coluna de opinião da série foto em foco
Márcio Pannunzio, texto & fotos

Sim, nessa época futura havia o fundo soberano. Mas ele era tão franzino! Foi-se; evaporou, sucumbiu morto prematuro esquartejado assassinado cruelmente no frenesi de pagar tanta e tanta e tanta duplicata, promissória, papagaio, título, letra; enfim, dívidas e mais dívidas e ainda mais e mais dívidas indispensáveis para a manutenção do tempo de viver Ilhabela paraíso natural.

Mas na real: não se sabe como teria acontecido essa desgraceira bagaceira e os habitantes ilhéus do amanhã, entre si sussurravam que isso agora nem importava. Inês era morta. Traduzindo: o galo cantou, a festa acabou. Mas sobrevivia agônica a pergunta: teria a enorme plataforma da Petrobrás FPSO Cidade de Ilhabela desaparecido feito Ilhabela no o sumiço do mundo? Distante da ilha milhas e milhas náuticas a perder de vista, aos barcos pesqueiros faltava fôlego em mar crispado e não havia mais embarcação de magnata capaz de alcançar a gigante pra ver pra crer. Porque a fraçãozinha abastada foi a primeira a imediatamente abandonar o arquipélago com suas lanchonas, iatões, veleiros oceânicos ocasionando o imediato fechamento do iate clube por causa da completa ausência dos seus sócios e o lento e inexorável desabamento das mansões costeiras.
Espantoso ou nem tanto que rapidamente se escafedendo, ricaços & ricaças não sofreram. Já o restante do populacho, ah, esse aí se fud**, ferrou de verde amarelo mesmo sendo de tonalidade esquerdista. Aí sobrou pra tudo quanto é gente de tudo quanto é idade, gênero sexual, raça, religião ou falta dela, cor da pele, nível ou desnível intelectual, aptidão artística, deficiência física, capacidade atlética, meio abonados, remediados, nem tanto remediados, pobretões, etc, etc, etc…
Navegar ficou impraticável; Ilhabela capital da vela acabou posto que os velejadores foram flanar outros melhores ventos. Quase impossível era transitar pelas ruas totalmente tomadas por buracos, crateras, fendas, costeletas de vaca, depressões horríveis surgidas pela falta da robusta verba usualmente gasta pra tampá-los. Não havia prestimosos edis dispostos a graciosamente cobri-los, para compartilharem esse glorioso feito em prol do seu eleitorado nas redes sociais. Porque redes sociais nem existiam já que as redes físicas da Vivo e Gigafibra ruíram. A floresta com a sua enorme fome insaciável e implacável se apossara da fiação aérea e a derrubara toda e assim, a energia elétrica que normalmente tremulava ao sabor das ventanias, faleceu de vez pra não voltar jamais, deixando a cidade integralmente às escuras. Gasolina, álcool, óleo diesel e até metanol não tinha à venda porque os postos todos faliram e assim os carros, camionetes, caminhões, tratores, motocicletas, patinetes, lambretas jaziam inertes nesses caminhos intransitáveis e muitos deles nem parados ficaram no meio-fio, mas no meio da saudosa avenida duma redentora princesa interrompendo o tráfego que, aliás, nem transitava pois que feneceu a frota inteira; inclusive, a corpulenta por avantajada ser, frota oficial municipal novíssima zero bala recém-saída das concessionárias, transformada, portanto, em desprezível sucata.
Fenix não renasceu desta vez e os que dela dependiam pra se deslocar, se viram verdadeiramente sem eira nem beira. – Podiam pedalar! – Alguém retrucaria, mas pedalar tropeçando numa interminável sucessão de buracos inundados de lixo, já que não tinha quem o coletasse e dele se livrasse, adoecia de imediato a saúde. O jeito era andar a pé, bem devagar, com redobrada atenção desviando das imundícies nogentas espalhadas pelo chão.
Na água a coisa era desgraçadamente pior. As estações coletoras e de tratamento de esgoto que não tiveram sua construção concluída depois de décadas de intermináveis obras, estouraram todas e o mar virou um mar de merda empesteando de fedor a orla inteira. As praias ficaram desertas já que ninguém suportaria tal pestilenta fedentina, inclusive, os facinorosos borrachudos que fugiram pro meio do mataréu não invadido por ocupação ilegal irregular criminosa clandestina e o jundu, ah, o jundu, tomou conta da faixa de areia a ponto tal, que nem grão dela mais se enxergava. E de positiva notícia pros ecochatos outrora de plantão teve que a floresta de plástico comprada à caminhão, disseram umas más línguas, lá na vinte e cinco de março e que adornava o buracão, quer dizer o túnel da estrada, ou melhor falando, do complexo viário do sul, vejam só, esse material verdoso verdolengo artificial foi completamente destruído de tão devorado pela verdadeira exuberante nativa vegetação viva atlântica insular tropical que por sinal tampou inteiramente a entrada e saída desse que foi o primeiro dos túneis ilhabelenses.
Os cem mil funcionários públicos municipais se encastelaram na sede da prefeitura, no imenso palácio sauna de cristal matagado. O mato se alastrou pelas paredes externas e o prédio mastodôntico foi engolido; lá dentro, sem água e sem luz e sem internet, esses milhares de revoltosos destituídos de salário ou cargo comissionado que os sustentasse ficaram a protestar sem que alma humana alguma os ouvisse, especialmente a operosa classe política insulana que há muito escapulira com conforto e segurança pro continente, até que, atônitos, afônicos e anêmicos foram de lá se evadindo pra lugar desconhecido.
Fizeram o mesmo, habitantes que, de súbito, viram o valor das suas casas nadinha valer com elas às escuras, as privadas entupidas de urina e bosta que ao rio ou mar em momento algum chegariam, os chuveiros e as torneiras áridas de tão secas. Desencantados, empobrecidos, exaustos logo caíram amargurados e desiludidos e então se bandearam pro continente, morando de favor na casa de parentes ou pior, virando sem teto, dormindo na rua ao relento.
Inacreditável, porém, sorte muito mais muito mesmo ruim tiveram aqueles, aquelas outrora orgulhosos orgulhosas viventes ilhabelenses que não conseguiram fazer a travessia porque a balsa, nesse tempo privatizada, aumentara substancialmente o valor da tarifa cobrando dos pedestres, cachorros, gatos, periquitos e até dos mosquitos. Além disso, com a piora exponencial do serviço, tornara-se uma temeridade nelas embarcar por se correr iminente risco de morte matada afogada explodida certíssima.
Ficaram esses miseráveis feito zumbis percorrendo a destroçada ciclovia vermelha apagada enquanto liam embevecidos os amarelados banners publicitários governamentais sobreviventes do passado sonhando viver numa ilha de mil maravilhas. Todavia uma ilha sem mandatário ou mandatária porque as eleições, antigamente ferinamente disputadas, caducaram. O maná acabara. Ou melhor dizendo, os royalties findaram.
Fim.
Em tempos de dificuldade de interpretação de texto, é preciso alertar que esse aí de cima é obra de ficção que até poderia ter sido vista e lida na 12ª Feira Literária e de Aventura de Ilhabela que conquistou visibilidade nacional com o cancelamento da mesa Escurecendo a Escrevivência através da Literatura. Isto posto, por favor, pelo amor de deus, não se veja nessa crônica verdade alguma! Bom, melhor dizendo, a bem da exatidão, os royalties ainda não sumiram completamente; por enquanto, só um pedacinho. Convém ainda frisar que essa prosa mixuruca que tão pouca gente terá paciência e curiosidade de ler, não tem nenhuma leviandade, pornografia, esquerdismo, feiura, direitismo, racismo, ideologia, religiosidade controversa, preconceito! Ela é tão somente apenas uma muito demais inofensiva historiazinha igual história da carochinha que é pra contar pra criancinha dormir; algo que pais amorosos faziam antes da invenção da internet quando em 1970 o Chico cantava:
Agora falando sério
Eu queria não cantar
Falando sério
Agora falando sério
Preferia não falar
Falando sério
Falando sério
Agora falando sério
















