Baile do Congos
Praça Alfredo Oliani – Em frente ao Cruzeiro da Igreja Matriz – Centro
10h45 – Baile do Congos
Praça Alfredo Oliani – Em frente ao Cruzeiro da Igreja Matriz – Centro
11h30 – Baile do Congos
Rua da Padroeira – Centro
12h – Ucharia
14h30 – Baile do Congos
Rua do Meio – Centro
15h30 – Baile do Congos
Rua da Padroeira
16h30 – Baile do Congos
Rua São Benedito – Centro
18h – Procissão de São Benedito com queima de fogos (sem estampido)
Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda e Bom Sucesso
Festa Social (Centro Cultural da Vila)
19h30 – Effe Brasil
21h – Pop Music

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