O documentário ‘Marcos, força de vontade’, do cineasta Zoran Djordjevic, foi premiado em maio deste ano no Festival de Cannes, na França – o mais importante e reconhecido dentro do universo da sétima arte.
O documentarista morador de São Sebastião acompanhou Marcos Santos com sua câmera desde 1996, registrando a vida e obra do artista plástico que nasceu com paralisia cerebral. O filme traz em 93 minutos a perseverança, o talento e a força de vontade do homem que faz tudo com seu pé esquerdo.
Ao nascer, faltou ao artista oxigênio no cérebro, os movimentos dos braços, das mãos e sua fala ficaram parcialmente comprometidos. Hoje, aos 52 anos, o morador de São José dos Campos pinta obras figurativas e abstratas, moldando suas pinceladas com os dedos do pé. Com a mesma desenvoltura, usa a serra elétrica tico-tico, o martelo e o estilete, sem abrir mão do celular e do computador, ferramentas indispensáveis na contemporaneidade.
Ao longo de 27 anos, as imagens captadas por Zoran iluminam a aura da personalidade cativante de Marcos Santos interagindo com a câmera, seja em seu atelier, numa sala de aula, ou na intimidade de sua casa. O documentário time-lapse desvenda a mente criativa do artista, onde as fronteiras entre realidade, espaço, memórias, sonhos e sofrimento são elevados a condição de obras de arte.
Marcos também lida com outras limitações, como nas articulações de cada palavra, dita com dificuldade, mas sobrecarregadas de resiliência e mensagens de esperança. Visto pela perspectiva da maioria, é uma pessoa com deficiência permanente, o que não o impede de ser extremamente alegre, bem humorado, e com uma vontade imensurável de conviver, sobretudo com seus vizinhos.
“A convivência com Marcos proporciona a sensação de que a força espiritual que traz consigo, vem da certeza de ser parte de um povo e pertencer a uma comunidade, que mesmo criminalizada, é a fração universal do seu quintal. Ele se compara aos palhaços de circo. Se inspira neles, não apenas por suas cores ricas e sorrisos dolorosos, mas pela maneira desajeitada de como resolver uma situação embaraçosa, em que todos acham que ele não vai conseguir”, analisa Zoran.
“Todos os dias de manhã, eu oro. Eu sinto que Deus fala comigo. Ele sempre me diz para eu começar, que ele me ajuda terminar. É com essa fé, que eu início cada pintura que eu faço”, diz Marcos em um trecho do filme.
“Com um pincel entre os dedos do pé esquerdo, ele segue pintando o caminho da própria vida, com muita espiritualidade, e atraindo olhares de admiração”, finaliza Zoran.
O filme ‘Marcos, força de vontade’ deve chegar ao cinemas do Brasil, com sessões em São Paulo e Rio de Janeiro, em agosto de 2024. E vai ficar disponível em plataformas de streaming a partir de 2025.
Novos projetos
Nascido na antiga Iugoslávia, hoje Sérvia, Zoran Djordjevic mora há 25 anos em São Sebastião. Estudou faculdade de Cinema em Praga, na República Tcheca, e é pós-graduado no tema de filme documentário. Atualmente, o cineasta, que também é diretor de teatro, fotógrafo, escritor e professor, trabalha em três novos projetos, após a premiação em Cannes.
O primeiro é o filme ‘Itassuçe, meu escritório’, que aborda ecologia e é produzido em parceria com Gil Moura, um caiçara de Barequeçaba, que toma conta do ilhote Itassuçe, berçário dos pássaros Trinta-Réis. O filme, previsto para estreiar em julho, alerta para a importância da preservação do meio-ambiente. “É última hora de mudar nossos hábitos. O planeta Terra vai sempre existir, mas para salvar humanidade, as pessoas precisam mudar suas maneiras”, alerta Zoran.
O segundo documentário conta a vida do ilustre capira de Paraibuna, João Rural. Dono de sabedoria popular sobre o valor da cultura tradicional do interior do Brasil, ele também foi escritor, jornalista, repórter, fotógrafo, cinegrafista, cozinheiro e ambientalista. “Retratos, João Rural será um belo documentário sobre João, mas também, sobre Paraibuna, espírito caipira, com cheiro de terra vermelha, fogão de lenha e música popular feita”, conta o cineasta. O lançamento também será em julho.
O terceiro projeto, ‘Close-up Saravá’, é um filme sobre racismo. Participam mais de 50 testemunhas de diversas áreas, desde diretores do teatro, escritores, professores, até artistas da região, jongueiros, capoeiristas, entre outras figuras que enfrentam a triste realidade da desigualdade entre brancos e negros no país. “Será um filme cheio de emoções, mas também de beleza, ritmo e movimento que carrega as cores do sofrimento racial”, diz Zoran.