Um ônibus corta a noite entre Caraguá e São Sebastião. Pela janela, vou vendo os pontos de parada se sucedendo e, câmera na mão, vou registrando um a um. As fotos estão borradas. O foco, quando há, deixa mais nítidas somente áreas pequenas. A cor é saturada. A luz é fraca, apagada.
São fotos para causar perplexidade e para estimular a pergunta: isso é foto? Haveria quem retrucaria que o seu celular faria foto melhor; que seu filho de cinco anos fotografaria melhor.
Porém, pensar assim afasta o olhar de perceber o que essas imagens, tão distantes do mundo da propaganda, nos dizem.
Em todas elas as pessoas estão presentes, mesmo naquelas que mostram lugares vazios, com a pintura descascada, sujos, pichados. A presença humana é que confere sentido a todos esses espaços, pontos de parada. É uma presença triste; na maior parte das vezes, solitária. Aguarda sonâmbula a chegada do ônibus que a levará de volta à casa. Vai entrar em outro espaço, cheio de luzes, ofuscando a vista; vai se sentar ao lado de outra pessoa ou, se o ônibus estiver cheio, ficar em pé, se encostando em outras pessoas.
Mas, apesar de todos juntos, seguirão todos separados, imersos numa alienação que não percebe, não reconhece o outro. Ninguém diz boa noite ou como vai, ninguém diz nada.
Apesar de haver mais luz, é o clima lúgubre do ponto onde se espera que prevalece. Clima de sonho, beirando o pesadelo. É disso que essas fotos falam.
Por Márcio Pannunzio
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