Foi no Shopping Serramar. Um dia, lá estavam eles, enormes e ameaçadores, intimidando os passantes. Ocupavam a fachada principal e pedaços alternados no jardim interno. Bastava chegar perto e se punham a mover, muito lerdos e desengonçados. Abriam vagarosamente a bocarra cheia de dentes pontiagudos e urravam um grito gutural, primitivo.
O projeto arquitetônico do prédio, fugindo ao padrão claustrofóbico que vigora em empreendimentos dessa natureza, calhou de fornecer um cenário apropriado. A vegetação farta do jardim era um berço condizente para a teatralidade deles e ajudava imaginar que, se fossem eles realmente vivos, uma morte terrível e dolorosa poderiam nos causar.
Na verdade, eles não eram monstros, mas sim bonecos gigantescos, com evidentes limitações de movimento. Atores canastrões em um espetáculo mais para o farsesco do que o amedrontador.
Agora, já não mais estão ali. Foram todos embora para outro lugar, recriar esse mesmo Parque Jurássico. Ficaram as fotos da sua presença e aqui a fotografia exercita a sua melhor magia: a de perenizar o passado.
Mas por trás das vitrines das lojas, permanecem sempre de prontidão outros bonecos, humanos bonecos, olhando o tempo inteiro quem próximo caminha. São todos descerebrados; para alguns, falta a própria cabeça – são manequins decapitados. Pelo que pretendem, são muito mais perigosos que os monstrengos de plástico com a pretensa vocação de dinossauros. Pois além de buscar vender uma camisa, um sapato, um par de meias, querem é que reverenciemos as grifes expressas nas palavras que são inscritas bem à vista em cada peça de vestuário. Querem que nos comportemos feito lordes ou rebeldes sem causa, querem que deixemos de ser quem somos para ser o que idealmente reputam que deveríamos ser para então merecermos estampar os seus emblemas, feito salvo-condutos para sermos bem aceitos e invejados.
Por Márcio Pannunzio
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