Flávia Pascoal é a primeira prefeita mulher eleita em Ubatuba desde a sua emancipação política, há 282 anos. Ela ganhou nas urnas com 31,37% dos votos (14.222), em disputa acirrada com o atual prefeito, Délcio Sato, que levou 29,70% do pleito (13.466 votos).
A nova administradora atendeu a equipe do jornal Nova Imprensa sem voz, em meio um entra e sai de reuniões e demandas. Na entrevista, a prefeita eleita destacou o combate à violência contra as mulheres, cobrança por saneamento básico, importância do turismo e a dívida de mais de R$ 30 milhões que o município enfrenta.
Segundo ela, o plano de governo nasceu de sua experiência pública como vereadora. “Acabei percorrendo todos os bairros e conhecendo os problemas da cidade. E neste período pré-campanha fomos ouvir as pessoas de todos os bairros. Então, a proposta nasceu realmente do povo. Nós aqui de Ubatuba vamos resolver o problema, não acredito em alguém que venha de fora”.
Flávia falou sobre ser a primeira prefeita mulher de Ubatuba e prometeu ampliar ações de proteção para evitar violência doméstica e outros casos de abuso, especialmente nos bairros mais distantes, onde o auxílio pode demorar mais.
“Essa eleição representa muito para nós mulheres e deve impulsionar outras a ocupar espaços decisórios na nossa sociedade. Além disso, como figura feminina, pretendo realizar um trabalho efetivo de atender as vítimas de violência. Meu marido é policial e este ano se deparou com o caso de uma mulher em cárcere privado. Somos uma cidade de 100 km de extensão, sabemos que em muitas dessas comunidades isoladas têm uma mulher sofrendo violências físicas, como também a psicológica”.
Ela reforça que “quero ter um programa voltado para esta questão. Nossa ideia é integrar grupos, como o “Todas por Uma”, e também buscar apoio com o governo do Estado em relação à Delegacia da Mulher, que fecha de noite – horário que acontecem muitos problemas”.
Flávia afirmou, ainda, que outra marca de seu governo será a união entre as equipes e entidades. “É preciso valorizar e integrar os funcionários públicos que conhecem de dentro o funcionamento da máquina pública, assim como as associações de bairro e entidades independentes que trabalham pela melhoria da cidade. Temos que ter um governo aberto e de braços dados com a sociedade civil”.
Sobre a arrecadação de dinheiro, levando em conta que Ubatuba é o município do Litoral Norte com menor faturamento e orçamento, a nova prefeita prometeu não aumentar os impostos, mas focar em fiscalização.
“Precisamos rever a cobrança nos comércios que, às vezes, não estão adequados e cadastrados. A regularização fundiária das ocupações que não estão legalizadas também é importante, já que esses imóveis não contribuem e pesam na oneração da cidade. O problema não é que as pessoas não querem contribuir, elas querem a legalização de suas terras. A verdade é buscar arrimo dos governos estadual e federal e também acabar com o desperdício utilizando o recurso público, entregar prédios alugados, buscar se adequar dentro dos prédios públicos, readequar os prédios públicos. Temos prédios ociosos, que devem ser readequados e utilizados”, explicou.
Outra questão delicada na região é o saneamento básico. Com 85% de área de Mata Atlântica protegida, Ubatuba tem apenas 30% de cobertura na coleta de esgoto e 80% no abastecimento de água. “Tem a cidade praticamente inteira sem saneamento básico, locais que esgoto corre a céu aberto. Isso tem poluído nossos rios e deixado praias com bandeira vermelha. É um grande problema que tem que ser enfrentado e cobrado da Sabesp que precisa dar um prazo para entregar melhorias”.
Temporada de verão
Flávia assume a gestão municipal em meio à alta temporada de verão, período em que a população do Litoral Norte salta de 400 mil para mais de R$ 1,5 milhão de pessoas. Para ela, a situação da pandemia de coronavírus torna o cenário ainda mais complicado.
“Faremos um plano estratégico para trabalhar em cima dos protocolos de prevenção. Nosso sistema público de saúde é precário e nosso único hospital, a Santa Casa, não atende da forma que deveria. O nosso hospital de campanha já foi desativado, gastou-se muito dinheiro e hoje não existe mais, foi embora. Custou um valor bem alto. Também não temos Unidades de Terapia Intensiva (UTI), o que é preocupante em uma época de verão com a cidade lotada”.
Ela antecipou que já está formulando documento junto a um deputado federal para buscar um credenciamento para solicitar a UTI. “Nos próximos dias, vou visitar a Santa Casa e reconhecer na prática, mas sabemos que existem apenas oito respiradores”.
Quanto a um novo hospital, Flávia afirmou que não pode garantir a viabilidade de uma obra nesse porte por conta das dívidas do município. “Vamos enfrentar uma dívida de quase R$ 30 milhões, sem falar que o outro governo também deixou uma dívida de R$ 10 milhões. Realmente vamos pegar um governo com sérios problemas orçamentários”.
Para ela, a construção de um Pronto Socorro é a prioridade número um. “Sabemos que não dá para fazer tudo, vamos buscar recursos, lógico que queremos um hospital novo, mas teremos que conversar isso junto aos governos federal e estadual”.
Outras alternativas apontadas pela prefeita eleita é diminuir gastos, enxugar a máquina, entregar imóvel e pedir ajuda da Câmara Municipal para construir um PS que socorra imediatamente.
Gastronomia, esporte e turismo
Na percepção de Flávia Pascoal, é preciso valorizar mais o esporte – atletismo, ciclismo surfe. “Precisamos trazer de volta campeonatos, fazer pulsar o esporte e, eu gostaria muito de ver aqui também o empreendedorismo na área esportiva de eventos porque, geralmente quem faz isso hoje são pessoas de fora da cidade. Por que não ver Ubatuba se desenvolver nesta área?”, considerou e apontou que, “dessa forma o recurso fica aqui também, movimentando a nossa economia”.
A iniciativa vem de viagens feitas para algumas cidades do Estado de São Paulo como Brotas, por exemplo, tem uma rua de agencias vendendo passeios, movimentado, no sentido organizado. “Em Ubatuba temos ações isoladas de guias que trabalham pela internet mesmo, pois não há condições mesmo. Ainda não conseguimos, apesar de toda esta riqueza que temos em Ubatuba, fazer crescer uma economia como o turismo organizado, que não consegue vender nossas riquezas naturais, culturais. Nós temos aqui uma multiplicidade cultural, quilombolas, indígenas, comunidades pesqueiras, os costumes caiçaras. Mas não tem uma placa indicando essas comunidades, não há uma organização de acesso ao turismo também cultural.
Em relação aos eventos locais, nova prefeita destacou que a necessidade de melhor utilização do Centro de Convenções. Penso em fazer um centro de educação, formação e turismo porque o turismo não vai se desenvolver sem ter a educação como base, assim como o comércio. Queremos capacitar, empreender, fortalecer as agências de turismo e ter toda esta economia pulsante.
Usar a matéria-prima da cidade é fundamental, por isso ela cidade a moda praia que é muito forte, com diversas confecções nos bairros Sumidouro, na Estufa II. “Gostaria de promover o 1° Feirão Moda Praia de Ubatuba, com desfiles, mostrando novos produtos que são feitos aqui e quem sabe ter uma grande fonte de renda, ampliar empregos e renda na cidade”.
Falando em mercado de trabalho, Flávia observou que é preciso investir em formação técnica, trazer mais cursos, faculdades, universidades, tanto públicas como privadas para o município. Temos o curso de Guia de Turismo, podemos ter Administração em Turismo, pois o guia, quando se forma, tem que empreender e a cidade ganha com isso, tem arrecadação de ISS, uma cadeia de empregos como o motorista, cozinheira que espera no local de visitação, enfim, uma rede que se forma, desde que se tenha uma participação do governo público dando infraestrutura aos pontos turísticos.
Para ela, o poder público deve dar infraestrutura e manutenção nos pontos turísticos. Como exemplo, ela cita a ‘Gruta que Chora’, famoso ponto turístico onde não se consegue acessar devido ao mato alto e falta de identificação, assim como a Aldeia Boa Vista, um lugar considerado maravilhoso, como uma vista incrível, mas que turistas não sabem nem como entrar também por falta de identificação.
“Reforço que temos que caminhar juntos, impulsionar as agências e cuidar dos pontos turísticos. Precisamos fazer o levantamento de tudo, criar o receptivo. O turismo tem que estar alinhado a Comtur (Companhia Municipal de Turismo de Ubatuba) porque lá tem recurso, dinheiro que não sabemos para onde vai e nem para o que é investido. Precisa ser feito um trabalho sério, de informatização. De acordo com a lei, 50% do dinheiro da Comtur devem ir para saúde em urgências e emergências. Não vemos isso, vamos informatizar e dar transparência ao financeiro”.
Desigualdade social
Essa é uma das plataformas de governo da prefeita eleita, por isso, ela ressaltou a necessidade de trabalhar na situação emprego e renda para que as pessoas acessem o trabalho. “Sem trabalho não há dignidade nenhuma, uma pessoa sem trabalhar não tem recursos.
Em relação ao impulsionamento da agricultura familiar com a intervenção do Parque Estadual dentro das comunidades, Flávia frisou que precisa ter diálogo e respeito com as comunidades que estão nessa área de proteção e intermediação junto ao governo do Estado. “Precisamos apoiar a comunidade como poder público e o que eu puder fazer para ajudar, logicamente sempre preservando e adequando a sustentabilidade, será feito. São pessoas com histórias, memórias”.
A compra de produtos para a merenda escolar é vista como fundamental para o desenvolvimento dessas comunidades. É um compromisso que nós temos. Este trabalho precisa de informação, precisa integrar este trabalho e comprar toda a produção de Ubatuba. Faremos de tudo para que fique cada vez mais forte.
Ainda falando em sustentabilidade, a prefeita eleita contou que esteve no local do transbordo junto a Coco e Cia – Associação de Reciclagem do Coco Verde e Catadores de materiais recicláveis de Ubatuba, parte do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e que faz parte da Rede Cata Vale do Vale Paraíba junto com outras oito cooperativas – e que ainda atua de forma precária e precisa de apoio.
“Da forma que eu observei lá, acredito que precisamos começar este trabalho de grão em grão. Vamos começar nos condomínios, a exigir esta separação, eles querem fazer isso. É um início, é um pontapé e apoiar esta associação que já está lá”.
Ainda conforme ele, com relação ao transbordo é uma logística muito complicada. “recolhimento do lixo na região sul volta para a região oeste e depois volta para lá, para seu destino a Jambeiro (SP), onerando muito este valor. Temos que reavaliar esta questão, melhorar e otimizar”.
Educação
Quanto à educação, sua área de atuação, Flávia Pascoal observou que há um porcentual grande de pessoas que não teve acesso na idade própria à alfabetização, que não sabem ler nada e é preciso criar um programa de alfabetização para essas pessoas, uma vez que a educação de jovens e adultos foi praticamente extinta no último governo.
“Como nosso recurso é pouco, busco criar um projeto de alfabetização junto a alguma universidade, ampliar as possibilidades de agregar letrados. Precisamos modernizar as escolas, muitas delas não têm internet, acesso a nada, como pode ser visto durante a pandemia. É lousa e giz, ainda no século 21. Precisamos investir em tecnologia dentro das escolas. Logicamente não é só investir em tecnologia, mas capacitar os profissionais também. Gostaria de criar um Centro Municipal de Mídia, mudar a questão da formação e que possa ser feita a partir do chão da sala de aula. Com a situação atual de educação remota podemos usar isso, filmar este professor e passar para que ele seja protagonista de sua história pedagógica e passar isso a outros”.
Como rápida passada pelo governo do atual prefeito como secretária de Educação, Flávia contou um pouco do seu papel também em outras administrações públicas. “Tive cargos comissionados em praticamente todos os governos da prefeitura desde 1998, fui convidada e teve apelo dos professores. Inclusive, nesses 40 dias que estive no governo Sato chamei 40 professores efetivos e cerca de 30 agentes educacionais. Foi a maior chamada pública, através de concurso, dos últimos tempos no município. Fiz o que era certo dentro do prazo. Sobre minha saída houve ações que não estava de acordo naquele período. Na mesma época fui chamada para um concurso que havia prestado, acabei optando por isso”.
Ainda conforme ela, junto com sua sucessora, economizou cerca de R$ 500 mil com a entrega de dois prédios de valores muito altos, que onerava a prefeitura. “Um deles foi a Unitau (Universidade de Taubaté), que cobrava R$ 54 mil por mês da prefeitura e o outro uma casa com valor bastante alto”.
Transporte público
Problema comum na maior parte das cidades, o transporte público deve receber uma atenção especial da prefeita eleita, por isso contou que está pedindo todos os contratos nesta transição para poder entender melhor quanto tempo há de contrato, ver se é possível adequar os itinerários dentro dos bairros.
Mais royalties
“Vamos lutar junto a deputados federais, as outras cidades do Litoral Norte recebem um valor alto, Paraty (RJ), inclusive. A população do Norte está indo para o hospital de Paraty porque tem mais estrutura. Vivemos um estado deplorável, principalmente na situação saúde. Esta divisão dos royalties não é justa para o município, vamos correr atrás disso, mesmo que de forma tardia”, antecipou.
Em relação à proteção dos bens mais ricos de Ubatuba, Flávia apontou que todas as praias e rios têm que ser protegidos, sem exceção. “Veja o Rio Acaraú, o mais poluído da região, é muito triste. Vamos andar na orla do Itaguá, vamos correr atrás de um projeto, verificar o que acontece com tanta poluição nos rios de Ubatuba. Precisa fazer análise técnica e projeto para despoluição, depois disso, o trabalho de saneamento básico, pois são dois bairros descarregando esgotos in natura no Rio Acaraú”.
Quanto à situação das vias de Ubatuba, que sofrem com a falta de asfalto e buracos, a prefeita eleita disse que vai conversar como atual governo para saber o que está em licitação. “Quero entender como está a produção, saber onde serão executadas e tudo que já estiver em andamento vamos dar continuidade, mas avaliar valores de mercado.
Flávia Pascoal tem como vice o empresário Márcio Gonçalves Maciel, o Marcinho, que foi presidente da Associação Comercial de Ubatuba (ACIU) por cerca de oito anos. Para ela, essa parceria é muito positiva porque ele apoia o comércio, tem um diálogo aberto com os comerciantes e com a entidade da classe, o que se torna uma facilidade para trazer para dentro da prefeitura o Sebrae, em uma parceria mais forte, levar o empreendedorismo para dentro das escolas.
“Precisamos saber que os nossos alunos terão possibilidades de empreender no futuro. Esta mudança tem que começar na escola. Ele, com o know-how da ACIU, poderá nos ajudar muito nisso”.
Segue o link para acessar o plano de governo da nova prefeita:
Colaboração Patrícia Rosseto