primeira coluna
A pandemia do coronavírus campeia sem obstáculos a sua passagem virulenta e mortífera na terra brasileira e cria variantes cada vez mais transmissíveis e letais; mas não é ela o padecimento maior que vivemos e que, verdadeiramente, aflige, adoece e mortifica cada vez mais e cruelmente todo brasileiro, toda brasileira que tem informação, que tem consciência e que tem empatia.
Viagem pitoresca e histórica ao brasil pátria amada brasil é o nome desta nova coluninha listada como de opinião no Nova Imprensa. Pomposo como era de hábito ser antigamente todo nome que se vendia erudito, não quer ser farsa da viagem original de Debret naquele Brasil colônia tão pobre, tão ignorante, tão pestilento, tão violento; surreal ao olhar civilizado de hoje.
É coluninha porque, marcando diferença em relação à foto em foco, não irá estampar textão com fotografia à guisa de ilustração. Pois ela não tem a pretensão de ser palco da palavra, mas sim, da imagem. Fotográfica ou criada desenho, monotipia, gravura. Preferencialmente, imagem desenhada a lápis, a nanquim, a gouache e imagem feita pela técnica democrática da gravura. Fotos hoje em dia toda a gente faz e o faz compulsivamente. Já desenhar e gravar…
O desenho e essa sua parente querida, a gravura, são ambos ilustres desprezados. Habitaram no passado mansão no território das artes e hoje, tão humilhados, vivem o cruel ostracismo dos moradores de rua, feito esse da última das fotos, deitado não em berço esplêndido, mas na imundície da calçada.
Jean Baptiste Debret inspira este espaço. Produziu uma enormidade de gravuras retratando o Brasil colonial. Quase duzentas litografias ilustrando o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil que encantou a Europa oitocentista e hoje, tristemente, desencanta muito brasileiro.
Mais que desencanta, indigna. Ofendeu profundamente um grupo de músicos baianos que com elas se revoltaram a ponto de criarem um enorme rebuliço no hotel onde se hospedavam e que exibia algumas dessas imagens icônicas de Debret como peças de decoração nas paredes. Um desses músicos, tomado de cólera, chutou as reproduções do artista francês.
Chutes não vão apagar o nosso passado.
Se o protagonista do filme apocalypse now, roteirizado a partir do romance imortal coração nas trevas, o capitão Benjamin Willard, percorresse hoje não um obscuro canto da África e sim o Brasil de agora em busca do coronel Kurtz, ouviria a mesma curtíssima frase que imortalizou o filme de Coppola e o romance de Conrad: o horror, o horror!
Quando grande demais é o horror, qual palavra pode nomeá-lo a sua verdadeira altura?
A gente se desespera tentando encontrá-la, mas ela não vem.
As imagens que habitarão esse novo espaço no Nova Imprensa serão isso: imagens de horror. Como de horror se parecem as litografias de Debret diante do nosso olhar humanitário.
Assim como os chutes do irado músico baiano não vão conseguir mudar nosso passado escravista, xingamentos, ofensas, provocações, ameaças feitas às imagens que forem estampadas aqui neste espaço virtual não apagarão nosso funesto presente porque é ele o mote delas.
E elas todas são, essencialmente, reflexos fugazes na tela do celular ou na tela maior do tablet ou do notebook. Da lavra deste simplório articulista que, evidentemente, sem o talento de Jean Baptiste Debret, se investe no dever cívico de tentar inutilmente perenizar, sob a inspiração maior desse artista genial, o cotidiano do brasil pátria amada brasil cujo horror trocou pátria por pária e amada por odiado mundo afora.
Concluída essa apresentação, passemos ao que interessa.
Para inaugurar a coluna, sete fotinhos.
Com destaque pra essa primeira delas: pessoas de variadas cores e idades colidindo umas com as outras por não se enxergarem e nem a paisagem ao seu redor enxergarem entretidas em só olhar hipnotizadas seus espelhos de Narciso; fotozinha essa datada de 17 de julho de 2018.
Antes, portanto, da consagração do horror na pátria mãe não mais gentil.