preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons
Na hora agora desse pesadelo que parece não ter fim, se especula se vai haver ou não golpe. Mas essa é uma questão extemporânea porque golpe, já houve e faz tempo. Os poderes institucionais que poderiam o ter evitado, o legislativo e o judiciário e a própria imprensa como quarto poder, foram negligentes e consentiram que fosse perpetrado.
O resultado que alguns arautos do apocalipse anteviram se materializou na destruição do meio ambiente, da saúde, da educação, da cultura, da ciência, da economia, dos direitos humanos, dos diretos trabalhistas, dos direitos dos indígenas, do respeito às diferenças, da diplomacia, da segurança pública; todas essas destruições agravadas e potencializadas por destruição muito maior e odienta: a de vidas, quase seiscentas mil ceifadas pelo coronavírus com a anuência de uma política de saúde pública negacionista.
A destituição da impopular Dilma Rousseff da presidência sem justificado embasamento jurídico e político abriu caminho largo para a tomada do poder pela ultra direita revanchista e reacionária que logrou em tempo recorde esfrangalhar as conquistas políticas, sociais, econômicas, ambientais e diplomáticas após a ditadura militar do país o entronizando não como Brasil pátria amada Brasil do slogan açucarado e bajulador desse tempo sórdido da nova política que, literalmente, poderá nos deixar nas trevas, – sem luz por causa do apagão da energia, mas sim como o Brasil pária odiado Brasil no mundo inteiro.
Bolsonaro, visto humoristicamente como o tiozão do pavê ou o machão sincero, jamais deveria ter tido a sua periculosidade subestimada. Ela hoje assegura que a sua obra de arrasamento do país é um completo sucesso; a sua promessa de destruir, criando, não bem-estar, mas terra arruinada pelo sal grosso da perversidade tal qual o que fartamente esparramaram os algozes da Inconfidência Mineira na casa de Tiradentes depois de a queimarem, se concretizou muito antes do final do seu mandato. E ele agora segue integralmente devotado a sua campanha de reeleição fazendo “motociatas”: deploráveis desfiles de brutamontes homúnculos em motocicletas querendo posarem de cruzados em defesa da liberdade de agredirem e destruírem a liberdade que bravateiam defender, acelerando sua estupidez e atrocidade pelas avenidas das periferias mais obscuras e enfermiças do Brasil.
Há muito foi enterrada e olvidada a bandeira da “Marielle presente”. Ela foi sufocada pela bandeira sanguinária do “Ustra vive”.
É preciso, todavia, reconhecer, que todo esse retrocesso de construção sadia de país não foi trabalho solitário desse “messias” adulado pelos setores retrógrados e ignóbeis do empresariado, da imprensa, da igreja, da política; pois esses mais de cinquenta e sete milhões de eleitores que encastelaram esse personagem rufião que a imprensa séria desmascarou como ladrão de salário de assessor e nota de gasolina e terrorista na cadeira presidencial, encastelaram no poder também, toda uma extensa e abjeta casta de políticos a comandarem as câmaras municipais, as estaduais e a federal, o senado e governos municipais e estaduais pelo Brasil todo. E então eles juntos somam forças para passar a morfética boiada do atraso civilizatório que causará enorme prejuízo a tantos em nome da fortuna desavergonhada de uns tão poucos reiterando nossa infame história de desigualdade, ignorância, racismo, violência, injustiça e desumanidade.
Na hora agora em que tanta gente se inquieta e se amedronta com a infernal berraria dos fanáticos bolsonaristas que pretendem sequestrar as ruas no sete de setembro, ela deveria, na verdade e a bem dela, preocupar-se com a maioria que silencia.
O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons. Frase antológica atribuída a Martin Luther King.