O impacto de um meteorito pode ter aberto uma cratera de 1,3 quilômetro de diagonal e 300 metros de profundidade em Ubatumirim, região Norte de Ubatuba. O local fica perto de um trecho da Rodovia Governador Mário Covas (BR-101) e do rio Puruba.
A descoberta é do geólogo Paulo Roberto Martini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele também é mestre em sensoriamento remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Martini lidera um projeto de pesquisa que investiga a cratera. A descoberta, considerada um achado significativo, pode lançar novas luzes sobre eventos de impacto meteorítico mais recentes na Terra.
“Se estudos mostrarem que esse impacto tenha menos de 30 mil anos, até 30 mil anos ou mais recente, isso significa que esse impacto seria o mais recente do planeta. Não se tem outro evento mapeado dessa dimensão com essa idade”, explica o geólogo.
Para ele, a descoberta quebra bastante a estatística de impactos de alto potencial destrutivo em tempos recentes, que datam do final de Pleistoceno, aparecendo no início do Holoceno.
O Pleistoceno, também conhecido como Era Glacial, é uma época geológica que ocorreu entre cerca de 2,58 milhões e 11.700 anos atrás. Este período é marcado por múltiplas glaciações (eras do gelo) que cobriram vastas regiões da Terra. Holoceno é a época geológica atual, que começou há cerca de 11.700 anos e se estende até os dias atuais. É caracterizado pelo recuo das geleiras após o último período glacial e pelo desenvolvimento da civilização humana.
Descobrindo a cratera

A investigação, segundo o geólogo, teve início com um projeto do INPE, que, no final do século XX, mapeou falhas e fraturas geológicas na região sudeste do Brasil. Nos últimos anos, com o uso de imagens de satélite, Martini e sua equipe identificaram uma anomalia geomorfológica notável entre Ubatuba e Santos.
A estrutura revelou padrões diversos dos observados na geologia regional. Isso levantou a hipótese de uma origem não tectônica, possivelmente ligada a um impacto meteórico.
É possível estimar quando aconteceu um impacto baseado na espessura dos sedimentos que se acumulam em um afundamento. Essa espessura pode chegar até 300 metros antes de atingir a rocha original. Em condições normais, a sedimentação pode ser de cerca de um centímetro por ano, o que indicaria que levaria aproximadamente 30 mil anos para preencher essa altura.
Quanto ao tamanho do objeto que causou a cratera, acredita-se que ele foi maior do que os meteoros que causaram explosões menores, como o de Chelyabinsk, na Rússia, em 2013. Para uma cratera do tamanho mencionado (1,2 a 1,3 quilômetro), seria necessário um corpo celeste de aproximadamente 400 a 500 metros para gerar estrutura semelhante à cratera do meteoro no Arizona.
Martini destacou que a configuração geomórfica da região contrasta com o padrão regional. Neste caso, é essencial a análise de imagens infravermelhas que mostraram a estrutura com contornos quadrangulares, reminiscentes de crateras de impactos, como a do Arizona (veja aqui).
Além disso, a erosão acelerada da zona costeira poderia indicar um processo de sedimentação intenso.
Com insumos coletados, os pesquisadores buscam agora investigar o tipo de rocha que restou do impacto. Os chamados impactitos tem características mineralógicas que podem indicar a natureza do evento que formou a cratera. A expectativa é que essas amostras revelem evidências, como “shatter cones”. Ou então os quartzos, ambos comuns em estruturas formadas por impactos.
Os “shatter cones”, também conhecidos como cones de estilhaçamento ou cones de quebra, são estruturas cônicas estriadas que se formam em rochas devido ao impacto de um corpo celeste. Eles são considerados um indicador confiável de eventos de impacto, pois são formados exclusivamente pela passagem das ondas de choque resultantes do impacto.
Necessidade de financiamento
Para avançar nas investigações, Martini enfatizou a necessidade de financiamento. Sondagens profundas são caras e, frequentemente, não viáveis. As futuras etapas incluem uma abordagem no rio que corta a região até a cratera, em busca de amostras mais intactas.
“Agora, é tentar verificar quem banca esse nosso passeio, entre aspas, pelo rio até chegar no interior da cratera. Não sei se é a prefeitura, o CNPq, ou a FAPESP. Em último caso, já pensei em pegar uma lancha de um pescador daqueles e subir o rio até chegar na boca da estrutura”, detalhou Martini.
“Eu acho que não adianta chegar por terra. Não vai dar para encontrar nenhuma rocha sã pelos caminhos das trilhas. Fazer uma sondagem para ver o que encontra debaixo de 300 metros de sedimento é caríssimo”, lamenta o geólogo.
“Não sei se alguém teria dinheiro para fazer isso. Alguma instituição de pesquisa bancaria uma escavação ali, uma sondagem de 300 metros para, de repente, chegar lá embaixo e não encontrar nada?”, pontua Martini. “A gente pode não achar nada também. Mas qual é a outra explicação para isso, se não um impacto? Eu não tenho”.
Por outro lado, se a pesquisa confirmar que a cratera em Ubatuba é resultado de um impacto meteórico com menos de 30 mil anos, isso poderá ser um marco na pesquisa sobre impactos recentes.
“A importância científica é absurda”, aponta Martini. Segundo Martini, esta descoberta reforçaria a importância do estudo de meteoritos no Brasil e sua relevância científica, além de ajudar a compreender a história dos impactos na Terra.
Também estão no projeto o doutor Álvaro Crosta, o pesquisador mais avançado nesse tipo de estudo e a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e curadora de meteoritos do Museu Nacional, Maria Elizabeth Zucolotto, conhecida como “caçadora de meteoritos”.
A colaboração com instituições de pesquisa, como a USP e UNICAMP, é esperada para enriquecer as investigações e contribuir para um entendimento mais profundo desse fenômeno natural.