foto em foco: mas onde é aqui?

Mas onde é aqui?

Coluna de opinião da série foto em foco
Márcio Pannunzio, texto & fotos

 

Esse é o belo título de recente artigo de Fernando Barros e Silva na Revista Piauí apresentando o livro ainda estou aqui de Marcelo Rubens Paiva, o filme de Walter Salles nele baseado e que, a partir disso, refletiu sobre o Brasil atual. Quem ler o livro e assistir ao filme, seguramente vai lastimar aquele passado truculento e detestar esse presente onde uma legião de amalucados o quer reviver ao custo da destruição da nossa frágil democracia e da aniquilação da nossa liberdade de desejar construir um país realmente exemplar, justo e igualitário.
Durante a ditadura e especialmente em seu perído final, depois dos militares enjoarem de nos tutelar por um tempo interminável e, finalmente decidirem, não sem conflito, devolver-nos o poder, as campanhas eleitorais eram duma indigência de dar dó. Na tela das tvs caixote víamos um monte de retratinhos de candidatos às câmaras estaduais e federais parecendo mais fotos de presos segurando seus números de identificação. A maioria deles posava com cara de poucos nenhum amigo e não nos animávamos a escolher entre eles algum que valesse a pena eleger num processo arcaico de voto impresso que vejam só, os reacionários querem porque querem reinstalar por desacreditar da urna eletrônica.

Pois agora uma legião de faces não em preto & branco fora de foco tremendo em listras horizontais dentro de tubos encaixotados, mas faces coloridas maquiladas e muito fotochopadas, sequestram as ruas e cruzamentos de todos os lugares. Marcando outra expressiva diferença, desta feita, todo dentes nos gargalham flamejando nessas bandeiras de vento que o estrangeirismo lambe-botas norte-americanas chama de windbanners. Bem poderiam vender pasta de dente, fio e escova dental, implante dentário de tanto escancarar riso nos prometendo entrada no Jardim do Éden quando, infelizmente, boa parte se eleita e poderosa poderá sim colaborar para destruir as poucas conquistas civilizatórias que demandaram enorme esforço pra serem alcançadas com a redemocratização, promovendo retrocesso na cultura, educação, saúde, – na gestão municipal, resumindo – , de cidades brasileiras.

É verdade que existe uma fração progressista onde há grande valor, com potencial de fazer prevalecer a defesa do bem comum tendo a frente mandantes esclarecidos, competentes,  fiscalizados por câmaras formadas por integrantes conscientes do seu papel e responsabilidade. Mas vendo entre todas essas incontáveis bandeiras a figura sorridente do ex-presidente como cabo eleitoral de tanta gente filiada a partidos retrógados e que segue impune depois de praticar uma miríade de crimes que mortes demais desnecessárias na pandemia provocou e enorme sofrimento nos causou, entre esses crimes, o de golpe de estado, a perplexidade toma conta e perguntamos: mas onde é aqui?
A vitória da frente democrática foi por um triz e sabíamos que mesmo depois dela acontecer, a vida não seria fácil porque no congresso, nas câmaras estaduais e municipais encastelou-se uma força política ultradireitista e intolerante com poder de prejudicar, de inviabilizar a urgente reconstrução daquilo que foi impiedosamente demolido, a começar pela nossa fé na política e na democracia. Infelizmente, a lerdeza da aplicação da justiça, involuntariamente possibilita esse show escatológico de vermos o pior servindo como o melhor exemplo para essa multidão de postulantes de legendas de aluguel que pregam o ódio semeando a discórdia, a ignorância e o atraso.
Portanto, continua valendo a reflexão daquela antiga foto em foto que lá em 2018, dizia:

A boa política deve desarmar e não armar as pessoas. A boa política deve unir e não desunir. A boa política deve estimular o amor e não o ódio. A boa política deve reverenciar a cultura e não apequená-la.

O Brasil perdeu a graça, era esse o seu título. Nos anos seguintes, além da graça, perderia o rumo a ponto de mesmo depois de impedirmos a continuidade da sua queda no abismo, ao olharmos hoje ao redor, vendo esses sorrisos marotos onipresentes ao vento das ruas, nos perguntarmos: mas onde é aqui?

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