Obituários são espaços nos jornais para reverenciar figuras notórias, não necessariamente notáveis. Políticos, influenciadores digitais, famosos e famosas em geral têm facilidade em assegurar seus momentos de popularidade e se morrem durante eles, não faltará quem isso pranteie e lhes faça rasgados elogios.
O tempo senhor da razão se encarrega de dar a merecida destinação final à prosaria melosa dessa seção jornalística que no universo de caracteres e imagens que falecem já ao serem impressos, é o território de celebrar na morte a vida que se extinguiu. Antônio Carelli não foi político; muito menos celebridade do mundo virtual. Porém, é agora nota de óbito que, infelizmente, não se estampa com alarde na imprensa e corre até o risco de não figurar nesses jornalecos chapa-branca que se digladiam por aqui em ferrenha competição de asneira. Foi um artista plástico que por seu esforço notável se fez mestre na pintura, no desenho, na cerâmica, no mosaico, no muralismo. E merece ser nomeado como mestre de seus numerosos alunos que se tornaram seus discípulos.
Feito pintor renascentista, Carelli franqueava seu atelier para os jovens artistas com ele aprenderem esse seu ofício que soube respeitar e dignificar como só os notáveis conseguem. Teve a humildade e a generosidade de compartilhar com gente tão mais jovem sua enorme cultura e mais que ela, seu exemplo de retidão moral, de honestidade, total lisura no trabalhar sem jamais se desviar do caminho justo, sem se encantar com a fama fácil e efêmera que tamanha sedução exerce sobre as almas ambiciosas que muito mais do que fazer obra notável, querem é desfrutar do sucesso rápido e embriagador no circuito artístico que é um liquidificador de egos ligado o tempo inteiro na rotação máxima.
Antônio Carelli imortalizou a paisagem do Litoral Norte em pinturas magistrais, cuja beleza serena e séria rivaliza com aquilo que retrataram. Sua obra se insere na tradição da melhor pintura mundial e quem a admira com prazer de imediato se recorda da obra dos mestres impressionistas, fauvistas e expressionistas.
Morando em Caraguatatuba desde 1986, virou caiçara e promotor da arte local na metrópole. O projeto Arte Litoral Norte é de sua autoria e sob sua batuta agrupou os melhores artistas da região para mostrarem seu trabalho em São Paulo, em palco privilegiado de exibição.
Sua última individual aconteceu em 2019 em São Sebastião e foi documentada pela foto em foco.
Esse final de semana que deveria ser carnavalesco é pois duplamente triste: pela pandemia do coronavírus que faz uma matança desgraçada no Brasil desprotegido por causa da incúria e maldade bolsonarista que assassinou junto nossa alegria e a própria alegria do carnaval ora interditado e impossível, e pelo falecimento desse artista aos noventa e cinco anos, de fala mansa, recatada, quase inaudível, mas de uma obra monumental, proclamando a sua genialidade.
Seus enlutados seguidores e seus admiradores de agora e do futuro saberão cultuar seu rico legado e levá-lo adiante para o desfrute das próximas gerações.
Como modesto tributo pela memória de Antônio Carelli, esta foto em foco sai sem foto e sai de luto.
Nós que continuamos precisamos enaltecer os que são dignos e ainda vivem. Sem expor desde 2015, Maria Isolina Duarte, a Pituca, deve ser lembrada e festejada nos seus oitenta anos completados em novembro passado. Ela é a pintora da ilha, mestra em retratar criticamente a transformação de Ilhabela impactada pela especulação imobiliária e pelo turismo predatório. E falando de mestra, a Maria Cláudia França, a Crau da ilha, foi consagrada, muitíssimo condignamente pelo 36º Troféu Angelo Agostini da Associação de Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, como Mestra do Quadrinho Nacional.