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Published on Apr 16,2024
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Published on Apr 16,2024
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Home Explore ilha...bela Márcio Pannunzio
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ilha...bela

1

ilha..bela Márcio Pannunzio

ilha...bela

Márcio Pannunzio

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ilha...bela

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Foto da capa: montagem com duas das faces do

pelourinho da praça Coronel Julião. Num lado,

bica d’água, doutro, o brasão de Illhabela.

Textos, fotografias, desenho gráfico e revisão:

Márcio Pannunzio

24-200291 CDD-070

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pannunzio, Márcio

ilha--bela [livro eletrônico] / Márcio Pannunzio.

-- Ilhabela, SP : Ed. do Autor, 2024.

PDF

ISBN 978-65-00-98655-6

1. Artigos de periódicos 2. Fotografias

3. Jornalismo I. Título.

Índices para catálogo sistemático:

1. Jornalismo 070

Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

P:03

ilha...bela

3

prefácio

\"Cada um com suas armas. A nossa é

essa: esclarecer o pensamento e pôr

ordem nas ideias.\"

Antônio Cândido

O Imprensa Livre, com o lema “o único

jornal diário do Litoral Norte”, não economizou espaço para noticiar minhas

exposições individuais na região. Em

2005, Tais Sarubi, editora do caderno

de variedades, escreveu uma reportagem com o poético título de “Pannunzio expressa os sulcos n’alma de todos

nós”. O Imprensa livre teria, acredito,

noticiado também a minha conquista

do prêmio máximo do Salão Waldemar

Belisário de 2015. Teria. Porque faliu.

Resistiu durante 28 anos. Parte da sua

equipe de jornalistas não se conformou

com o seu fim e querendo honrar e dar

continuidade ao seu legado, criou o

Nova Imprensa. É verdade que um sabido ressuscitou o nome paradigmático e o colocou no ar recentemente,

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mas nem ele, nem quem o acompanha,

viveu e fez parte dessa história; foram

tão somente matreiros e compraram

a preço irrisório o direito de registrar

esse domínio que caducara na internet, como foi o caso da Gurgel.

Daniela Maiara Rossi faz parte do grupo que criou e mantém ativo o Nova

Imprensa e me entrevistou na ocasião

da premiação. Aproveitei para lhe contar sobre o meu desejo de ter um espaço na mídia para divulgar minhas

fotos; quem sabe um lugar no Nova

Imprensa. A proposta teve êxito e assim nasceu a coluna Foto em Foco.

Fazia tempo que desejava dar evidência a minha ocupação como fotógrafo;

nessa época, ainda não trabalhava

com bancos de imagem e agências de

fotojornalismo.

Essas atividades aconteceram pouco

depois e proporcionam visibilidade

nacional e mundial às fotos que fiz e

corriqueiramente faço da ilha.

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ilha...bela

5

Não sabia, porém, naquela entrevista,

desses próximos empregos e estar no

Nova Imprensa era nessa hora para

mim a melhor maneira de dar vitrine

privilegiada as minhas fotos. Elas conquistaram maior destaque em seguida graças, principalmente, ao fato de

ter-me tornado colaborador exclusivo

da iStock by Getty Images e fotógrafo

parceiro da Foto Arena, mas continuo

valorizando bastante meu pequeno

cantinho no Nova Imprensa. Faço isso

com orgulho, pela percepção de que,

a despeito de todas as vicissitudes,

embora não tenha conseguido concretizar o sonho de tornar-se impresso, o Nova Imprensa soube sobreviver

dignificando o exemplo do Imprensa

Livre, sempre preservando sua independência jornalística, jamais se subordinando aos interesses dos governos locais. O poder muda de mãos;

os que caem submergem na irrelevância mas o descrédito que macula a

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imprensa que se vendeu, se corrompeu, vira chaga que não mais cicatriza estigmatizando jornalistas venais.

Originalmente, como seu nome sinaliza, minha coluna era um lugar dedicado à fotografia; a matéria inaugural mostrava fotos da congada, tema

esse, reiteradamente retomado. Timidamente, passei a escrever para contextualizar as fotos de cada coluna. O

texto foi crescendo vagarosamente e,

inspirado no jornalismo literário que

tem como nosso exemplo admirável

a Revista Piauí, tornou-se bastante

extenso, logo numa época de consagração dos 140 caracteres do Twitter.

Num jornal impresso seria impossível

publicar artigos aprofundados, mas

essa limitação não existe na internet.

Minha escrita aparentou-se da minha

fotografia e das minhas gravuras. Ambas são barrocas, com conteúdos visualmete intrincados, complexos por

causa da informação excessiva.

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Escrevendo, virei articulista de opinião.

Opinião minha, não a do Nova Imprensa como bem frisam seus editores. Pode-se dela discordar, mas é necessário

reconhecer a sua paciente construção

baseada na análise criteriosa dos fatos e até por isso meus artigos saem

cheios de links direcionando o leitor

para as inspirações principais do meu

raciocínio. Pelo tanto de trabalho que

dão, as colunas não têm muita frequência; nesses oito anos, a média girou ao redor de uma por mês.

O motor dessa escrita e das fotos que

a ilustram é a indignação. Indignação

com a realidade, manifestando sempre

o desejo de que a vida fosse melhor, especialmente na ilha. No fundo, apesar

de mexer com assuntos controversos

e transpirar algum pessimismo, sua redação é amorosa, sonhando um futuro feliz onde a cidadania fosse vivida

em plenitude, onde o autoritarismo, o

clientelismo, a especulação imobiliária e

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o turismo predatório não tivessem vez.

As 21 colunas que compõem esta publicação digital representam uma fração muito pequena do total publicado nesses anos. A sua seleção foi feita

quase aleatoriamente. Entretanto, por

uma coincidência inesperada, tanto o

artigo que a inaugura quanto aquele

que a encerra, tiveram grande número

de acessos; o recordista foi o segundo, com 14.352.

A finalização deste livrinho, com a obtenção da sua ficha catalográfica, data

do fim de março e então calhou de ser

inserido o texto publicado em 1 de

abril: “sessenta anos”, escrito especialmente para lembrar daquele nefasto

dia que desgraçou a nação a penalizando viver mais de duas décadas pavorosas que teimam em renascer haja

vista o risco enorme que ultimamente

corremos de sermos novamente subjulgados por outra maféfica ditadura.

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Articulistas do Imprensa Livre foram

muitos, dissertando sobre variados

assuntos. Ponto em comum entre eles

era o hábito de recortarem suas colunas impressas e com elas criarem álbuns. Com o tempo esses papéis amarelavam e se tornavam quebradiços.

A Foto em Foco é digital e nunca se

amarelará. Meu sincero desejo era o

de que amarelasse, envelhecesse e

nesse processo inevitável de degenerescência, perdesse sua razão de ser.

Se tornasse então apenas o registro

excêntrico dum montaréu de acontecimentos sepultados, vistos agora,

como equívocos solucionados.

Infelizmente, no momento atual, isso

não ocorreu e qualquer uma dessas

colunas pode ser lida como se houvesse sido escrita ainda há pouco.

Márcio Pannunzio

março de 2024

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ilha...bela

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Índice

1. Ilhabela, a mais rica das cidades

do Brasil 12

2. uma ilha, mil maravilhas 40

3. aqui a gente está pra ensinar, a gen-

te está pra educar as pessoas 52

4. preocupa não o grito dos maus,

mas o silêncio dos bons 66

5. carnaval antecipado em São Se-

bastião 74

6. novamente, carnaval antecipado

em São Sebastião 88

7. o 8 de janeiro 106

8. sessenta anos 120

9. Ilhabela verde amarelou 134

10. a ilha te recebe de braços aber-

tos 158

11. Congada em foco 182

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12. a cultura envergonhada 220

13. BASTA! 252

14. o carnaval que não houve 270

15. mais um ano sem Congada 284

16. fé cega, faca amolada 342

17. sete de setembro 358

18. 43º Salão Waldemar Belisário,

o que os olhos viram 384

19. Nostromo e a ilha da morte 436

20. o horror, o horror 464

21. carnaval da tragédia 474

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Ilhabela, a mais rica

das cidades do Brasil

22 de fevereiro de 2020

https://novaimprensa.

com/2020/02/foto-em-foco-ilhabela-a-mais-rica-das-cidades-do-

-brasil.html

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Não é slogan oficial de Ilhabela entre

os inúmeros criados nos últimos anos,

o “Ilhabela – a cidade mais rica do Brasil”. Marcando diferença em relação

aos ora papagaiados pela propaganda

institucional, “Ilhabela vida natural”,

“uma ilha mil maravilhas”, ” Ilhabela

de braços abertos para o turista o ano

todo”, esse que a nomeia como a mais

rica do Brasil é fidedigno.

Rompendo a barreira da imprensa local chapa branca, a Folha de São Paulo

em matéria de capa da edição impressa de segunda-feira, 17 de fevereiro

enuncia esse fato como o enunciaram

os relatórios do Tribunal de Contas recentes.

“A arrecadação per capta de Ilhabela

não encontra parâmetros em solo brasileiro. É preciso ir além das fronteiras

nacionais para encontrar receitas por

habitante semelhantes em cidades turísticas como Daytona Beach (EUA) e

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Kelowna (Canadá )”, nos informa relatório sobre as contas municipais do

exercício de 2018.

Pois dona de tão enorme riqueza, seria de se esperar que a cidade fosse

um primor de beleza de deslumbrar

imediatamente o olhar de quem a visita. Mas não.

Logo ao pôr os pés na ilha, o que chama primeiro atenção é a rotatória de

entrada. Ficou no território brumoso

dos sonhos aquela rotatória minimalista, com um morrinho numa extremidade atribuída ao gênio de Burle

Marx, adornada por dois troncos calcinados. Há muito morador antigo

que jura terem sido eles esculturas de

Frans Krajcberg, dessas que aumentaria demais a fama de qualquer museu

que as exibisse. Terem sido porque

já não o são; não existem depois de

apodrecerem sepultados sem honra

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no lixão da Água Branca.

Já sob gestão milionária graças ao

aporte dos royalties do petróleo, a infelicitada paginação atual foi criada: o

morrinho foi inteiramente terraplanado e incorporado a um círculo bastante expandido onde foi construído um

desgracioso e grande prédio que vem

a ser o Departamento de Segurança

Pública ladeado por uma gigantesca

estrutura de aço inox que a população

prontamente apelidou de “bistecão”.

O que em algum momento vai inspirar um afoito publicitário a serviço da

prefeitura da vez a inventar um outro

slogan: “Ilhabela, terra da bisteca”. E

daí os sábios profissionais do turismo

da ocasião vão criar um novo evento ao custo de alguns insignificantes

milhões: o “festival da bisteca”, com

a presença de chefs famosos do YouTube e de milionárias apresentações

musicais de conjuntos renomados nas

Ilhabela, a mais rica das cidades do Brasil

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redes sociais, de axé, funk e pagode

para ajudar a digestão dos comensais

agrupados sob uma portentosa tenda

armada na Vila.

Apesar dessa entrada reconstruída seguramente mais a peso de ouro do que

a da sucata de metal brilhante, sob

ação do sol intenso iluminando o aço

inox do “bistecão” ter o poder de ofuscar a visão, esse ofuscamento não será

suficiente para eliminar a desagradável percepção da sua desconcertante

feiura e da feiura das construções que

se alastram pela malha urbana da cidade. O padrão caixotão inaugurado por

prédios abrutalhados e abestalhados

como o Shopping da Construção e o

Centro Médico comprado pela prefeitura por muitos milhões, contamina as

ruas criando uma paisagem monótona

e indigente.

Fato é que Ilhabela não tem a beleza

de Paraty nem a de Tiradentes com

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seus prédios históricos preservados.

Sobrou quase nada do que aqui existia

de histórico. Tudo foi há muito demolido e o que foi construído no lugar

afronta a boa arquitetura. São prédios

sem nenhuma graça, sem qualquer

encanto, originalidade; quando não,

muros, muralhas encimadas por rolos

de arame farpado e cercas elétricas.

Se o visitante curioso se afastar das

artérias de trânsito se embrenhando

pela franjas da cidade vai se deparar

com áreas de invasão formando vielas

repletas de casas inacabadas construídas em pirambeiras ou buracos onde

caminhão de lixo não entra e até ambulância enfrenta dificuldade para trafegar exibindo um quadro de descaso,

desigualdade, pobreza.

Pois então é rica, porém, não é nada

bela a sua paisagem urbana.

Tudo bem. Não é todo mundo que se

importa com estética. A maior parte

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das pessoas está pouco se lixando

mesmo.

Mas a questão continua aberta: se é

uma cidade tão rica por que seus índices de qualidade de vida, de gestão

pública não estão todos no topo? Por

que suas notas não são todas A+?

A resposta emerge da leitura dos relatórios do Tribunal de Contas. Apesar de investir bastante na educação e

na saúde, investiu mal. Construiu escolas que recém inauguradas mostravam processo de deterioração e não se

preocupou em manter em bom estado

as que estavam em operação; terceirizou a gestão da saúde; gastou fortunas na desapropriação de imóveis;

edificou uma aberração arquitetônica

de aço e vidro blindex bem no meio

do Perequê para abrigar a prefeitura

que, muito embora seja enorme, não

tem espaço suficiente para acomodar

todos os servidores municipais juntos, tão grande é seu número inflado

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por contratações sucessivas em cargos e funções conflitantes; diminuiu o

tamanho da faixa de areia das praias

do Itaguçu e do Engenho d’Água para

aumentar a largura da Avenida Princesa Isabel; reformou a rotatória de

entrada da ilha pondo abaixo a antiga

para colocar no seu lugar, bom, sobre

isso, já foi falado; asfaltou dezenas de

ruas que já eram calçadas com paralelepípedos; fez e teve de refazer obras

por causa da péssima qualidade com

que foram primeiramente realizadas,

a exemplo da ponte estaiada da ciclovia…

Uma outra matéria do Estadão, carregada no site do jornal também no dia

17 de fevereiro, furando o bloqueio da

imprensa baba-ovo local, estampou a

manchete: “com contas reprovadas,

prefeitura de Ilhabela gasta mais em

eventos do que em educação”. Ilustrada por fotos postadas no facebook

de autoridades insulares ao lado de

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beldades do concurso de Miss Brasil

2017, bancado pelo dinheiro do município. Fotos de autoria das próprias

autoridades presentes no evento que

diziam juntamente com os periódicos

ilhabelenses puxa saco fazendo servil coro, que o concurso traria enorme

benefício ao turismo local.

Fato é que em nome do “turismo de

Ilhabela”, gestões de safras diferentes tomaram a si com religioso fervor,

empreender uma guerra santa e transformaram-se em cruzados obstinados

na nobre tarefa de atraírem turistas

para a cidade. Valia e continua a valer tudo: torrar o erário do município

em concurso de miss até audição de

música clássica e exposição do mestre da arte moderna Joan Miró; o meio

comportando os eventos mais disparatados, porém, não menos onerosos.

Gastando nisso muito mais do que na

educação básica conforme relato do

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Tribunal de Contas.

E é esse Tribunal quem salienta que

toda essa abundância de eventos milhardária em nada contribuiu para o

crescimento do turismo; muito ao contrário, ao analisar a ocupação da rede

hoteleira, ressaltou que em muita festa a ocupação foi até menor.

O óbvio ululante é que as pessoas visitam Ilhabela não por causa da sua

paisagem arquitetônica que é horrível

logo na sua entrada enodoada e assim

persevera cidade adentro; não pela singularidade do seu patrimônio histórico que praticamente inexiste, mas sim

pela natureza ainda intocada sobre a

qual a cidade se implantou. Pelos oitenta por cento do seu território que

pertencem ao Parque Estadual e estão

íntegros, densamente vegetados e estupendamente belos a despeito da voracidade dos insetos que lá vivem.

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Nem as praias, a rigor, exercem mais

tão forte poder de atração porque depois de terem sido apropriadas por

quiosques, bares, restaurantes, pousadas e hotéis como prolongamento dos

seus negócios, perderam o que de natural possuíam. E que têm, muito mais

grave, envergado vergonhosamente a

bandeira vermelha da CETESB a ponto

de todas elas a ostentarem na temporada de 2019.

Pois então de nada adianta torrar milhões e mais milhões em shows musicais para os gostos mais ecléticos,

eventos esportivos que exigem inscrição paga dos seus participantes, feira náutica para rico ver, apresentação

de música clássica que cobra ingresso dos munícipes que a forem assistir,

concurso de beleza só para convidados vips, desfile de “celebridade pelas

ruas da cidade”, exposições caríssimas

de artistas incensados pela história da

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arte organizadas sempre pela mesma pessoa jurídica em processo com

inexigibilidade de licitação, rega bofes gastronômicos envolvendo custos

de infraestrutura temporária em valor

que poderia edificar prédio de eventos permanente para as gerações futuras … Ufa, enfim: de nada vale torrar milhões em pretensiosos “eventos

turísticos” para atrair turista porque

eles não vêm à ilha por causa deles.

É um gasto sem retorno. Não tem o

poder nem de gerar emprego em nível expressivo, nem o de gerar maior

receita. Ponto final.

É no mínimo insólito, portanto, buscar

endossar essa tese furadíssima, gastando mais duzentos e vinte e quatro mil reais para publicar, através da

calejada inexigibilidade de licitação,

numa editora lá do Espírito Santo, livro que diz que “turismo gera emprego”. Numa muito avantajada tiragem,

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a julgar pelo valor contratado, suficiente para ser completamente distribuída entre os habitantes da cidade

alfabetizados com paciência e inteligência necessárias para ler matéria de

maior complexidade do que as corriqueiras postagens iradas que vicejam

nas rede sociais.

Naquela lista de parágrafo anterior

enumerando os mal feitos das administrações de Ilhabela, faltou um item

de enorme relevância. Que nessa lista

não pode entrar como realização infeliz, mas justamente como uma evidente falta de qualquer realização.

Trata-se do saneamento básico. Relatório do Tribunal de Contas de 2018

informa que Ilhabela coletava apenas

trinta e cinco por cento do seu esgoto e tratava a irrisória quantidade de

quatro por cento dele. Com um resultado escabroso desses, não espanta

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que seja sideral a distância da cidade

daquelas demais citadas pelo Tribunal de Contas como referência de poder de investimento – Daytona Beach

e Kelowna.

Ilhabela pode ter tanto dinheiro quanto elas mas longe está de ter a beleza,

a funcionalidade, a eficiência delas. Na

verdade, está é próxima das mais miseráveis ao falhar fragorosamente na

questão do saneamento básico, cuja

falta provoca sérios problemas de saúde pública. Ocupava em 2018 o décimo terceiro lugar no quesito de pior

saneamento de todo o estado de São

Paulo. Numa relação de seiscentas e

trinta e duas cidades.

O que talvez anime um outro esperto

publicitário a soldo das finanças municipais a criar o slogan: “Ilhabela, a

13ª entre 632!”

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Diante desse quadro lastimável, a notícia da audiência pública na terça-feira passada, dia 11 de fevereiro, sobre

o contrato da SABESP em curso para

cuidar do saneamento básico do município, era animadora porque dava a

entender que enfim se focava numa

questão crucial para o futuro da ilha.

O auditório da prefeitura ficou cheio e

representantes diversos da sociedade

civil se pronunciaram questionando

o contrato e sugerindo modificações

que o melhorassem. A relevância desse evento público nada tinha de turístico. Ele seria um palco maravilhoso

para as autoridades insulares virem a

luz. Até por isso a câmara municipal

desmarcou sua sessão para que os vereadores pudessem estar presentes.

Já o poder executivo… Causou espanto que a prefeita a abandonasse para

se ocupar de outro compromisso dito

oficial, deixando perplexos todos os

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que assistiram a cena constrangedora da sua saída se perguntando: que

compromisso pode ser mais importante do que o de debater o saneamento

básico de Ilhabela?

– Participar de um banquete na “ilha

de caras”.

Prefeita e outras autoridades do poder executivo foram posar de convivas para as lentes de fotógrafos paparazzi, esses que vivem de capturar

flagrantes da vida dos “famosos”.

O vereador Marquinhos Guti, bradou

enfurecido diante do auditório da prefeitura esvaziado depois de mais de

quatro horas de falatório, achar um

absurdo o poder executivo de Ilhabela

ter se ausentado do debate.

Indignada, como é do seu costume, Janaína Pascoal conclamou no dia 18 de

fevereiro em sucessivos twitters:

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“Segundo o Estadão, Ilhabela gastou

27 milhões em eventos e 16 milhões

em educação no mesmo período. Dentre os eventos, um concurso de beleza. Ilhabela nada investiu em saneamento básico. Recentemente, recebi

munícipes com sérias queixas na seara da saúde. Se o projeto de lei 07/20

em tramite na Alesp, for aprovado, ficará proibido gastar dinheiro público

em inutilidades: shows, patrocínios,

festas, propaganda de governos estéreis. Dinheiro público pertence a todos! Tratam como se dinheiro público

fosse de ninguém! Colegas, ajudem a

dar andamento ao PL 07/20, para o

bem de todos nós!”

A indignação da deputada estadual reverbera em nível federal e a verdade do

presente é que Ilhabela tornou-se exemplo nacional de má gestão pública. O

que talvez anime algum outro publicitário capacho do …, bom, chega disso.

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E o futuro. Puxa, o futuro. Lembraremos amanhã de uma advertência do

Tribunal de Contas: Ilhabela não tem

qualquer plano de contingência frente à possibilidade de redução do valor

dos royalties, possibilidade essa concreta a partir de simulações de receita

futura.

Simulações que não levaram em conta

a hipótese de que os royalties sejam

bloqueados por ordem federal ou a de

que a legislação mude e essa receita

seja equanimemente dividida entre todos os municípios.

Sim, é de bom tom reforçar, bem ao

lado do quesito “saneamento” na bojuda relação de ações não realizadas,

faltou “plano de contingência para o

caso de diminuição ou fim dos royalties”.

Se os royalties diminuírem drasticamente, qual destino teria Ilhabela? Os

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relatores do Tribunal de Contas o imaginam parecido ao do Rio de Janeiro

atual. Um estado de falência completa, total desordem, abjeta desumanidade.

Consternada frente a esse quadro pavoroso, catastrófico, bem que a prefeitura poderia reconsiderar o gasto

nesse livro apócrifo de “turismo gera

emprego” e redirecioná-lo para bancar a tiragem de outro, desta feita,

um romance escrito por Carlos Knapp,

autor do magistral “o sumiço do mundo” que tem Ilhabela como protagonista. O título dessa sua nova obra literária seria “o sumiço dos royalties”.

Que de tão extraordinária história

engendraria filme homônimo ainda

mais excepcional do que Bacurau ou

democracia em vertigem e, indicado

ao Oscar de melhor filme estrangeiro,

o ganharia para o orgulho exultante

da pátria amada Brasil.

Ilhabela, a mais rica das cidades do Brasil

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Em vídeo que circula na internet, ao

vermos o vereador Marquinhos Guti

continuando a manifestar a sua contrariedade com a atitude da prefeita

e secretários municipais, revelar que

no ano passado a “ilha de caras” abocanhou mais de quinhentos mil reais da prefeitura, a gente conclui que

esse banquete no qual autoridades do

poder executivo se divertiam fazendo

selfies e posando todo dentes para os

paparazzi de plantão não foi de graça.

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A foto acima que ilustra a coluna é a

de uma praia de Ilhabela. Pequena, intimista, fica ao lado de uma outra menor em frente ao bar do Tuca, no sul.

Boa parte dela é inteiramente ocupada

por pedras roladas de tamanhos variados, formatos e cores. A faixa de areia

é diminuta. Da estrada há um acesso

para descer até ela. Uma escadaria de

pedra. Ela é pouco frequentada conforme atesta registro feito no domingo,

dia 16 de fevereiro. Seria um local perfeito porque lá não houve a ação predatória da venda de cerveja, cachaça e

frituras, não fosse o detalhe de existir

desembocando nela um filete perpétuo d’água canalizado, que passa por

debaixo da estrada.

Próximo à boca de alvenaria que o derrama praia e mar adiante, vemos latinhas

de alumínio, papéis, bitucas de cigarro, invólucros de alimentos, absorventes, resíduos pastosos amarronzados

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compondo uma multifacetada quantidade de lixo catingando o ar marinho.

Se elevarmos o olhar acima dessa bocarra de dejetos vamos divisar doutro

lado da estrada uma propriedade luxuosa com bandeirolas tremulando ao

vento. Bandeirolas estampadas com o

logotipo de “caras”. Pois ali é a “ilha de

caras” em Ilhabela.

A se crer no depoimento em vídeo posto no facebook por um ilhabelense gozador, que filmou e comentou o fato

desse esgoto desaguar na praia tendo

como um dos prováveis emissores a

imponente mansão da “ilha de caras”,

nos espantamos ao imaginar qual seria a verdadeira natureza da material

contribuição oferecida ao turismo insular pelas “celebridades” que lá se hospedaram para depois “desfilarem” por

Ilhabela, – a mais rica cidade do Brasil.

Ilhabela, a mais rica das cidades do Brasil

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uma ilha, mil maravilhas

https://novaimprensa.com/2019/02/

foto-em-foco-uma-ilha-mil-maravilhas.html

5 de fevereiro de 2019

P:41

ilha...bela

41

A imagem que ilustra a Foto em Foco

desta semana bem que poderia figurar

como uma das apregoadas mil maravilhas dum novo slogan insular: “uma

ilha: mil maravilhas”. Nessa nossa era

de desfraldar bandeiras com beato

devotamento, vê-las coloridas tremulando ao vento é maravilha para essa

gente deslumbrada com brasões.

Na foto destaque as vemos bailando

com o céu azul enevoado ao fundo.

Destaca-se, é claro, a bandeira do Brasil, verde e amarela. Todavia, chama

nossa atenção em primeiro plano, uma

outra tímida até por ser bem menor e

até por nem poder ser em verdade considerada um estandarte. Em vermelho

vivo, vermelho sangue, ela grita.

Mas seu grito é ignorado pelos banhistas que se refrescam no mar. Eles são

tantos… Pena que o Hospital Mário

Covas ainda não foi ampliado. Tivesse já sido, e melhor atendimento teria

uma ilha, mil maravilhas

P:42

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42

esse povo atormentado por doenças

de pele e outras piores pelo contato e

pela ingestão d’água contaminada por

coliforme fecais, ou traduzindo para

todo meio entendedor bem entender

apesar da deselegância do dizer: água

com merda.

Poderia esse acepipe (a água com merda), juntamente com as flâmulas vermelhas que vêm adornando praias do

arquipélago nos últimos tempos, ser

contabilizado como mais uma das “mil

maravilhas de Ilhabela”?

Dezenove praias com a bandeira vermelha da CETESB; ou seja, todas, todas

as praias monitoradas pela companhia

classificadas como inadequadas para

banho. Dezenove praias impróprias,

muito embora os turistas e a gente

da Ilha que nelas se banhava pouco

se importasse com o alerta sanguíneo

encimado no mastro no meio de cada

uma dessas praias poluídas.

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Poderia esse recorde histórico – todas

as praias insalubres – nota dez de emporcalhamento, ser capitalizado também como uma das mil maravilhas

apregoadas pela publicidade oficial?

Aparentemente, não, dada a rapidez

com que as autoridades vieram a público tirar o corpo fora. “-Foi a chuva”. E assim culparam com religioso

zelo São Pedro pelo feito que viralizou

notícia trazendo grande notoriedade

a Ilhabela. Faz sentido? Faria se tudo

quanto é praia que toma chuva ficasse

igualmente maculada. Como isso não

acontece, a culpa não é da chuva, mas

sim da merda que ela lavou no caminho até o mar. E como essa merda,

evidentemente, não caiu do céu, não

foi cagada por santo nenhum, ela é

mesmo merda terrena, merda insular.

Poderia essa merda ilhabelense entrar

no conjunto das mil maravilhas? Essa é

uma pergunta oportuna para a agência

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de publicidade que cuida de tão bem

promover “Ilhabela vida natural”. Com

a engenhosidade desses publicitários

até merda vira maravilha como maravilhas eles se esforçaram por fazer ser

a excruciante fila da balsa, o trânsito

caótico, a falta d’água, os apagões, a

roubalheira do comércio, a devastação da natureza, a feiura urbana e por

aí vai que a lista é longa e há sempre

novo item para alongá-la ainda mais.

Quem anda a pé pela cidade não se refugiando no ar condicionado de Range Rover ou similares, bem sabe que

pela ilha o serviço de zeladoria é falho.

As calçadas são pistas de obstáculos

e aquelas da orla ainda agregam o poder de escolhermos entre sermos atropelados por ciclistas ensandecidos de

um lado ou por motoristas bêbados

de outro. As praças são indigentes;

bancos quebrados, calçamento estragado, brinquedos e equipamentos de

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ginástica sem manutenção que preste,

paisagismo medíocre, inexistente. Há

erva daninha crescendo por tudo quanto é canto. Há lixo poluindo qualquer

paisagem: garrafas de plástico, copos

descartáveis, invólucros de marmita,

camisinhas, sacos de supermercado,

bitucas de cigarro, cocô de cachorro,

catarro, etc.

Pichações vão se sobrepondo umas

sobre as outras criando camadas à espera de arqueólogos do futuro. Boa

parte do que é inaugurado logo já

mostra sinal de deterioração e vandalismo. A ponte estaiada na Barra Velha

vai mudar o nome para ponte cai num

cai tamanha é a degradação do piso

de madeira e a imundície da estrutura

metálica. Façam suas apostas para antecipar o dia em que os pedestres e ciclistas vão começar a despencar pelos

buracos que não se aguentam mais de

tanto reparo mal feito. Calçamento é

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trocado para que o antigo em bom estado seja no lixão descartado. Asfalto

é derramado à larga impermeabilizando o solo. E mal acaba de ser despejado e vira logo colcha de retalho de

tanto remendo em cima de remendo.

Gasta-se à toa em obras inúteis, estapafúrdias que prontamente viram motivo de piada nas redes sociais como as

recentes do “monumento Cristão”, R$

31.023,59 e a do “Marco da Paz”, R$

76.410,17. Gasta-se os tubos provendo infraestrutura para eventos e shows

e pagamento de cachês milionários de

músicos de tudo quanto é gênero musical. Imóveis particulares são desapropriados na casa dos milhões para

serem incorporados ao patrimônio municipal sem proporcionar qualquer ganho para a população, como foi o caso

da Fazenda Engenho D’Água comprada por mais de vinte milhões e mantida fechada. A folha do funcionalismo

não para de crescer e se royalties não

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existissem, a receita do município inteiramente comprometida ficaria com

o salário dos servidores, nada sobrando para os outros encargos, o que seguramente levaria as finanças municipais à falência e Ilhabela ao colapso.

Quem vive nesse cenário dia após dia

vai se acostumando e não estranha o

fato das praias ficarem todas sujas.

Afinal, com tanta coisa estabanada

acontecendo por que haveria a maravilha maior (essa sim maravilha), a

natureza insular, de passar incólume?

Pensa que é desse jeito mesmo.

Porém, quem viaja e conhece cidades muito bem cuidadas apesar de

não terem a enormidade de dinheiro

que Ilhabela tem, descobre que, certo não pode ser. Elas são belas e estão limpas, com inclusive, as finanças

em dia. Suas praças nos convidam a

flanar. Suas calçadas são gostosas de

andar. Nas paredes não há pichação.

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A cultura local é reverenciada, festejada. Faz bastante tempo que a rede

de água e esgoto atende todo mundo.

Há tranquilidade, civilidade, probidade; percebe-se a preocupação em fazer bem feito em cada pequeno detalhe. Existe efetivo orgulho em ser

da terra e dela cuidar. Ali, ninguém

teria o mau-caratismo de vandalizar

o que quer que fosse como pela ilha

corriqueiramente acontece, exemplo

último, o das bicicletas amarelas destruídas. E pode por lá chover a cântaros que ainda assim os munícipes

não seriam bosteados como foram os

moradores e turistas em Ilhabela.

Tem quem retruque que rua limpa,

praça aprazível, árvore sombreando a

calçada onde se anda sem tropeçar,

respeito à cultura são tudo frescura, coisa menor. Que o que importa é

hospital escola emprego turismo ano

inteiro obra muita obra novinha.

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Mas o fato é que o diabo mora nos detalhes. Se não se consegue manter limpa

e bonita a rua, será que se vai manter

em bom funcionamento o hospital e

a escola? Se a comunicação institucional se presta a maquiar o real, onde se

encontrará informação crível? No jornalismo chapa-branca financiado por

anúncio “Ilhabela vida natural” seguramente não. Se o sonho maior da vereança é ocupar secretaria municipal,

numa dança de cadeiras interminável,

quem exercerá o papel de fiscalizar? Se

os moradores só cuidam da porta para

dentro das suas casas, quem olhará

pelo espaço público? Se os negócios

da cidade só enxergam o próprio umbigo, como sobreviver ao impacto do

turismo predatório? Pequenas coisas

bem feitas estimulam fazer também

as grandes bem feitas, contagiando o

trabalho numa escala crescente que

afugenta o desrespeito, o descaso, a

imperícia. O bem feito salta aos olhos

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por sua materialidade benéfica e se incorpora à realidade com solidez; ele

não precisa de publicidade para ser

visto e valorizado.

Não erraria a agência de propaganda

criadora daquelas aludidas e memoráveis peças em alcunhar Ilhabela como a

“Ilha da fantasia”. Só fantasiando para

ver o que não existe.

Merda demais. É isso o que verdadeiramente existe nessas dezenove praias

de Ilhabela. E não é natural e muito

menos maravilha.

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aqui a gente está pra ensinar,

a gente está pra educar as

pessoas

https://novaimprensa.com/2024/02/

aqui-a-gente-esta-pra-ensinar-a-gente-

-esta-pra-educar-as-pessoas.html

3 de fevereiro de 2024

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Frase de Julieta Ines Hernández Martinez vestindo a personagem Miss Jujuba em entrevista no YouTube, datada de 11 de maio de 2020. Nela se

percebe o seu talento e a sua técnica

apurada na arte da palhaçaria, ao assistirmos sua fala em meio a uma encenação tragicômica rica de expressividade.

Julieta era venezuelana e veio ao Brasil, logo ao Rio de janeiro, para estudar o Teatro do Oprimido. Por isso

disse o que disse: era seu desejo que

se fez profissão de fé, exercitar a arte

não apenas para entreter, mas também, desalienar.

O Teatro do Oprimido é escola que

surgiu capitaneada por Augusto Boal

durante os anos de chumbo da ditadura militar. Tinha inspiração na

didática Freiriana que deslumbrou o

mundo.

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Julieta veio em 2015, dois anos depois

das jornadas de junho de 2013 quando multidões sem rumo tomavam as

ruas e estradas do Brasil num protesto

grandiloquente, porém de corpo disforme pois sem pé e muito menos, cabeça, querendo reclamar de tudo e de

nada. Essa insatisfação esquizofrênica

foi força motriz da extrema direita brasileira para que, zurrando estridente e

alucinadamente, desencadeasse acontecimentos perversos culminando no 8

de janeiro de 2023.

Feito filho pródigo que ao lar torna, Julieta voltava para seu lar venezuelado

e pelo caminho encenava seu espetáculo minimalista “Viagem de bicicleta

de uma palhaça só, sozinha?”.

Feito frade franciscano, Julieta, tão pobre, estava praticamente o tempo inteiro, com os que são pobres. Fazendo

rir gente dum Brasil marginalizado que

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a casa grande se esforça em ocultar.

Julieta fazia arte não em escala planetária como hoje fazem e por tanto

querer assisti-la até morrem seus fãs

maltratados em shows milionários e

pirotécnicos, celebridades que se imaginam artistas enriquecendo nababescamente enquanto escravizadas pela

indústria do entretenimento frívolo.

De vez em quando, se apresentava em

teatro. E o suporte do palco com sua

iluminação celestial a fascinava. Entretanto, seu dia a dia não tinha as luzes da ribalta e Julieta então se movia

pelas bordas porque sua escolha foi

a de levar arte para quem jamais entrou num teatro. Sua amiga Guadalape Merki nos conta que ela era muitas

vezes, excluída de editais de cultura.

Aqui, cabe abrir um parêntisis.

Seria excluída do único edital de fomento que teve Ilhabela. Lançado em

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2022, impresso era um catatau de 38

páginas. Documento Frankenstein;

uma colagem disparatada de trechos

de diferentes certames. Por essa razão, exigia contrapartidas somente

possíveis com orçamentos mais generosos e não com os valores limitados em tantas áreas diversas.

Além disso, o jurado sem qualificação acadêmica relevante e com pouca e inexpressiva vivência em avaliar

processos seletivos, justiça medíocre

fez aos inscritos que se sujeitaram a

cobranças draconianas da secretaria

municipal de cultura.

A despeito disso, fantástico é imaginar uma Ilhabela onde se privilegiasse fazer arte democraticamente,

dando protagonismo a sua classe artística.

Poderia ser real, não sonho. Mas se

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a política empoderada tem sido a de

menosprezar a cultura e a educação,

como tornar esse sonho realidade?

O orçamento de Ilhabela é bilionário; para 2024 a estimativa é de R$

1.125.000.000,00. Dinheiro, faz

tempo, não falta. Ilhabela entrou no

folclore da imprensa por patrocinar

escola de samba da capital paulista, concurso de miss e por contratar

músicos e bandas de alto quilate. Saíam da ilha remunerados à altura da

fama. Os artistas viventes da terra

no entanto, ficavam e continuam ficando mesmo a ver navios. Em 2023,

não houve edital de fomento mesmo

havendo a sua cobrança pela classe

artística da cidade e, recentemente,

a delegação de Ilhabela enfrentou dificuldades para participar da Conferência Estadual de Cultura, cujo tema

central era, justamente, “Democracia

e direito à cultura”. Rafael Antonio Balaqui a gente está pra ensinar, a gente está pra educar as pessoas

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do, Procurador do Ministério Público

de Contas do Estado de São Paulo, em

parecer assinado em 27 de junho de

2023 nos conta que:

Conforme reiteradamente apontado

por esta e. Corte de Contas nos relatórios e pareces dos últimos anos

da Prefeitura Municipal de Ilhabela, é absolutamente desproporcional

que um município de pouco mais de

36 mil habitantes e com uma arrecadação superior a R$ 770 milhões,

o que representa um PIB per capita

de R$ 21.309, sequer seja capaz de

aperfeiçoar sua gestão operacional.

Como bem ilustrado pela Fiscalização, no setor de educação, área de

extrema importância para o desenvolvimento local, em 2021 o gasto

anual por aluno matriculado, na média das cidades paulistas, foi de R$

12.281,72, ao passo que o gasto em

Ilhabela foi de R$ 22.122,27 (isto é,

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80% acima da média). Apesar disso,

observa-se que a nota do i-Educ não

apresentou evolução, refletindo falhas graves como falta de vagas em

creches, ausência de AVCB em escolas da rede de ensino, necessidade de reparos e reformas em quase

todas as escolas, contratação precária de professores, entre muitas

outras impropriedades.

Parêntisis fechado.

Numa sociedade onde boa parte dos

seus integrantes abraçou o ódio sepultando a bondade, artista é visto

como crápula, ladrão do estado, vagabundo.

Artista de rua vive situação pior; é

considerado primordialmente um vadio, um inútil, um pedinte, um estorvo, especialmente por esses brasileiros e brasileiras da estirpe dos que

berravam na porta de quartéis a eles

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solidários pelo Brasil de norte a sul,

leste a oeste, até em tiro de guerra e

escritório da marinha e lá em São Sebastião ainda deles temos cheiro e indigesta lembrança.

Pouco importa que esses artistas atuem

sob sol forte ou chuva gélida e na neurastenia dos sinais fechados. Motoristas levantam o vidro e desviam o olhar

porque julgam preconceituosamente

não estar diante de artistas, mas de

craqueiros que poderiam assaltá-los.

Há desmiolados demais fazendo esforço desumano para interditar a arte de

rua. Um deles foi Flávio Bolsonaro, vitorioso na proibição da apresentação

de artistas no metrô do Rio de Janeiro; outro, em São Paulo, foi João Doria

que escolheu cobrir de cinza o alegre

colorido dos grafites da avenida 23 de

maio.

Por falta duma lei federal que normatize

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o trabalho dos artistas de rua, proliferam pelo país, leis estaduais e municipais que agridem essa arte e seus

artistas. Ilhabela poderia há muito

tempo ter uma lei que valorizasse e

protegesse os seus artistas de rua da

ação intimidatória de policiais e fiscais

truculentos.

Existem na ilha artistas e produtores

culturais se batendo por melhor espaço para a arte de rua. Mas quem nos

gabinetes refrigerados do Palácio Sauna de Cristal Matagado ou nos da Casa

da Princesa e da Fera aluminizada os

ouve?

Julieta ia além de fazer arte na rua. Era

artista plástica, – fazia bonecas miniaturizando pessoas com uma perfeição incrível -; era música, se aprentava

cantando e tocando um instrumento

característico da Venezuela, o cuatro;

era poetisa e por ter se formado como

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veterinária, às vezes socorria animais

machucados ou necessitando de acompanhamento. Com tantas habilidades e

tendo acumulado notável experiência

de vida em suas andanças, poderia se

pavonear. Longe disso, era uma pessoa

acessível, duma humildade raramente

vista e um vídeo feito por um curioso

em Manaus ao encontrá-la e abordá-la,

revela sua paciência e franqueza em responder suas perguntas.

Ela se deslocava de bicicleta. Uma opção

de transporte que colide com a estupidez e a ganância de fabricar automóveis

e mais automóveis atropeladores de pedestres e ciclistas, desperdiçando recursos que não se renovam para entupir as

cidades deles e feito placas ateroscleróticas, adoecê-las.

Julieta retornava ao seu lar na Venezuela feito filho pródigo? Na verdade, não,

posto que sua vida dantes foi monástica, abnegada, exemplar, benemérita.

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É uma lástima, é de uma crueldade de

Brasil Pátria Desalmada Brasil que essa

existência tida como tão pequena na visão cínica dos que se locupletam na miséria e no infortúnio da maioria da população brasileira, tenha tido esse final

trágico que nem vale a pena aqui relatar.

É um absurdo que apenas na morte

Julieta evidencie a sua verdadeira e gigantesca estatura humana e artística e

finalmente possa resplandecer como

um exemplo pujante e presente de que

sim, nós não devemos ter medo e que

precisamos com urgência impreterível

nos aventurar e fazer rir para que esse

riso nos ensine e nos eduque além e

acima de toda a adversidade.

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Fotos da Bicicletada por Jujuba, em Ilhabela, SP, no dia

12 de fevereiro de 2024.

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aqui a gente está pra ensinar, a gente está pra educar as pessoas

https://www.marciopan.com/julieta-ilhabela

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6 de setembro de 2021

Na hora agora desse pesadelo que parece não ter fim, se especula se vai

haver ou não golpe. Mas essa é uma

questão extemporânea porque golpe,

já houve e faz tempo. Os poderes institucionais que poderiam o ter evitado,

o legislativo e o judiciário e a própria

imprensa como quarto poder, foram

negligentes e consentiram que fosse

perpetrado.

O resultado que alguns arautos do apocalipse anteviram se materializou na

preocupa não o grit0

dos maus, mas o silêncio dos bons

preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons

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destruição do meio ambiente, da saúde, da educação, da cultura, da ciência,

da economia, dos direitos humanos,

dos diretos trabalhistas, dos direitos

dos indígenas, do respeito às diferenças, da diplomacia, da segurança pública; todas essas destruições agravadas

e potencializadas por destruição muito maior e odienta: a de vidas, quase

seiscentas mil ceifadas pelo coronavírus com a anuência de uma política de

saúde pública negacionista.

A destituição da impopular Dilma Rousseff da presidência sem justificado

embasamento jurídico e político abriu

caminho largo para a tomada do poder pela ultra direita revanchista e reacionária que logrou em tempo recorde

esfrangalhar as conquistas políticas,

sociais, econômicas, ambientais e diplomáticas após a ditadura militar do

país o entronizando não como Brasil

pátria amada Brasil do slogan açucarado e bajulador desse tempo sórdido

preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons

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da nova política que, literalmente, poderá nos deixar nas trevas, – sem luz

por causa do apagão da energia, mas

sim como o Brasil pária odiado Brasil

no mundo inteiro.

breviário de decomposição/ pintura/ Márcio

Pannunzio/ 2021

preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons

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Bolsonaro, visto humoristicamente

como o tiozão do pavê ou o machão

sincero, jamais deveria ter tido a sua

periculosidade subestimada. Ela hoje

assegura que a sua obra de arrasamento do país é um completo sucesso; a

sua promessa de destruir, criando, não

bem-estar, mas terra arruinada pelo sal

grosso da perversidade tal qual o que

fartamente esparramaram os algozes

da Inconfidência Mineira na casa de

Tiradentes depois de a queimarem, se

concretizou muito antes do final do

seu mandato. E ele agora segue integralmente devotado a sua campanha

de reeleição fazendo “motociatas”: deploráveis desfiles de brutamontes homúnculos em motocicletas querendo

posarem de cruzados em defesa da

liberdade de agredirem e destruírem

a liberdade que bravateiam defender,

acelerando sua estupidez e atrocidade pelas avenidas das periferias mais

obscuras e enfermiças do Brasil.

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Há muito foi enterrada e olvidada a

bandeira da “Marielle presente”. Ela

foi sufocada pela bandeira sanguinária do “Ustra vive”.

desastres da guerra/ gravura/ calcografia em

cobre/ buril e ponta seca/ Márcio Pannunzio/

É preciso, todavia, reconhecer, que

todo esse retrocesso de construção

sadia de país não foi trabalho solitário desse “messias” adulado pelos setores retrógrados e ignóbeis do empresariado, da imprensa, da igreja, da

política; pois esses mais de cinquenta

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e sete milhões de eleitores que encastelaram esse personagem rufião que a

imprensa séria desmascarou como ladrão de salário de assessor e nota de

gasolina e terrorista na cadeira presidencial, encastelaram no poder também, toda uma extensa e abjeta casta

de políticos a comandarem as câmaras municipais, as estaduais e a federal, o senado e governos municipais

e estaduais pelo Brasil todo. E então

eles juntos somam forças para passar

a morfética boiada do atraso civilizatório que causará enorme prejuízo a

tantos em nome da fortuna desavergonhada de uns tão poucos reiterando nossa infame história de desigualdade, ignorância, racismo, violência,

injustiça e desumanidade.

preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons

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Na hora agora em que tanta gente se

inquieta e se amedronta com a infernal berraria dos fanáticos bolsonaristas que pretendem sequestrar as ruas

no sete de setembro, ela deveria, na

verdade e a bem dela, preocupar-se

com a maioria que silencia.

O que me preocupa não é o grito dos

maus, mas o silêncio dos bons. Frase

antológica atribuída a Martin Luther

King.

https://novaimprensa.

com/2021/09/preocupa-nao-o-grito-dos-maus-mas-o-silencio-dos-

-bons.html

preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons

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pandemônio/ mosaico de fotografias/ Márcio

Pannunzio/ 2021

preocupa não o grito dos maus, mas o silêncio dos bons

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carnaval antecipado em

São Sebastião

https://novaimprensa.com/2022/11/

carnaval-antecipado-em-sao-sebastiao.

html

13 de novembro de 2022

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carnaval antecipado em São Sebastião

“…como vivandeiras alvoroçadas, vêm

aos bivaques bulir com os granadeiros

e causar extravagâncias ao poder militar.” Marechal Humberto de Alencar

Castello Branco.

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A língua portuguesa é bela, pelo fato

de ter entre outros tantos predicados,

o de ser preciosista. A palavra estória é

tida como arcaica, mas sobrevive marcando diferença em relação a sua irmã

história. Contam que estória com e é

invenção, é sonho, é irreal; existe no

mundo da fantasia. História com h não

se inventa, se vive na pele acordada, é

real; existe no mundo físico. A coluna

vai se ilustrar pelas duas, a começar,

pela:

estória

Cansada, exasperada de tanto esperar

que a prefeitura são sebastianense, enfim obedecendo demanda judicial contestada sem êxito, lhes melhorasse, minimamente, a sua precária existência,

a população de rua da cidade decide,

depois de acalorado debate, protestar.

Mas protestar como? Reivindicar na

frente da prefeitura ou da câmara municipal não resolveria já que ambas vêm

carnaval antecipado em São Sebastião

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governando de costas para ela faz tempo e dentro do seu limitado entendimento, assistência social significa na

fala do senhor defensor público, “na

maioria das vezes, a entregar bilhetes

de ônibus para que as pessoas, em situação de rua, se desloquem para outros municípios”.

Reclamar pro bispo também não adiantaria, haja vista que apesar de bispo ter

e muito, porque a maior parte deles

está mais interessada em arrecadar dinheiro pra sua igreja do que em ajudar

os que tão pouco têm.

Então, essa gente tão repudiada, não

enxergada por decretada invisível, se

lembrou de que aqueles que se diziam

patriotas da nação haviam, várias vezes, ao invés de invocarem a ação desses políticos surdos ou desses clérigos

fariseus chegados em barra de ouro,

invocarem a força das armas da república, apesar delas serem fumarentas,

barulhentas e obsoletas como bem

carnaval antecipado em São Sebastião

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provaram os tanques que desfilaram

em frente ao palácio do crepúsculo,

perdão, alvorada.

Entretanto, São Sebastião não tem

quartel. Tem porém um local cheio de

fardados feito médicos, todos luminosamente de branco, os soldados da

marinha.

E lá se foi o povaréu de rua, civilizadamente, como povaréu cidadão defronte da entrada da Delegacia da Capitania

dos Portos. Para não passar por maior

desconforto do que o vivido cotidianamente, entenderam de bom tom levarem seus simplórios pertences.

Num instante a calçada e a rua inteira

em frente se atulhou de papelão, colchões velhos, cobertores, carrinhos de

supermercado transbordando de tanta

tranqueira e duma gente sem banho e

muita dela de pele escura e essa gente toda ainda acompanhada por muita

cachorrada. Não cachorrada dos aporofóbicos que os querem bem longe,

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vale esclarecer, mas cachorrada mesmo: cachorros e cadelas sem eira nem

beira, sem lar que os queira.

Pois nessa altura a estória se complica

e pra simplificá-la, convém pensar em

dois diferentes desfechos.

1. A marujada compreensiva se compadece da dor dessa gente que não sai

no jornal, mas que interditou a entrada

da sua repartição e a própria rua, logo

ela, a principal da cidade, a majestosa

rua da praia. A PM se solidariza com

esses brasileiros e brasileiras sem teto

e pão e banho também e estaciona viaturas com farto efetivo para os defenderem dalgum eventual desaforado de

mau coração permitindo assim, que a

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sua manifestação de inconformidade,

manifestação essa, totalmente democrática, prospere, demore o tempo

que demorar.

2. Bom, esse outro desfecho é com fumaça, tiro, gritaria, xingamento, pancadaria, cadeia e olha lá, uns bilhetinhos de passagem pra outras praças

bem distantes dessa são sebastianense e se bobear, bilhetinho pro lado de

lá, aquele do qual ninguém até agora voltou. A imaginação desalmada de

quem lê, completa o quadro com paleta sombria e mão pesada no pincel.

história

Desde a proclamação do resultado

do segundo turno das eleições, um

grupo que parece mais ala de escola

de samba por estar todo fantasiado

de verde amarelo, interditou a rua da

praia e dificultou o acesso à Delegacia da Capitania dos Portos. Viaturas

carnaval antecipado em São Sebastião

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da PM que poderiam estar percorrendo

a cidade em patrulhamento, ficaram lá

estacionadas. Populares que não professavam a mesma fé da turba correram

o risco de serem hostilizados. Lá dentro tinha barraca dessas expostas com

destaque em loja chique de camping,

tinha tenda pra se alimentar, tinha cadeira e espreguiçadeira com fartura e

tinha até caminhão zero bala parecendo carro alegórico de tanta bandeira e

pano colorido o cobrindo. Podia bem

estar de serviço fazendo entrega, mas

ficou lá parado com alguém pagando

por isso.

À noite, havia iluminação tão potente

que muito pouca sombra vivia. Faixas

pediam intervenção federal, faixas imploravam apoio do exército; bandeiras

brasileiras tremulavam histéricas e no

meio da confusão de carnes bem lavadas e alvas, tinha umas de gente que já

viveu na infância a ditadura do estado

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novo e na juventude a ditadura militar.

E ainda assim, estavam lá, clamando

por ela, a ditadura que por dura sendo

de direita ou de esquerda, perseguiu,

prendeu, torturou, assassinou, exilou,

afrontou, achincalhou, emporcalhou,

aviltou e haja adjetivo depreciativo pra

tanta infâmia feita.

Há jornalistas, há políticos e, principalmente, juristas, que dão nomes sem

rodeios a esse tipo de ajuntamento:

manifestação antidemocrática, manifestação golpista, manifestação criminosa. Sim, por incitar crime contra a

democracia.

Dizem que os moradores de rua se

drogam; pois de que droga se drogam

esses que não são sem teto e que se

tornam sem, voluntariamente, abrindo

mão da segurança das suas casas confortáveis, pra passarem dias e noites

ao relento violando o direito de ir e vir

dos demais na rua cartão postal de São

Sebastião? Iriam continuar ali fazendo

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barricada, serviçais, esperando uma

nova intervenção triunfal do general

Benjamin Arrola? Ficariam até a chegada dionísiaca do carnaval, quando finalmente, seus napoleões de hospício

e suas vivandeiras alvoroçadas bulidoras de granadeiros se levantariam trôpegas das espreguiçadeiras de praia

e desfilariam cambaleantes berrando

coléricas a musiquinha sejam patriotas?

Pois então o Ministério Público do Estado de São Paulo determinou a imediata

desobstrução da rua da praia depois

de mais de uma semana de bloqueio

baderneiro.

Aqui a história termina.

Termina?

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novamente,

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carnaval antecipado em

São Sebastião

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com/2024/02/novamente-carnaval-

-antecipado-em-sao-sebastiao.html

10 de fevereiro de 2024

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A foto em foco carnaval antecipado

em São Sebastião finalizava com uma

palavra em negrito que perguntava:

termina?

A larga faixa estendida no gradil deixava claro que ela seria interditada do

dia 9 ao 13 de fevereiro, sempre depois das 18h. Entretanto, no dia 7 ela

ficou intransitável o dia inteiro. Isso

porque foi invadida por gente colorida de verde amarelo assim como fizeram as que acamparam em frente

à Delegacia da Capitania dos Portos

nos meses finais de 2022. Embandeirados se perfilaram ao pé de seu

messias em imagens que viralizaram

com gosto na claque bolsonarista;

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Damares se ufanando de que isso sim

era manifestação de apreço popular em

tudo diferente dum trechinho recortado com lupa duma outra, de Lula em

Belford Roxo. O Brasil inteiro, quiçá o

mundo também, sabem agora que em

São Sebastião Litoral Norte do estado

de São Paulo, Jair Messias Bolsonaro é

rei.

Pois do alto do palanque trio elétrico

pago não se sabe por quem, na avenida que em breve seria verdadeiramente carnavalesca, ele pançudo posou de

rei momo sempre batendo na tecla do

vitimismo e na repetição dum versículo só, o 8:32 do Evangelho de João

que diz “e conhecereis a verdade e a

verdade vos libertárá”.No dia seguinte, a hora da verdade ao pé da letra e

pra ficar mais bonito, classudo, erudito, em latim assim tempus veritatis,

chegou. “Eu sei o que vocês fizeram

o verão passado”, corrigindo, inverno

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passado, bem podia ser o nome do

vídeo gravado pelo Mauro Cid que escancarou pra nação & mundo a face da

ignomínia bolsonarista sem retoque e

essa face nada tem de carnavalesca;

ela é, primordialmente, criminosa.

Vídeos do acabou porra!, e os da reunião ministerial do dia 22 de abril de

2020 viraram biribinhas ao lado desse,

de reunião ministerial em 5 de julho

2022 e agora sabemos que conhecendo a verdade, ela nos libertará muito embora possa encarcerar bastante

gente graúda a começar por aquele

que tanto tanto a repetia esganiçando

uma fala furiosa.

Escolher estar em São Sebastião reunindo sua tropa ruim pra sambar “liberdade, liberdade, abre as asas sobre

nós!”, mas bem capacitada pra numa

coreografia Thriller reverenciar numa

toada desafinada aos berros duma

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nota só justamente o seu inverso, o

autoritarismo, não foi fruto do acaso.

Havia o depoimento desmarcado, o

caso da baleia jubarte toureada, mas

esse é pretexto menor.

Escolheu estar na cidade porque sabia

que ela o teria eleito como igualmente o faria Ilhabela. Ponto em comum,

os prefeitos fizeram campanha para a

sua vitória. Estaria pois, no meio do

seu rebanho.

No palanque, puxa-sacos agitavam histéricos baleias de inflar fazendo troça

duma atitude que a Lei nº 7.643, de

18 de dezembro de 1987 pune com

pena de dois a cinco anos de reclusão,

além do pagamento de multa.

Funcionando como atracadouro de navio de gado vivo, inclusive navio sucateado, o porto da cidade se notabiliza por ser dos poucos que permitem

essa prática vergonhosa, recriminada

no mundo inteiro. Se a população, à

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exceção duns teimosos que levantam

bandeira contrária, não se importa

diante da crueldade imposta aos animais confinados em espaços minúsculos durante uma travessia oceânica

interminável ao fim da qual, se chegarem vivos, serão esfaqueados ainda conscientes pra sangrar até morrer

seguindo preceito religioso, por que

se aborrecer com baleia acossada por

jet ski?

Quando deputado, Bolsonaro deu carteirada em fiscal que o autuou e multou por pescar em área de preservação.

Em campanha, prometeu que, eleito,

acabaria com o Ministério do Meio Ambiente. Eleito, despediu o fiscal que o

multou. Não conseguiu cumprir a promessa de extinguir o ministério, mas

o desidratou a ponto de torná-lo inexpressivo.

No discurso à multidão que não era

avantajada porque todos os vídeos

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que a mostram fogem ligeiros das suas

bordas, Bolsonaro disse que poderia

“estar já cuidando da minha vida, estar fora do Brasil”. No dia seguinte, o

dia da limpeza da lixaiada deixada de

lembrança lambança por essa “gente

da direita que trabalha”, - palavras do

ex-presidente -, ele ficou sabendo que

não poderia sair do Brasil.

Esse povo inflamado que sequestrou a

avenida da praia não teve coragem de

sambar ao som “daqui não saio, daqui

ninguém me tira” e retirou-se. Além do

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refrão de adoração ao bezerro de ouro,

MITO MITO MITO MITO MITO MITO

MITO MITO MITO MITO MITO MITO,

bradaram e muito, enraivecidos, “Lula

ladrão, o seu lugar é na prisão”.

Essa aglomeração estridente, nada

carnavalesca, adepta do duplipensar

de 1984, ao juntar sem atrito conceitos antípodas como os de democracia e o de autoritarismo, liberdade e

ditadura, haverá de ignorar, tripudiar

do pensamento humanista, libertador

de George Orwell, sintetizado na frase “em tempos de engano universal,

falar a verdade torna-se um ato revolucionário”.

Diante da ofensiva do poder judiciário, pouco caso farão do versículo de

João. A verdade pouco lhe importa;

vale mesmo a narrativa duma exdrúxula teroria da conspiração.

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Essa postagem incógnita circula veloz

e venenosa nas redes sociais.

Isso pensam os fanáticos que engrossam manifestações. Para eles, a verdade é o seu inverso; a verdade é o seu

oposto; a verdade é, visceralmente, o

seu contrário: a mentira.

O cabeçalho revela a ignorância de

quem o redigiu; a sua pouca ou quase

nenhuma familiaridade com a gramática a ponto de colocar sobre o “que”

um inexistente acento cincunflexo.

Se essa gente criminosamente golpeia

a frágil democracia brasileira, porque

não haveria de também estuprar a língua portuguesa?

Encarar como santo quem tripudiou

dos que morreram de covid, imitando,

teatralmente, a falta de ar que sentiram

antes de serem entubados ou quando,

sem nenhuma assitência médica, em

enorme agonia sufocaram até morrer?

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Pesquisas sérias comprovaram: morreram muito mais bolsonaristas do que

os que não abraçaram essa ideologia

maligna e tóxica.

Santo? Jamais.

Mártir? Como enxergar nessa condição um genocida que praticou sedição golpista? Alguém que difundindo

a mentira, ocasionou a morte? Alguém

que traiu a própria pátria?

Solto seria presidente? Inelegível já

por oito anos, somente no futuro poderia concorrer e esse futuro poderá

se dilatar e muito quando for fechado

o inventário interminável dos seus crimes.

Eleito presidente como? Se usando de

incontáveis atos espúrios, se gastou a

rodo, se comprou e enlameou tantos,

se empregou todos os artifícios desonestos, imorais ao seu alcance e ainda

assim foi derrotado?

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Todavia, esse acontecimento que celebrou a força do bolsonarismo logo

aqui, no seio do Litoral Norte, poderá colaborar para a prisão preventiva

de Jair que não se conformou em já

ir embora. Afinal, insuflar movimentos contra governo democraticamente, legitimamente eleito e contra o poder judiciário com potencial de abalar

a ordem pública e tumultuar investigações policiais em curso poderia ser

enquadrado como requisito da sua decretação.

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Do lado de lá do canal, novamente, de

novo novamente, notícia antiga ainda

fresca volta à tona: prefeito e vereadora trocam insultos. O estopim foi projeto de aumento salarial da elite do poder insular que segue bem vitaminada

e robusta encabeçando a folha de pagamento. Morreu no nascedouro. Entretanto, a desfaçatez de querer mais

e mais pra quem tem tanto frente aos

que quase nada têm, incendiou uns

poucos ânimos na câmara municipal.

Ao assistir o vídeo oficial da sessão,

no entanto, não se verá nem se ouvirá a berraria: “o senhor é um bandido, corrupto, mentiroso, traidor...”.

Pra ver a xingação, é preciso abrir o

vídeo tornado público pela vereadora.

A diferença é que desta vez, a briga,

apesar de filmada como a anterior,

não caiu no colo e no gosto da grande

mídia até porque havia baixaria muito

maior, de envergadura nacional sendo

descoberta.

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o 8 de janeiro

https://novaimprensa.

com/2024/01/foto-em-foco-o-8-de-

-janeiro.html

17 de janeiro de 2024

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Final de tarde na rua da praia em São

Sebastião. O mormaço dum dia de desarranjo climático é o tormento que

vive quem não tem acesso a ar climatizado e põe a cara pra incendiar ao ar

livre. O calor pegajoso adere à pele e

esgana o corpo numa agonia claustofóbica. A tarde caía sim, feito viaduto.

Mas o bebâdo não trajava luto e muito

menos lembrava Carlitos.

Espalhado numa cadeira dum desses

bares que invadia a calçada exalando fritura e bafo etílico, o sujeito, embriagado, mordido pela curiosidade,

interpelou os caminhantes que chegavam poucos e devagar; alguns com

pandeiros, outros com bandeiras, uns

com tambores dependurados no peito

ensaiando um repique tímido.

-Quem são? Aonde vão?

Diante da resposta de que iriam se

agrupar em frente à Casa da Cultura

pra relembrarem o trágico 8 de janeiro

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de 2023, perguntou se eram petistas.

Não esperou resposta. Entre dentes,

com desprezo e raiva falou para que

todos a sua volta ouvissem: bando de

vagabundos!

O pior dos governos depois da ditadura militar haveria de destruir a cidadania e as instituições da república

demais e muito além. A lista de estrago é enorme e não há espaço para

aqui elencá-la. Melhor a reviver pela

pena da memória vivída do jornalista

vencedor do Prêmio Esso, Weiller Diniz no artigo “Acabou, Porra”. Dividido em tópicos, o nome curto de cada

um deles, juntando todos, compõe um

poema concretista:

a morte/ a mentira/ maus militares/

a mamata/ a miséria/ o nazismo/ o

golpismo/ o segredo

Essa sequência de curtas frases ritma

um quadro de pavor, cuja pincelada

final aconteceu nesse 8 de janeiro que

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entra pra história a desonrando.

Nos últimos anos, especialmente depois de 2018, brasileiros e brasileiras escolheram ser apátridas porque,

como na tenebrosa época da ditadura

militar, suas vidas corriam risco.

Voltaram, quase todos, assim como

Betinho, o irmão do Henfil da célebre

canção. Virou ele capa de revista, livro, filme e série da Globo.

Betinho não imaginaria que ruas das

cidades brasileiras se tomariam por

gente esfomeada e sem teto. Um padre solitário quer dar de comer aos

que tem fome e os asseclas de Bolsonaro querem ciminalizá-lo com cólera

facínora.

Como pôde essa gente demente fazer

pouco caso da dor imensa de incontávéis Marias e Clarices? Como pôde

essa gente endemoniada querer o retorno das trevas, a repetição dos anos

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de chumbo?

De tanto cortejarem desvairadamente, impunemente o abismo, o abriram

aos pés do Brasil todo.

Octavio Paz, em ‘O Labirinto da Solidão’, diz que quando (Cristóvão) Colombo chegou, (os indígenas) não viram as caravelas… Elas estavam ali

fundeadas, mas não havia cognição

para poder representar cerebralmente uma imagem que era absolutamente incompatível com o quadro mental de uma cultura que não

tinha elementos para visualizar…

Por isso que os gregos diziam que

‘teoria’ significa ‘aquele que vê’, o

‘teores’, é ‘aquele que vê’… A gente

só vê o que tem cognição pra ver…

Fala brilhante do professor doutor

de Direito da Universidade de Brasília, José Geraldo de Souza Júnior, na

CPI do MST.

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Espanta perceber que não apenas a

ignorância do passado inflinge um

pernicioso déficit cognitivo, a ponto

de não se ver “caravelas”, – e convém

as substituir no assunto objeto deste

artigo pelas palavras “ditadura militar”

-, mas mesmo quem as vê e tem a compreensão da sua enorme malignidade,

após sofrer um processo de lavagem

cerebral consentido pela sua desumanidade, já não se assusta e por isso,

perdido é o nojo que deviam despertar.

Betinho morreu. Fosse vivo, que dissabor teria desse Brasil que sonha não

com a sua volta, mas a volta do terror

que o exilou.

Morreu também Aldir Blanc, o letrista

inspirado do bebâdo e a equilibrista.

Morreu de Covid; morreu por causa da negligência dum governo negacionista no cuidado da pandemia.

Negligente também com a cultura a

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ponto de seu presidente vetar a lei

Aldir Blanc. Lei essa que beneficiaria

a cultura esfrangalhada desses anos

de ultraje a ela e à ciência, após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso.

Sem anistia para golpistas, punição

para todos os militares e empresários envolvidos na intentona golpista, prisão de Bolsonaro, Forças Armadas submetidas ao poder civil, Marco

Temporal, solidariedade ao Padre Júlio Lancellotti e Palestina livre.

Era essa a pauta do 8 de janeiro – Ato

em Defesa da Democracia organizado

pela Frente Progressista do Litoral Norte. A sua sobrevivência é a melhor garantia de que a esperança equilibrista

não caia da corda bamba.

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sessenta anos

1 de abril de 2024

https://novaimprensa.

com/2024/04/foto-em-foco-sessenta-anos.html

Tentar tocar o país pra frente é sem

dúvida, uma necessidade inescapável

depois dele ser demolido pelo desgoverno ultra direitista que se esgoelou

para jogá-lo no mesmo abismo da finada última ditadura.

Surreal que essa frase, inserida numa

oração maior expressando a vontade

de não lembrar dos 60 anos do golpe

civil e militar de 1964, traga logo ela,

em seu bojo, essas três palavras em

sequência: “país pra frente”.

Os mais velhos entre aqueles que

não marcharam em nome da família por deus e a liberdade e sofreram

demais pela privação dessa última,

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hão de ouvir tocar no fundo da memória aquela musiquinha baba ovo

ufanista onipresente celebrando o

curto espirro do “milagre brasileiro”, quando o bolo do Delfim cresceu

para ser prontamente devorado pelos tubarões da pirâmide social que

se tornou estupidamente desigual.

“Este é um país que vai pra frente

Oh, oh, oh, oh, oh, oh

De uma gente amiga e tão contente,

Oh, oh, oh, oh, oh, oh”

Gente amiga e tão contente em calar

a força a boca de gente descontente a

censurando amordaçando prendendo

torturando assassinando ocultando

seus cadáveres seviciados.

Gente amiga e tão contente que destituiu um governo democraticamente

eleito que pretendia implementar a reforma agrária e reformas econômicas

com capacidade de melhorarem a vida

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da população, cuja maioria as reivindicava e aprovava.

Gente amiga e tão contente que eliminou lideranças políticas com concreto

poder de verdadeiramente tocarem o

país pra frente o tornando mais inclusivo, justo, realmente cordial.

“Pensar o passado para compreender

o presente e idealizar o futuro.”

Essa máxima não foi tirada dalguma

escritura tida por sagrada, mas da fala

dum grego das calendas, Heródoto,

alcunhado como pai da história.

Essa coluna insignificante no universo

pequenino duma imprensa que honre o adjetivo de livre, não irá, depois

dessa voz das catacumbas que muito fez para tocar pra frente não apenas o Brasil que em seu tempo sequer

existia, mas todo o mundo que depois

viemos a conhecer, não irá, é preciso

sessenta anos

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reforçar, se desdobrar em argumentar

aumentando aumentando aumentando esse texto como aumentou a avidez da sedição golpista dalguns militares ainda há pouco, para convencer

seu minúsculo grupo de leitores, da

abominação que foram esses 21 anos

de ditadura militar.

Tem por aí, havendo paciência de procurar, bastante artigo de muito maior

monta, vários filmes e documentários,

felizmente, material de sobra, pra assombrar os puros e os pobres de espírito. Lamentavelmente, para os que se

contaminaram irremediavelmente no

esgoto bolsonarista, para esses, nada

há que os esclareça.

Mas convém olhar para o umbigo e

percebermos lampejos desse tempo

medonho no nosso modesto presente.

Cá na ilha a educação municipal que a

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despeito de tamanha grana nela investida, continua desde sempre no rodapé dos critérios de avaliação, recebeu

de Rafael Antonio Baldo, procurador

do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo em parecer datado

de 25 de junho de 2023, a seguinte

recomendação:

“Atente para o desempenho da rede

municipal de ensino no IDEB (Índice

de Desenvolvimento da Educação Básica), buscando não apenas a aplicação dos mínimos constitucionais e

legais de verbas na educação, mas

o efetivo resultado qualitativo deste

investimento na melhoria do ensino

a cargo da Prefeitura.”

Pois a ação supimpa da hora foi a inauguração duma segunda escola cívico-

-militar na cidade.

Cívico e militar são substantivos que

não se coadunam. O pessoal hoje idoso

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vai se recordar das escolas da ditadura. Havia nelas manifestações enquadradas como de civilidade: um montão

de alunos crianças perfilados todos

como se fossem um batalhão militar,

todos mudos depois de berrarem o

hino à bandeira e o hino nacional, de

olhos siderados num palco de solenes

autoridades onde tremulavam as bandeiras da cidade, do estado e do país

numa repetida cerimônia de cultuar a

pátria mãe nada gentil toda semana.

Suprema glória nesses dias insanos

era o de poder segurar o mastro que

ostentava o “lábaro estrelado” nesse

palco montado para idolatrar a nação

então capitaneada por engalonados

defensores da liberdade que operosos

roubavam corrompiam censuravam

emudeciam torturavam matavam.

Crianças tolas se empertigavam e se endureciam em postura militar feito soldados da rainha no esforço gigantesco

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de segurar aqueles mastros pesados e

compridos sem tremer.

Pois esse parece ser o sonhado padrão

de educação dessas cidades que não

conhecem a máxima de Heródoto.

Não é, cientistas da educação nos esclarecem, o de transformar estudantes

em cidadãos, mas o de pelo emprego

do autoritarismo, desqualificá-los para

a vida democrática ao privá-los da capacidade de pensarem por si mesmos,

ao lhe inibirem a humanidade de respeitar as diferenças e ao lhe infundirem o medo de exercer o direito de

questionar o poder da ocasião.

Ilhabela ganhou recentemente o prêmio “Munícipio Destaque na Alfabetização”. Pena que esse prêmio tenha

sido conferido por uma secretaria estadual da educação pródiga em posar

de má figura.

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“Erros não são pontuais” disse a Associação Paulista de Livros Didáticos de

São Paulo em polêmica recente a envolvendo.

Na cerimônia de premiação, involuntariamente, cometendo não um ato

falho e sim um erro de gramática elementar que não soaria bem na sua posição, a secretária da educação da ilha

disse que “esse reconhecimento vem

de encontro ao árduo trabalho que fazemos”.

O governo bolsonarista do estado de

São Paulo tem se empenhado em ir de

encontro a qualquer boa política na

área da cultura, da educação, da economia e, principalmente, da segurança pública.

56 mortes. Essa é a macabra contagem atual da operação verão no litoral do estado. Será sua meta bater o

recorde dos 111 mortos do massacre

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do Carandiru?

Trinta anos se passaram desse massacre. Sessenta da ditadura. 1964, o ano

que não terminou normalizou a tortura e o extermínio dos que são tidos

por bandidos; geralmente, pessoas da

periferia, das favelas, das ocupações,

todas miseráveis; muitos mulatos e

pretos.

“O negócio melhorou muito. Agora,

melhorou, aqui entre nós, foi quando

nós começamos a matar. Começamos

a matar”. Fala de Dante Coutinho, ministro do exército de Ernesto Geisel.

A polícia que Tarcísio adula parece

seguir essa estratégia e alega sempre

ter agido em defesa própria quando

mata, embora nesses confrontos, só

haja mortos do lado dos ditos bandidos, raramente do lado dos policiais.

E não adianta ir de encontro a essa

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matança recriminada mundialmente porque Tarcísio avisou: “o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça,

no raio que o parta, que eu não estou

nem aí”.

Patriotas da ditadura não estiveram

nem aí em trair a pátria e a tornaram

vassala dos Estados Unidos. Em Davos, Bolsonaro reviveu submisso essa

postura vergonhosa, adulatória, puxa-

-saco e praticamente ofereceu de bandeja a Amazônia ao ex-vice-presidente

norte-americano Al Gore.

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Ilhabela será acolhedora com os caiçaras da Serraria?

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Notícia da vez em Ilhabela nos conta

sobre o projeto de ceder para um grupo hoteleiro de Potugal um terreno de

quase um milhão de metros quadrados, adquirido com dinheiro público,

na praia da Serraria, ocupada por tradicional comunidade caiçara.

A situação é absurda antes mesmo da

pretensa cessão para construção dum

resort, – escrito assim em inglês pra

ficar bonito -, uma vez que a terra foi

comprada na intenção de criar uma

“área de compensação de reserva ambiental”. Isso num local que disso não

carecia por ter sua paisagem natural

intocada, preservada.

Nas palavras da publicidade institucional, seria esse um resort “ecológico”.

Tão ecológico quanto esses navios de

cruzeiro shopping centers monstrengos fundeados no canal o são queimando combustível extremamente

poluidor e esgotando toneladas de

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imundícies no oceano.

A implantação desse trambolho logo

no meio da comunidade decretaria o

seu fim. A caiçarada viraria mão de

obra barata pra ricaiada portuga explorar; entraria discriminada, de cabeça abaixada pela porta de serviço.

E como projeto de tamanha envergadura demandará muito peão & peoa,

pode acontecer de nos cafundós surgir invasão, com as moradias simplórias do povo trabalhador se amontoando. E como rico atrai também rico,

pode acontecer doutros por lá surgirem querendo ostentar peidando grosso perto do luxuoso predião lusitano

suas mansões criando uma aglomeração de palacetes deixados às moscas

na maior parde do ano. Resultará assim que de Serraria a praia passará a

se chamar da Porcaria.

É oportuno para esta data tão magnânima, esse inesquecível primeiro de

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abril, desligarmos aquela musiquinha

chata cheia de “oh, oh, oh, oh, oh, oh”

dos Incríveis, ela mesma incrível na

sua hipocrisia e cantarmos e dançarmos ao compasso do Fado Tropical do

Chico:

Oh, musa do meu fado

Oh, minha mãe gentil

Te deixo consternado

No primeiro abril

Mas não sê tão ingrata!

Não esquece quem te amou

E em tua densa mata

Se perdeu e se encontrou

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu

ideal

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!

...

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Ilhabela verde amarelou

https://novaimprensa.

com/2022/12/ilhabela-verde-

-amarelou.html

19 de dezembro de 2022

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Num incerto dia Ilhabela amanheceu

verde amarelada. Por toda extensão

da avenida principesca com suas margens horrorizadas por galpões industriais caça aluguel, prédios caixotes

stalinistas e demais quizumbas comerciais de lastimosa lavra, banners verde amarelos enforcavam os postes. Lá

na entrada da vila, agigantados, atravessaram pelo alto o pedacinho tão

modesto do calçamento de paralelepípedos que ainda sobrevive feito lembrança granítica dum plácido passado

imemorial.

Essas lonas coloridas berrando babavam ufanismo futebolístico rebentando os ouvidos dos viventes que os

Ilhabela verde amarelou

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enxergaram feito soco n’olho criando alucinação visual: a ilha joga junto

FORÇA BRASIL.

Pois então a ilha virou gente; mas fraca não só das ideias mas também das

pernas, nadinha nada nada colaborou

pro sucesso do Brasil pátria amada

chuteirista.

O sonho ilhabelense de vencer a copa

virou um montaréu de banners no lixo

já que, lamentavelmente, não poderão

ser devolvidos pra outro lugar menos

insalubre feito os R$ 7.723.735,78

destinados à cultura insular não utilizados em 2021.

Expoente maior da cultura local, o artista plástico Carlos Pacheco que ama

demais esse lugar ilhado com cujos

dejetos constrói sua obra singular,

abrindo os braços em direção a sua

volta, embevecido diz: – olha só esse

quintal!

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Seu gesto largo abraça a língua de

mar do canal e se perde no contorno

das montanhas do parque estadual. Lá

bem longe longe, além do horizonte

que essa serra esconde, a terra beija o

alto mar.

Numa área desse lugar foi criado no apagar das luzes da gestão Gracinha, a reserva extrativista Baía de Castelhanos,

comemorado pela comunidade caiçara e

pela pena atilada do jornalista João Lara

Mesquita do Mar Sem Fim como freio à

especulação imobiliária que aquém de

transformar o que toca em ouro, transforma é em merda de muito maior fedor

do que essa que empesteia o ar insular

por falta de saneamento básico.

O decreto de criação da reserva durou

menos de dois anos.

Lei criada pelo poder executivo municipal, a de número 1.546, determinando

a revogação da lei 8.351, criadora da

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RESEX, foi endereçada à Câmara Municipal de Ilhabela no dia 16 de agosto

de 2022, para ser aprovada a toque de

caixa e sancionada no dia seguinte.

Se a Ilhabela quando muito é um ente

mambembe mas nem um pouco é qualquer gente, até por ser desprovida de

mente, nada fez contra essa ação demente, feita às pressas sem mínima

clareza, houve quem fez e dessa vez,

quem fez foi gente.

A revolta que tomou conta da caiçarada subiu rápido atingindo ponto de

fervura no dia 30 de agosto. Caiçaras

dos confins da ilha se ajuntaram na

frente do Fórum para saírem em caminhada até a sede da prefeitura. A

multidão então se postou na sua entrada para, aos gritos coléricos, cobrar

postura do prefeito que propôs a lei e

dos vereadores que a aprovaram instantaneamente.

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Se eles ouviram e se inquietaram, ninguém sabe, ninguém viu. Mas o Ministério Público que não é surdo nem

cego e muito menos mudo, publicou

no dia 10 de novembro sentença que

suspendeu os efeitos da lei que pretendeu desmantelar a festejada RESEX.

O quintal, ou melhor, essa sua pequena fração doutro lado da ilha, respira

agora aliviada, mas não respiram assim nem os postes nem os coqueiros

da avenida infanta. Livres daqueles

banners baba-ovo laxantes de intestino preso, os estrangulam desta vez

cordames elétricos dum mundaréu de

luzes amarelo frouxo. À noite acesas,

a visão é a de uma sucessão interminável e indigesta de piras incendiando

o escuro e torrando, num fogaréu dos

infernos, o verão derretedor de asfalto que ora deita e muito mesmo rebola e rola nessas obras de pavimentar de novo novamente mais uma vez

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dessa sim afinal bem-feita em ruas de

bom leito na Água Branca. Essa coisa

de alumiar pau e poste faz parte dum

projeto maior, o do “Natal Luz Ilhabela”.

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Nas palavras meio chorosas, meio um

tanto ardidas da vereadora Diana Almeida, ele vai custar oitenta mil reais

por dia pra população de Ilhabela, dela

pois fazendo uma legião de papais-

-noéis perdulários. Fazendo uso da tribuna da câmara no dia 6 de dezembro,

Almeida finalizou seu discurso mais incendiário que esse monturo de lampadazinha, não sem antes disparar uma

pesada fuzilaria contra o prefeito mais

doída que essa aí enforcadora de poste e coqueiro, se dizendo “indignada

com essa vergonha que tá o Natal Luz

Ilhabela”.

Na Ilhabela, a mais rica das cidades do

Brasil, não falta dinheiro pra banners

verde amarelo oba oba pra frente brasil pátria amada varonil que são mortos num aterro sanitário enquanto os

antigos outros com face humana criados pelos çábios da publicidade institucional sobrevivem nos contando

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todo dentes sorridentes que Ilhabela é

gente de bem, descolada e desfrutável

ano todo tempo inteiro.

Regiamente remunerada pelos royalties

do petróleo, a despeito da inveja das demais cidades brasileiras que precisam

pular miúdo, parece que essa receita

quase bilionária é pouca para os gestores da ocasião. Então surge a proposta de aumentá-la cobrando trinta reais

pelo primeiro dia e mais cinco por cada

um dos outros que o turista desavisado

passear pelo arquipélago. Isso tudo em

nome de taxa de preservação ambiental pra ser usada em prol da muito nobre promoção da sustentabilidade, da

segurança, da legalização imobiliária e

da contenção das invasões. Seriam essas últimas as bárbaras, as do turismo

de um dia?

O que vende essa proposta que de pronto estampa projeto de lei detalhado, só

faltando numerar e colher assinatura

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do prefeito, é a criação duma plataforma digital bem azeitada às custas do

hipertrofiado erário municipal. E seu

prospecto na internet, como todo prospecto publicitário que se preze, está recheado de fotinhos bonitinhas dessas

que fazem brilhar olho publicitário e

babar boca de influencer, tem também

uma frase citação pra exalar embolorada sabedoria de almanaque.

“A maneira de começar é parar de falar e começar a fazer.”

Walt Disney. Ele mesmo, o criador da

Disneylândia.

Faz pouco tempo, era Ilhabela capital

da vela sonhando virar o jeca dubaiano

novo rico balneário Camboriú, que ora

frequenta as manchetes dos jornais por

seus banhistas brega jacus deslumbrados estarem tomando banho de mar

de bosta. Hoje, pretendem, pelo visto,

é transformar Ilhabela numa disneylândia tropical insular.

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De saída esse parque temático ilhabelense teria várias atrações, a começar

pelo da caça ao lixo, sempre tão farto

e presente na praias, nas cachoeiras,

nas ruas, nas calçadas, nas praças, no

meio do jardim dos horrores de estátuas alugadas com dinheiro público. O

pula pula buraco, cratera, depressão,

costela de vaca aqueceria a turistada

disneyilhabelista para a próxima palhaçada. A da corrida de obstáculo com

participantes carregando geladeira de

isopor, quer dizer, cooler, tentando desesperadamente atravessar a muralha

de comércios praianos donos do pedaço

AQUI MANDO EU VOCÊ PAGA OU CAIA

FORA RAPIDINHO interditando acesso

à praia botequeira. Prova essa bastante

difícil a ponto de nem o Kenner Neiva,

com toda a sua espantosa vitalidade,

ter conseguido completar.

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Pena que na ilha não aconteceu manifestação turística carnavalesca como

em São Sebastião em frente à Delegacia

da Capitania dos Portos. Por lá quem

circula, a pé, de bicicleta ou moto ou

carro ou ônibus, atravessa um corredor polonês de embandeirados tremulando histéricos o lábaro estrelado vociferando, desafinados, o hino pátrio.

Se o imprudente fizer com a mão o L

do Lula lá, leva tabefe; se fizer arminha, é ovacionado, a mulherada o beija e a homarada o abraça.

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Por aqui não vingou. Podia ter um ajuntamento desses em frente ao posto da

PM na entrada da ilha ou na nova escola

cívico militar que, sem dúvida, haverá

de elevar a nota baixa altura rodapé da

educação municipal insular na avaliação

do i-educ, o índice municipal de educação presente nas planilhas dos relatórios de Tribunal de Contas. E lembrando

que Ilhabela é conhecida como local de

avistamento de disco voador, seria aqui

bem facilitada a comunicação com os

ETs que enfrentou dificuldade noutros

lugares onde manifestantes, inconformados com a derrota do seu messias

mito, clamaram em vão auxílio ao espaço sideral porque suplicar por intervenção militar ditatorial federal o escambau

não tava adiantando porcaria nenhuma.

Entretanto, se por um lado na ilha não

teve manifestação antidemocrática golpista, por outro aqui vazou na internet

a relação dos petralhas comunistas comedores de criancinha esquerdistas

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maconheiros artistas fotógrafos vagabundos moradores eleitores do presidente ex-presidiário e não do ex-presidente presidiário muito em breve

justiça seja enfim feita. Vazou porque

assim os defensores locais da ditadura, saudosos da censura e da tortura,

poderão desprestigiar seus comércios

subversivos na meritória intenção de

levá-los à falência.

Esse acontecimento foi informal, mas

que beleza se a indústria do turismo

insular e os poderes constituídos ilhabelenses abraçarem essa lista e a melhorarem: Ilhabela com selo de qualidade verde amarelo chancelado pela

extrema direita populista reacionária

bolsonarista que aterrorizou Brasília

no dia da diplomação do Lula. Aí quem

sabe se evita que aqueles desafortunados banners acabem assassinados.

A galera da publicidade oficial, sempre tão econômica no seu falar e tão

operosa no seu fazer, há de encontrar

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jeito maneiro de aproveitá-los.

Ilhabelenses antigos gostavam de acreditar que Ilhabela não é Brasil; Brasil tá

do lado de lá.

No lado de lá, no continente, venceu

apertada a escolha da erradicação da

barbárie, da reconstrução da civilidade, da preservação e do fortalecimento

da democracia. O trabalho será enorme e extenuante porque, como pontuou Celso Rocha Barros, o vencido foi

o pior governo do mundo, cujo legado

maldito é abominável e ficará inscrito, para sempre, vergonhosamente, na

história brasileira. Afortunadamente,

sopram desde já bons ventos e gente

realmente gente e de valor, arregaça

as mangas e muito fala para fazer ainda muito mais.

No lado de cá, na Ilhabela onde venceu

Bolsonaro, fica a amarga sensação de

que está tudo como dantes no quartel

d’Abrantes.

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a ilha te recebe de

braços abertos

10 de fevereiro de 2020

https://novaimprensa.com/2020/02/

foto-em-foco-a-ilha-te-recebe-de-

-bracos-abertos.html

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Um dos inúmeros prospectos turísticos de Ilhabela enaltecendo a cordialidade local, mostra um homem de

costas com os braços levantados em

júbilo, como se pretendesse abraçar a

paisagem idílica aos seus pés, numa

foto com os dizeres: “a Ilha te recebe

de braços abertos”. Rodado em larga

tiragem, o folheto se espalhou pela cidade a ponto de ser encontrado em

grande volume jogado no lixo.

Ao olharmos essa foto logo percebemos que ela não expressa uma situação real porque é uma montagem de

photoshop; o personagem foi sobreposto na foto da paisagem. Personagem porque ele também não é uma

pessoa autêntica que estava naquele

lugar, mas sim um modelo fotográfico presente aos montes nessas fotos

à venda em banco de imagem numa

postura que louva, que se encanta por

algum treco que lhe querem vender. A

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praia de fundo parece ser a de castelhanos, mas diante dessa montagem grosseira a gente pode desconfiar que nem

ela seja, mas outra, pinçada juntamente com o deslumbrado ator no mesmo

comércio de fotografia para publicidade.

A ideia é que a ilha recebe esse sujeito

de braços abertos do jeito que ele escancara vigorosamente os seus, maravilhado pelo que vê, como se desejasse

que mais que braços, fossem eles asas

para que pudesse voar sobre a paisagem de sonho. Ele é moreno, se veste

com simplicidade; não enverga roupa

de grife usualmente ostentada pelos

endinheirados. Ele é anônimo e simplório. Esconde a cabeça sob um chapéu

de palha modesto e carrega nas costas uma enorme mochila; ela, também,

bastante comum, sem qualquer detalhe que possa evidenciar uma origem

de luxo. Muito ao contrário, é acessório

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de trabalhador, de operário.

O que vai dentro dessa mochila tão volumosa? Repelente, com certeza quase

absoluta, se a praia sobre a qual sua

imagem foi plantada for mesmo castelhanos. Mas podemos imaginar muita

coisa mais: água, cachaça, cerveja sem

gelo, marmita de frango com farofa,

calção de banho, aparelho de som portátil, toalha, um papel com o horário

da volta do ônibus fretado que veio do

ABC…

Pois veja só, esse homem moreno, dulcificado na propaganda institucional é

justamente o turista de um dia. Desses

que boa parte do comércio ilhabelense

deplora e quer ver longe de si. Desses

que uma quantidade expressiva moradores preconceituosos odeia proclamando que merdeiam as praias. Desses

que funcionários da Secretaria de Turismo de Ilhabela consideram não trazer benefício algum para o município

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porque praticam “lazer não turismo”.

“Lazer é direto de todo cidadão e turismo é mercado; consome quem pode e

quer” foram as palavras da Secretária

de Turismo de Ilhabela ao jornalista e

fotógrafo Reginaldo Pupo em matéria

publicada na Folha de São Paulo.

Ao afirmar que consome quem pode, a

mensagem é a do impedimento à ilha

para esses brasileiros. Já tão marginalizados numa sociedade com desigualdade social gravíssima que os deixa

sem condições de ascender socialmente, não podem fazer turismo em Ilhabela no entendimento dessa autoridade que fala em nome da administração

municipal.

Mas turismo, – não lazer, é o que eles

fazem de forma sacrificada e desconfortável ao se deslocarem da grande

São Paulo de madrugada para chegarem em São Sebastião cedinho, atravessarem a pé para a ilha e aqui passarem

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o dia, retornando noite alta para suas

casas distantes. E pagam por isso um

preço que pesa no seu orçamento modesto. Não espanta que não comprem

nada no comércio praiano.

Quem em sã consciência paga vinte

reais por uma garrafa de cerveja que

pode ser comprada em qualquer mercadinho por uma diminuta fração disso? Quem paga por uma porção de isca

de merluza ou camarão sete barbas

miúdo frito em óleo de soja requentado e servido em bandeja minúscula de

papel que sequer é pescado no mar

daqui, um valor que compraria um robalo de cinco quilos em feira livre? Será

que esses moradores tão indignados

pagam? Não espanta que mesmo eles

frequentem as praias da ilha carregando sua própria cerveja e lanches.

E quem merdeia as praias da ilha? Não

são esses pobres turistas de periferia ou favela na visão maldosa desses

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ilhabelenses, mas quem reside no município. É a merda cotidiana dos habitantes

que emporcalha as praias e o mar porque nessa cidade bilionária como bem

o disse o Ministro do Meio Ambiente

Ricardo Salles, finalmente falando algo

acertado, não há saneamento básico.

O dinheiro que poderia ter sido gasto

criando uma rede de esgoto extensa

o suficiente para dar ampla cobertura

com eficientes estações de tratamento

foi desperdiçado em construir a peso de

ouro prédios públicos porcaria sendo o

maioral deles o “Palácio Labirinto Sauna de Cristal” que abriga precisamente

a Prefeitura Municipal, em incontáveis

desapropriações de imóveis milionárias,

em obras onerosas por todos os lados

e tão indigentes que logo após inauguradas já demandam conserto urgente,

na terceirização de serviços públicos

regiamente remunerada, em shows rapidamente esquecíveis de famosos e

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famosas da ocasião com cachê invariavelmente proporcional a sua mediocridade, em concurso caríssimo de Miss

Brasil, em eventos e mais eventos a

custar os olhos da cara para “atrair turista” e que atraem é muita mosca às

tontas, em contratos e mais contratos

firmados sob a benção da inexigibilidade de licitação, no aluguel de centenas de milhares de reais de estátua

em área pública, em Centro de Convenções e Teatro Municipal apodrecendo

como monumento maior de má gestão e desperdício de dinheiro publico,

em ônibus aquáticos que nunca navegaram, em aumentar demasiadamente o número de servidores públicos a

ponto da folha de pagamento comprometer parte expressiva da receita fora

dos royalties do petróleo, em criar e

imprimir milhares de folders turísticos

que falecem no lixo buscando chamar

a atenção logo do turista que não querem…

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Quem tiver paciência e estômago forte, que leia o relatório do Tribunal de

Contas sobre as finanças de 2017 e de

2018 de Ilhabela. Os anos anteriores e

o ano posterior não fizeram muito diferente; as mesmas práticas espúrias

se consolidaram gestão após gestão,

seguindo sempre esse deplorável roteiro abraçado com ardor religioso por

políticos do município de tudo quanto

é partido e pelos barnabés a seu serviço.

Esse turista de um dia desprezado

por ilhabelenses que a eles se referem

como farofeiros, porcalhões, pobraiada, trambiqueiros, bregas, cafonas e

adjetivos depreciativos ladeira abaixo

é o mesmo turista que autoridades insulares dizem não ter a desejada “capacidade de carga” para o turismo na

ilha. À primeira vista, parece pois que

essa “capacidade” diz respeito a poder

econômico, classe social, nível cultural,

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projeção midiática.

Os mandatários da cidade e os técnicos

turísticos por eles contratados acreditam

que ajuda a aumentá-la, financiar com o

dinheiro farto dos royalties a transformação de espaço público em showroom

de estátuas para o gosto de devotos de

conflitantes seitas fora os ateus, concurso de miss transmitido pela TV, exposição endeusando “a beleza na escultura

de Michelangelo”, apresentações musicais de matizes muito variados ( mpb,

jazz, goospel, clássica, etc ), competições esportivas que cobram inscrição

dos participantes, boat show, semana

de vela, acontecimentos gastronômicos

chiques, participação em feiras internacionais de turismo, montar tenda e mais

tenda de evento pelo município inteiro…

Autoridades diversas posam para a lente

de fotógrafos sociais celebrando a vinda da “Ilha de Caras” pelo segundo ano

consecutivo para Ilhabela felizes com o

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trânsito de celebridades no arquipélago colaborando para potencializar essa

“capacidade de carga” do turismo local

ao ressaltar que a ilha é vip, é top, é

luxo, é tudo.

Essa expressão aglutina dois substantivos que mensuram coisas diferentes

relacionadas a peso, eletricidade. E a

pecuária. Traz a recordação das baias,

piquetes, cercados, corredores por

onde o gado se desloca disciplinado

em direção à ordenha ou à matança.

Na temporada de cruzeiros, estruturas

parecidas são montadas na vila para

evitar que seja caótico o desembarque

dos passageiros. E oferecem um espetáculo bizarro: centenas de pessoas se

acotovelando num calor tórrido sob

tendas de lona, aprisionados em cercados de alumínio numa constrangedora situação que pouco fica a dever

ao desembarque dos prisioneiros para

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adentrar nos campos de concentração

nazistas.

Essa vem a ser umas das primeiras das

mil maravilhas apregoadas pela propaganda oficial: a experiência de ser tratado como gado, como bicho gordo e

grande com a serventia de fazer leite,

couro ou ser comido ou então ser tratado feito condenado ao inferno.

Após passarem por esse suplício, eles

se derramam aos milhares pela Vila

e lotam as praias próximas. Algumas

das fotos da coluna os retratam e são

a imagem de um acontecimento sem

montagem.

É uma multidão se digladiando por um

espaço na areia e um espaço num mar

repleto de embarcações de recreio despejando n’água, elas igualmente como

os residentes, merda e urina com o

acréscimo do óleo diesel e da gasolina.

Talvez uma outra das mil maravilhas

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venha a ser esse cheiro nauseante

de merda, gasolina e óleo que juntamente com o suor de tantos corpos

empesteia o ar sem brisa que o espante.

Apesar dessa gente fazer turismo de

um dia, autoridade municipal alguma

levanta a voz contra a sua presença.

Na verdade, são incensados, idolatrados como se fossem a salvação

da lavoura. Justificaria essa atitude

brilharem na imprensa ilhéu chapa

branca artigos amplamente difundidos nas redes sociais berrando que

a temporada de cruzeiros vai injetar milhões, passando da centena na

economia da cidade. Que cada um

desses turistas de um dia vai gastar

mais de quinhentos reais na ilha.

Mas não dá para engolir essa história. E se há quem a engula, concluímos que além da perda da educação, da compostura, do respeito ao

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próximo, perdida foi a sanidade.

Esses turistas de cruzeiro não diferem tanto desses que chegam em

ônibus decrépito de periferia; muitos

deles até carregam mochila igualzinha ao da foto montada da propaganda.

A verdade sem montagem é que boa

parte dos passageiros desses cruzeiros é de pessoas com baixo poder

aquisitivo. Compram suas viagens

aproveitando preços promocionais

para pagar em parcelas a perder de

vista e assim muito economizam:

deslocamento, hotel e restaurante.

Os comerciantes ilhabelenses não

vão hospedá-las nem vão alimentá-

-las já que há farta alimentação a

bordo. Podem, contudo, vender garrafinhas d’água, latinhas de cerveja,

lembrancinhas baratas de Ilhabela e

passeios de jipe.

Pois então, disso se deduz que a tão

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proclamada “capacidade de carga” a

tal se resume: comprar lembrancinha,

latinha de cerveja, garrafinha d’água

e passeio de jipe.

Poderíamos rir disso. Mas esse riso

será amarelo porque nesse momento

de enorme retrocesso civilizatório, é

triste, é decepcionante, é revoltante

perceber que tanto no nível nacional

quanto no local, caímos num buraco

sem fundo.

Quem professa fé iluminista diz que

as praias são todas públicas e que,

portanto, os turistas que chegam de

ônibus têm todo o direito de usá-las.

Que existe lei normatizando esse fato,

a 7.661/1988.

Só que a realidade sem montagem é

outra.

A maioria das praias de Ilhabela virou prolongamento dos comércios

que delas se apossaram com o pleno

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consentimento do poder público. Os

restaurantes, os bares, as pousadas e

hotéis as tornaram seus quintais privilegiados e aqui, a palavra privilégio se

encaixa como luva.

O exemplo mais bem acabado é o da

praia do curral. Quem a visita sabe que

se sujeita a uma corrida de obstáculos entre a tranqueira montada pelos

comerciantes do lugar, que ajeitam o

espaço que a todos pertence, turistas

pobres incluídos, como mais que seu

quintal, fosse ele a sua sala de estar. E

ai do incauto que ali se sentar ou deitar sem nada consumir; um segurança

particular imediatamente aparecerá e

com a truculência habitual o mandará

embora.

Além disso, cada uma dessas “salas”

roda sua própria trilha sonora e disso

resulta, que quem pela praia caminha

precisa ter ouvidos surdos para não endoidar por causa da gritaria alucinada

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que reverbera o dia inteiro. Uma torre de babel tropical, onde se mistura funk, bossa nova, pagode, samba,

sertanejo universitário e por aí vai que

a lista nunca acaba como aquela anterior de mal feitos das administrações

municipais passadas e da presente.

Fotos até a década de oitenta da praia

do curral a exibem em sua plenitude.

Livre dessa bagulhada toda que dela

se apoderou e a poluiu; ela era maravilhosa, não resta qualquer dúvida.

Hoje ela se tornou a aberração que a

propaganda das cervejarias martela o

verão inteiro na TV como modelo de

felicidade terrena, no desejo de tornar

o país uma nação alcoolizada e imbecil, cheia de homens bêbados cretinos

sarados e sorridentes mulheres bêbadas gostosas no padrão peitão bundão idiota.

Talvez um dia, no futuro, se futuro

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houver antes que uma catástrofe climática aniquile a humanidade inteira,

as pessoas olhem para a Ilhabela de

agora com horror sem conseguir entender como tanta gente posava de vip

se embriagando, se ensurdecendo, se

entupindo de comida indigesta, se torrando no sol do meio dia, desavergonhadamente urinando no mar, aglomerada em suas praias transformadas em

gigantescos botecos a céu aberto onde

as pessoas pobres não eram bem-vindas. Nessa hora, vão fazer bonito as fotos que sobreviverem da Ilhabela atual,

a Ilhabela vida natural que naturalizava a discriminação dos que a visitavam

conforme a sua situação financeira, a

ilha das mil maravilhas que se achava

o paraíso dos ricos e festivamente sediava a “Ilha de Caras”.

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congada em foco

11 de junho de 2023

https://novaimprensa.com/2023/06/

congada-em-foco.html

Sob a luz morna e áurea de maio, aconteceu a Congada de Ilhabela na festa

de São Benedito. Na sexta-feira, dia

19, congueiros e populares se revezaram carregando pelas ruas da vila o

mastro de São Benedito.

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congada em foco

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No dia seguinte houve o baile dos Congos pela manhã e à tarde. Por seu encanto cenográfico, atraiu como de costume,

grande atenção. Numa cidade onde o

pensamento da administração municipal

dedilha sem pausa a ladainha monocórdia do turismo como suprassumo da atividade laboral insular, não falta desejo e

vontade de transformar essa centenária

manifestação da cultura popular caiçara

numa encenação picaresca, dessas de

fazer a delícia de parques gigantescos

caça-níquel deslumbrados pela jequice norte-americana, a exemplo do Beto

Carrero World. Sim, mundo em inglês, já

expressando no próprio nome sua egolatria tão desmesurada a ponto de ter-se

prestado a tomar partido e, desavergonhadamente, entrar em campanha, essa

mesma que tragicamente redundou na

destruição dos palácios do poder num 8

de janeiro que se inscreveu como data

fúnebre, data do aviltamento da democracia brasileira.

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Todavia, essa intenção de transfigurar

uma celebração de raiz religiosa, devocional num teatro de rua de feição

burlesca não encontra, felizmente, respaldo naqueles que pelejam para que

ela marque sua presença ano após ano,

passando de pai para filho numa sucessão de vidas com poder de nos contar

muito do passado duma Ilhabela que o

tempo e a urgência moderna de viver

atabalhoadamente vão implacavelmente desfigurando.

Importante perceber que a Congada

se inscreve, se subordina a um evento

maior que é justamente o de festejar

um santo amado e reverenciado pelos

moradores dum vilarejo antigo, pobre

demais, distante demais das benesses,

dos confortos da vida metropolitana e

dos abundantes e generosos royalties

do petróleo do presente.

Um santo singular e essa sua singularidade foi destacada numa foto em foco:

congada em foco

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“São Benedito é um santo negro, pobre e sua ocupação era a de cozinheiro. Por ser negro, pobre e trabalhador duma profissão vista pela

maioria das pessoas como inferior,

pois afinal, o santo não foi chef de

restaurant ( em francês ) incensado pela Michelin, vive entre a brasileirada sempre excluída da água

fresca e sombra sorvidas com tédio

pela fidalguia nacional. Mais do que

viver nesse inóspito meio, é o santo

que a representa e lhe confere algum, ainda que muito pálido, pertencimento social.”

Márcia Merlo, escritora e antropóloga, no artigo “Congada de Ilhabela: o

santo, o homem, a festa, o negro e o

lugar” nos diz que

“Em outras palavras, ao realizarem

a congada e reverenciarem o Benedito, recriam-se identidades, restaura-se um outro tempo, retorna-se a

congada em foco

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um outro lugar, demonstra-se a inserção de parte da população negra

em uma Ilhabela que se quer branca. O negro sobreviveu, e à imagem

de Benedito relaciona-se a de um

homem negro caridoso, perseguido, milagroso, aceito pelos brancos,

que resistiu aos maus-tratos e, mesmo morto, tornou-se eternizado; ou

seja, também se pode pensar essa

história como de uma resistência

calada, penosa, duradoura, representada pela própria escravidão.”

A poderosa mensagem que a congada

nos passa é a da valorização da solidariedade. Nesse sentido, seu ponto

alto não é a dança, o embate entre os

congueiros, mas sim, a ucharia. Nessa

ocasião os diferentes se encontram e

compartilham do alimento preparado

pelos devotos de São Benedito. Em mesas que formam linhas contínuas no

salão paroquial, mesas singelamente

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embelezadas por flores nos lembrando

do milagre da transformação da cesta

de víveres furtados da casa grande em

cesta de flores, sentam-se lado a lado

pessoas dos extratos sociais mais diversos numa convivência respeitosa,

compartilhando com fartura alimento

que faltou em demasia aos escravizados.

Essa lição humanitária, fosse ela seguida à risca, nos tornaria seres humanos melhores. Sem dúvida capazes

de criar uma sociedade inclusiva, livre

de preconceitos que estigmatizam e

martirizam tantas pessoas.

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banners institucionais espalhados pela

orla vendem uma quimera que se desmancha em contato com a realidade

Essa sociedade de sonho vivendo

numa ilha que se sonha outra que não

essa publicitária onipresente nesses

banners espetados na avenida Princesa Isabel, logo ela que finalmente alforriou os cativos, bem que gostaria

de resgatar e interpretar sua história

hoje e pelos anos futuros num museu

da imagem e do som, num museu da

cultura caiçara, com força de estimular a construção duma cidade socialmente justa e ambientalmente sustentável, tendo motivo concreto para se

orgulhar de si.

Tolice, devaneio; como poderia?

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Se é nela que Bolsonaro escolhe passar à toa o Corpus Christi? À toa não,

na verdade, produzindo vídeos propagandísticos da sua folga na “ilha

da fantasia” que queria tê-lo como o

eleito, sendo pois então efusivamente

saudado por banhistas na praia, ávidos por selfies ao lado do seu mito,

aos gritos de “volta, Bolsonaro”.

Esses vídeos que circulam velozes

pela internet propagandeiam a imagem vexatória duma cidade onde parte expressiva da sua população cultua

a extrema direita reacionária e golpista. Onde, São Benedito fosse vivo, não

seria festejado e sim acorrentado no

Pelourinho que sobrevive monumento

na praça Coronel Julião.

O pesadelo dessa cidade que medra

nessa lengalenga do turismo acima

de tudo e de todos, fantasia nos iludir como se fôssemos nós mesmos

os personagens desses banners duma

vida de faz-de-conta.

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congada em foco

P.S.: A exposição Márcio Pannunzio –

Quatro Décadas ( quatrodecadas.com )

acabou em 15 de abril e passado tão pequeno tempo, é seguro que pouca gente dela se recorde. Gratifica saber que o

ponto alto desse projeto apoiado pelo

Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Programa de Ação Cultural se concretizou:

o catálogo-livro homônimo. Ao pé da

letra, uma publicação de peso escrita e

diagramada por Enock Sacramento. Ele

também, apesar da silueta esbelta, um

profissional de peso e muito no cenário

das artes visuais brasileiras. Enock ora

se nomeia curador, mas é dum tempo

em que o termo era desconhecido. Jurado de centenas de salões de arte pelo

Brasil inteiro, crítico de arte, jornalista e

diretor de redação da seção das cidades

do ABC paulista do Estadão, fez e continua fazendo admirável carreira.

O livro de sua lavra, seu 43º, pereniza

esse trabalho que envolveu muita gente

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de valor e essa instituição museológica

modelo no Litoral Norte que é o Museu

de Arte e Cultura de Caraguatatuba. Esse

livro sobreviverá nos tempos incertos

que nos aguardam porque jamais ficará

obsoleto por problema de hardware ou

de software.

Sua tiragem será doada para bibliotecas,

centros culturais e escolas públicas no

estado de São Paulo.

Uma diminuta fração dela, autografada

pelo autor, será distribuída gratuitamente no seu evento de lançamento, aberto

ao público, na Biblioteca Municipal Pública Afonso Schimdt, na rua Santa Cruz,

396, em Caraguatatuba, no dia 14 de

junho, a partir das 17h.

Enock ressaltou em seu texto, o caráter

visceralmente engajado, profundamente comprometido com a justiça social,

da minha arte e a sua inapetência para

prestar-se a decorar ambientes ostentatórios. O livro, porém, fará bela figura

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adornando estande ou mesa de centro.

Leitores e leitoras da foto em foco serão,

é claro, bem-vindos, bem-vindas; apareçam e ganhem seu exemplar.

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Tumultuosa foi a reunião virtual do conselho municipal de cultura para ouvir a apresentação do prefeito sobre o

projeto de readequação do teatro e centro de convenções de Ilhabela.

Em sua explanação, disse que o projeto primordial era um gol básico e o novo, será um bmw v6 turbo. Esse golzinho é hoje mera sucata enferrujada feito as ruínas dessa obra embargada pelo poder judiciário baseado em denúncia fundamentada em relatório de engenharia encaminhada ao Ministério Público pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Ilhabela. Obra essa que consumiu mais de dois milhões, valor desatualizado, datando de

outubro de 2014, quantia suficiente pra comprar uma frota de dezenas de gols a ponto de causar congestionamento em frente ao prédio falido. As brilhosas placas telhas de alumínio que tentam, inutilmente escondê-lo, exibem a

pichação “vergonha” em letras garrafais como uma escrita indelével, inapagável no próprio corpo da cidade adoecida, gritando de dor e de revolta para os surdos que passeiam na avenida.

a cultura

25 de fevereiro de 2022

envergonhada

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https://novaimprensa.

com/2022/02/a-cultura-envergonhada.html

Tumultuosa foi a reunião virtual do

conselho municipal de cultura para

ouvir a apresentação do prefeito sobre

o projeto de readequação do teatro e

centro de convenções de Ilhabela.

Em sua explanação, disse que o projeto primordial era um gol básico e

o novo, será um bmw v6 turbo. Esse

golzinho é hoje mera sucata enferrujada feito as ruínas dessa obra embargada pelo poder judiciário baseado em denúncia fundamentada em

relatório de engenharia encaminhada

a cultura envergonhada

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ao Ministério Público pela Associação

dos Engenheiros e Arquitetos de Ilhabela. Obra essa que consumiu mais

de dois milhões, valor desatualizado,

datando de outubro de 2014, quantia suficiente pra comprar uma frota

de dezenas de gols a ponto de causar

congestionamento em frente ao prédio falido. As brilhosas placas telhas

de alumínio que tentam, inutilmente

escondê-lo, exibem a pichação “vergonha” em letras garrafais como uma

escrita indelével, inapagável no próprio corpo da cidade adoecida, gritando de dor e de revolta para os surdos

que passeiam na avenida.

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A câmara municipal de Ilhabela na época soube com galhardia cumprir seu

dever funcional; tornou-se antológica

a fala do vereador Sampaio em sessão de 11 de novembro de 2014: “nós

somos vereadores; nós fiscalizamos

o poder executivo, não tem mais ninguém pra fazer isso”. Foi criada uma

Comissão Parlamentar de Inquérito,

cujo trabalho resultou num documento com poder de melhor esclarecer os

execráveis acontecimentos.

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O power point com croquis do bmw,

quer dizer, teatro e centro de convenções exibido com pompa nessa reunião do dia 7 de fevereiro era simplório

e trazia uma perspectiva arquitetônica oblíqua da fachada do teatro e centro de convenções “readequado” que

de imediato lembrou outra, feita pela

Inplenitus, que apresentava como ficaria a entrada da Cocaia depois da obra

de reurbanização. Obra que se arrasta

gastando milhões que nem mais são

contabilizados em sua placa de realização carcomida pelo tempo e pelas

intempéries, com o evidente demérito

cadê o morrinho e mansão que estavam atrás?

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de fazer completamente o contrário

do que recomenda o novo urbanismo

a ponto de poder se prestar a ilustrar

nos seus manuais, como corromper a

saúde duma cidade.

o Morro do Espinho foi terraplanado

O dado comum desses desenhos era

que mostravam um lugar outro, de

fantasia e não o verdadeiro: na Cocaia, o Morro do Espinho fora inteiramente terraplanado, assim como o foi

o morrinho menor, atrás do edifício

bmw, perdão, teatro e centro de convenções, com o agravante de ter sido

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demolida a mansão que estava plantada logo atrás.

No caso da Cocaia, o lugar real “reurbanizado” entra no rol de práticas antigas, lesivas à mobilidade urbana ativa

e desrespeitosas com o Plano Diretor

de Ilhabela, – a de comer calçadas, com

a diferença de que, em vários locais

do bairro, mais do que parcialmente

comidas, elas foram inteiramente eliminadas. O Ministério Público foi alertado, mas marcando diferença em relação ao histórico processo do Teatro

e Centro de Convenções, decidiu pelo

arquivamento da denúncia.

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Retomando.

O projeto do teatro e centro de convenções antigo foi classificado pela

combativa Associação dos Engenheiros e Arquitetos da época, como um

“peru no pires”. O projeto atual de

“readequação” não se distancia dessa

imagem surreal e o que logo se percebeu nessa fachada AutoCad, dum autor desconhecido, com carrões pretos,

talvez bmws, foi o uso dessas madeirinhas oculta encobre esconde empasta

empeteca prédio feioso que viraram

moda pela ilha; exemplos mais à mão,

o caixote caixa forte do tio Patinhas

do Dr. Osvaldo transformado em centro de referência da mulher e a escola

Gabriel da Vila transformada em centro cultural com um rotundo Belisário

metalizado aboletado afundando na

entrada duma recepção tão mal planejada que é até muito maior do que

os indigentes espaços expositivos e

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maior também que o falecido cinema

que, de tão mal feito, se foi sem nunca

se ter visto uma única película. O “readequado” “peru no pires” desta feita,

parece ter se transformado num “peru

no pires amadeirado”.

E como gosto se discute quando se

trata de arquitetura, vale o registro

da impressão inicial, não dum teatro,

mais dum crematório levemente parecido com o da Vila Alpina; isso, não

querendo fazer mau juízo desse projeto de 1974 que é adequado para a

finalidade da construção a que se destinou, a delineando com sobriedade e

descrição.

A entrada com pé direito duplo lembrou

a de hotel de grão fino brega misturado

com balcão estiloso de bartender. Aí,

relembrando o desabafo do secretário

demissionário do meio ambiente, nasce a pergunta se o povo pobre da ilha

se sentiria confortável nesse ambiente

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elitizado e indo além, se ele teria realmente assento na plateia sem sofrer o

bullying corriqueiro que experimenta

sempre que à praia vai e é confundido com os execrados turistas de um

dia pela operosa indústria é tempo de

viver Ilhabela turística. Viajando pelas

plantas baixas e cortes, o que se constata é a inexistência dum espaço expositivo, comum em construções dessa

envergadura, ainda mais a esse custo

estimado próximo ao de duas dezenas

de milhões. Para exemplificar sucintamente, quatro prédios. Primeiro, um

bem aí ao lado, bastando atravessar o

canal: o teatro de São Sebastião. Sua

fachada tem algum encanto enquanto

o encanto maior está na paisagem a

sua frente; tem lugar para se montar

exposição e se não as montam, o problema não é da construção, mas da

municipalidade que o subutiliza. Percorrendo a Hipólito, chegamos a Caraguá, no Mário Covas, prediozão de

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desenho abrutalhado meio parecendo

showroom de automóvel de novo rico

com duas enormes máscaras gregas

de metal dependuradas em postes o

flanqueando, exercitando igual papel

ao do furibundo Moisés ilhabelense fincado no jardim da Câmara, qual seja,

de assustar as criancinhas com medo

de bicho papão e de quebra, afugentar

o povão. Lá existe um grande espaço a

ponto de ter abrigado os salões de arte

da cidade, expondo dezenas de obras.

Olhando para o litoral sul, temos o teatro Brás Cubas em Santos, com uma

generosa área expositiva num prédio

modernoso todo de concreto e vidro.

Subindo a serra chegamos a Jundiaí,

onde existe um belíssimo teatro construído em 1911, o Polytheama que, de

tão bonito na sua mais que centenária

eclética arquitetura, foi tombado pelo

Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Quem o

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olhar à primeira vista pode achar que

ele não tem área para exposição, mas

ela está lá, integrada com o edifício,

na sua lateral e, marcando diferença

em relação a ele, é uma construção

de espírito contemporâneo, concreto

à vista, iluminação zenital: a Galeria

de Arte Fernanda Perracini Milani com

extensa propagação de alta qualidade

o ano inteiro, selecionada por edital.

o teatro do vizinho, como o da ilha, sem vaga de

estacionamento

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o Mário Covas, esse com vaga de estacionamento

o Brás Cubas de Santos, com generosa área para

exposições

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esse é o belo e mais que centenário Polytheama

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e nele interligada, a modernosa Galeria de Arte

Fernanda Perracini Milani

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No teatro e centro de convenções da

ilha, porém, não vai existir lugar para

pendurar quadros ou montar instalações e aqueles que gostariam de os

ver, terão de se contentar em ficar

olhando para o mundo real, quem

sabe para as cercanias do prédio

desgracioso, se divertindo maldosamente dos apuros por que passam

os que chegam de carro procurando

nervosos vagas para estacionar nas

proximidades no meio dum embolado bolo de brilhos metálicos com

negros e cinzentos bmws numa desafinada sinfonia dodecafônica com

ronco de motores e berraria de buzinas.

Expectador isento e atento desse encontro na internet poderia, ao acompanhar essa apresentação, estranhar

que, aparentemente, o pacote fosse

jogado sobre a cara do conselho inteiramente pronto, projeto fechado

sem paternidade reconhecida com

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a única informação de que a técnica construtiva iria se aproveitar das

ruínas milionárias através de reforços estruturais propostos pela firma

Falcão Bauer e pelo engenheiro Júlio

Ferraz, quando, para uma emblemática obra de tamanhos milhões tantos

de custo, recomendaria a prudência,

que fosse aberto um concurso público para a seleção do melhor projeto.

Exemplificando com economia verborrágica e usando exemplo recente

e próximo, o do prédio da Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, logicamente, construção destinada a

formar arquitetos e urbanistas. Para

construí-lo foi lançado concurso nacional que logrou selecionar o mais

bem avaliado dos projetos democraticamente inscritos. Esse belo e

complexo projeto custou aos cofres

públicos, setenta e cinco mil reais.

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a belezura que só podia mesmo ser um prédio de faculdade de arquitetura e urbanismo

vencedor de concurso

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Pelo Brasil inteiro existem engenheiros, arquitetos, escritórios de arquitetura e engenharia com capacidade

de inovar, sair do lugar comum e criar

uma obra que se encaixasse feito joia

no lugar daqueles vergonhosos destroços. Mas, infelizmente, não houve

por essas paradisíacas vale a pena viver plagas, concurso do qual pudessem participar e foi pois, de última

hora, tascado esse projeto escuro crematório amadeirado peru no pires nas

fuças do augusto conselho.

Essas observações todas foram elencadas de afogadilho por um colunista

leigo no assunto. O que dizer das que

poderiam pois ser feitas por um sabichão conselho de cultos? Ou melhor

ainda, por uma audiência pública com

real capacidade de escrutinar qual teatro e centro de convenções seria ideal pra Ilhabela de 2022?

No correr da reunião, soube-se que

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ela não se destinava apenas a ser uma

apresentação power point burlesca do

novo teatro e centro de convenções,

mas a aprovar ou rejeitar esse projeto órfão de autor, em respeito a um

dos termos de ajuste de conduta determinados pelo Ministério Público

em 2015, documento esse, contestado pela Associação dos Engenheiros e

Arquitetos de Ilhabela.

Passados sete anos, pretende-se agora fundear o prédio “readequado” sobre o que sobrou do mal construído

até o embargo e transformado, à vista

da população ilhabelense e visitantes,

pela ação do tempo, do clima e da irresponsabilidade da municipalidade, nas

ruídas da VERGONHA que, em campanha eleitoral de 2019, o concorrente

a prefeito Anselmo Tambelini sugeriu

transformar no “museu da corrupção”.

Simplificando para bom entendedor:

criar um bmw v6 turbo 2022 em cima

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da carcaça arruinada dum gol básico

2010. O lance tido e propalado como

brilhante dessa readequação foi a de

transformar o que seria considerado

um terceiro andar proibido pelo plano

diretor de Ilhabela, num andar de pé

direito duplo.

Prudente, a presidente do conselho da

cultura, Juliana Borges, que é presença capital no Fórum Popular de Cultura de Ilhabela, criadora do Cineclube

Citronela e do Citronela Doc, sugeriu

que o conselheiros tivessem um tempo maior para poderem melhor refletir, coisa de modestos cinco dias úteis

numa história vexaminosa que se arrasta há doze anos. Enquanto ela inventariava os votos a sua proposta,

aconteceu uma cena que poderia figurar bem numa comédia de pastelão,

não fosse o momento exigir seriedade

e respeito que, ao serem atropelados,

exibiram na verdade, uma cena de tragédia.

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Aos berros, após decorridos 2h31min

da reunião levantou-se da cadeira colérico, o prefeito antes entrevado da

saúde que figurava como convidado,

interrompendo abruptamente a contagem dos votos:

“tô aqui até agora pra ouvir essa pataquada sua, ah, pelo amor de Deus!

Você não tem competência pra ser

presidente do conselho!”

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Desde a eleição de Bolsonaro, o homem mediano que chegou ao poder,

normalizou-se na política nacional,

a truculência, a bestialidade. O bom

exemplo da simpatia e carisma dum

Juscelino Kubistschec, da retidão moral dum Mário Covas, da lucidez duma

Marina Silva, da compostura dum Tancredo Neves, do cerimonialismo dum

Fernando Henrique, da cultura dum

San Tiago Dantas, isso tudo, tão belo

e inspirador, caiu em total desuso e

escandaloso descrédito.

Talvez seja esse fato desabonador a

justificativa para que tão poucas e quase inaudíveis vozes tenham se levantado em defesa da presidente ultrajada.

O fato de ser mulher agravou a atitude arrogante, autoritária e destemperada do alcaide, colorindo-a feito ato

de misoginia.

E fosse outra a identidade de gênero

da pessoa molestada, ainda assim o

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destempero seria intolerável. Poderia,

forçando a barra, passar batido numa

roda de truco ou numa confraternização de bêbados de botequim, mas

numa reunião oficial da municipalidade tratando dum investimento de

tamanha envergadura, com potencial

de interferir seriamente no futuro da

cidade, jamais.

Que esse entrevero acontecesse num

outro conselho com igual desdobramento, sem que fosse a reunião imediatamente interrompida e cancelada

sob unânime protestos após o ultraje

perpetrado, a gente até poderia, enfraquecendo um bom tanto a razão,

entender. Mas num conselho de cultos?

Desde, com alguma sorte, o final de

2016, Ilhabela poderia ter funcionando esse seu teatro e centro de convenções, não tivesse sua construção sido

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embargada em 2015, penalizando severamente dois servidores da secretaria de obras e a construtora. A ação

civil pública que resultou na paralisação das obras foi por improbidade administrativa.

Tivesse sido a governança da época íntegra e competente e teríamos pronto

o teatro e centro de convenções de Ilhabela valente golzinho básico há muitos

anos rodando. Não seria o bmv v6 turbo, mas carro por carro, chegariam os

dois, afinal, no mesmo destino e isso é

que importa. Imaginem quantos eventos culturais teria apresentado, quantas peças dirigidas pelo genial Carlos

Eduardo Martins encenadas, estimulando a formação de atores, atrizes,

iluminadores, cenógrafos, enfim, toda

uma enorme gama de profissionais da

ribalta. Quanto Ilhabela não teria se

deliciado e quanto não teria, culturalmente, crescido.

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O prejuízo é incomensurável.

Vale a lembrança de que naquela malsinada ocasião, o chefe do executivo

era o mesmo que agora transformou

essa reunião de conselho num palco

de gritaria e xingamento.

Nesses nossos obscurantistas tempos

da política brasil pária odiado brasil,

o exercício da autoridade se confundiu com a prática do autoritarismo.

Totalmente contrária à conquista dos

conselhos que se inseriram num plano

maior, o do sistema nacional de cultura, com o propósito de democratizar

a criação da cultura e potencializar a

sua acessibilidade, de maneira que a

maior parte da população a desfrutasse e nesse desfrute, consolidasse a sua

cidadania. Uma cidadania que valorizasse o desejo de salvar, mas repudiasse os que se autodeclaram salvadores

da pátria, da família, da tradição, do

escambau. Nas palavras de San Tiago

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Dantas: “querer salvar é sublime; julgar-se um salvador é ridículo”.

Contabilizados os votos, o placar pela

aprovação da proposta do projeto

de readequação padrão power tabajara point foi dum massacrante 7X1.

O mesmo inesquecível e vergonhoso

placar da retumbante derrota do Brasil pra Alemanha na semi final da copa

do mundo de futebol de 2014.

Tá certo que quase a metade dos votos poderia ser mesmo de cabresto por

vir de servidores públicos que pensam

primeiro no cargo e salário do que na

cidade. Mas e os demais, aqueles da

sociedade civil? Que raio de gente é

essa que se declara da sociedade civil,

representando os artistas, as comunidades caiçaras isoladas e o movimento negro e não acha conveniente ter

a possibilidade de refletir melhor sobre a polêmica proposta por apenas

a cultura envergonhada

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mais míseros cinco dias úteis antes

de dar seu parecer? Fizeram feio; fizeram horrível; fizeram VERGONHA tão

grande quanto a que picha o metálico tapume na avenida e não merecem

citação no inspirado pasquim poema

de Kiko Kardial que brilha com graciosa ferocidade crítica, depois dos cinco

minutos iniciais da reunião. Nos dias

seguintes, nas redes ignóbeis, houve

a princípio um rebuliço; logo substituído por preocupações outras como

a necessidade do uso da linguagem

neutra pelos cultos de Ilhabela. Uma

carta de repúdio veio a lume no dia 18

de fevereiro.

E justamente no dia seguinte ao conflagrado encontro internético, os jornais chapa branca lambe botas estamparam eufóricos a notícia: “novo centro

de convenções de Ilhabela é aprovado

em reuniões do conselho de turismo e

de cultura”.

a cultura envergonhada

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Assim mesmo, sem menção alguma

ao teatro, informando com absoluta

clareza para que se presta a nova milionária obra: à indústria, sempre ela,

do turismo. A cultura que se dane.

E como ela se dana.

Do orçamento aprovado em 2021

para a área da cultura de Ilhabela,

secretaria e FUNDACI, foram alocados R$ 12.074.900,00 e gastos R$

4.351.164,21. O que significa que R$

7.723.735,78 deixaram de ser investidos, lembrando o caso agora amplamente divulgado da verba para contenção de encosta de Petrópolis, gasta

apenas pela metade.

Imaginem o que essa cifra milionária

não teria feito se por deliberação democrática da sociedade, fosse aplicada com probidade e competência …

Poderíamos ter vivido uma verdadeira

revolução social na cidade, com a cultura se espalhando pelas ruas, pelas

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praças, pelas escolas numa ocupação

que não quer nada industriar, mas deleitar, informar, civilizar para que se

criem munícipes que querem sim salvar, mas que nunca mais se prestarão

ao papel infame de claque ordinária

daqueles que se autointitulam seus

salvadores.

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BASTA!

26 de outubro de 2022

https://novaimprensa.com/2022/10/

foto-em-foco-basta.html

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Foi no dia 22 e esse dia não poderá ser

papagaiado pelo vereador propagandista do bolsonarismo na tribuna da

câmara ilhabelense, porque o acontecimento que abrilhantou o fim da sua

tarde, foi uma colorida e dançante celebração da democracia em Ilhabela.

Fotos e vídeo por si mostram sem necessidade de palavreado, essa festa

que se inscreve na história dessa cidade pequena, periférica e rica demais

que, a despeito desses três adjetivos,

é sim Brasil.

São Sebastião fez a sua antes e em praça pública.

Essa gente que ocupou praças e avenida nas cidades vizinhas é fração minúscula daquela que vive ansiosa, atemorizada pelo seu futuro. Esse temor

nasce da percepção aterradora de que

o país se perverteu e deu voz e protagonismo à desumanidade, à imoralidade, ao anti-intelectualismo, ao

BASTA!

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farisaísmo, ao racismo, à misoginia,

à homofobia, ao anticientificismo, à

aporofobia, à violência, à pedofilia, ao

fascismo e por tão longa lista, resumindo: à barbárie.

Seis anos de desgoverno Temer & Bolsonaro desconstruíram conquistas

caras da redemocratização e colocaram em perigo as instituições da república. Não há área governamental

que não tenha sido impiedosamente

desmantelada e aparelhada pelas pessoas mais medíocres e ignóbeis: cultura, cujo ministério de imediato foi

extinto; saúde – que deixou morrer

centenas de milhares de brasileiros

de covid; educação – que desassistiu

a estudantada e exibiu como feito brilhante a criação de colégio cívico-militar e um deles em Ilhabela, cidade

bilionária que tem a nota mais baixa

nos índices municipais da educação,

do planejamento, do meio ambiente

BASTA!

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e de proteção dos cidadãos, falhando na manutenção das suas escolas

e seus equipamentos e submetendo

seus funcionários a condições precárias de trabalho; meio ambiente – que

deixou fogo correr solto na terra brasileira; cidadania – que vilipendiou direitos humanos; infraestrutura – que

tão pouco fez; desenvolvimento regional – que só fez se apropriar do que fizeram os governos passados; minas e

energia – escolheu vender patrimônio

ao invés de o cuidar; defesa – tornado

motivo de chacota pelas compras de

próteses penianas e pílulas de viagra;

fazenda – decidiu privilegiar os ricos

arruinando os pobres…

O Brasil depauperou; mais de trinta

milhões de brasileiros passam fome e

o plano do posto ipiranga é diminuir o

salário mínimo, comprometendo drasticamente a capacidade de compra da

maioria da população.

BASTA!

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A miséria vemos ao redor; brasileiros

e brasileiras habitando a sarjeta, dormindo ao relento, passando fome, dependendo da caridade alheia. Gente

que deveria por humanidade e solidariedade ser tratada feito gente e que,

esse cruel governo, só ignorou, no seu

enorme sofrimento cotidiano, na sua

doença sem tratamento e na sua morte anônima em cova rasa e sem nome.

BASTA!

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Foto em foco de 2018 dizia que o Brasil perdeu a graça. Pior que a perder,

se tornou infame.

Essa infâmia explode comprometendo

o frágil tecido que nos unia como habitantes compartilhando o mesmo país

com respeito e algum carinho uns pelos outros. O diálogo foi interditado e

pontes de aproximação entre os pensamentos diferentes foram destruídas

pela escolha malsinada de governar

pelo fígado, governar em prol duma

Na Ilhabela, a mais rica das cidades do Brasil, homem

dorme na rua e idoso mendiga na esquina.

BASTA!

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visão de mundo ultra direitista, populista, reacionária e ressentida, restando aos que não a aceitam, “a ponta da

praia”, o local tenebroso da matança

dos opositores da ditadura militar no

Rio de Janeiro. Desalmada pátria amada, outrora cantada mãe gentil.

Hoje, cai de desespero em desespero,

cingida de demônios, cobrindo um dos

olhos com a mão e cravando o outro

num quadro horroroso. Quando alcançará o fundo do abismo? Quando raiará em meio à derradeira desolação,

um milagre superior a qualquer fé, a

luz da esperança? Extraído do romance Doutor Fausto, de Thomas Mann.

O brasileiro lúcido enxerga assombrado a ruína da nação e se assusta com

a crescente hostilidade dos que se cegaram por força de tanta e deslavada

mentira e preconceito, impunemente

bombardeados à exaustão nas redes

BASTA!

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sociais pelos propagandistas do bolsonarismo, num insidioso processo

de lavagem cerebral dos incautos, dos

despreparados, dos humildes.

A cisão das famílias e dos amigos é

fato antigo nesses tempos de alucinação coletiva. Ainda que as pessoas antes queridas pouco se encontrem ou

nem mais se falem por divergência política, mais um degrau ao inferno pode

ser descido e o antagonismo possa

atingir o paroxismo se Bolsonaro for

reeleito. Brasileiros sendo mortos por

não serem bolsonaristas. Já têm sido

mortos.

Seriam mortos ainda mais, porque afinal, berra impune o messias mito que

o seu povo armado jamais será escravizado. Em nome dessa provocação

absurda Roberto Jefferson, bolsonarista raiz, fuzila e tasca granada noutros acreditando cumprir o ideário do

BASTA!

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seu líder que armou, fartamente, sua

milícia para realizar por ventura o seu

sonho assassino de matar no mínimo

“uns trinta mil”.

Nesse nosso pequeno universo, duma

praça de coreto tomada por moradores de rua e duma praça de gigantesca

mangueira que acobertava amantes,

nesses dois lugares celebrados por

serem baluartes contra a derrocada

dum lugar imensamente maior, o Brasil, quem bravamente os ocupou festejando com vibração e canto forte a

defesa da cidadania ultrajada, ora sofre, teme e vive mal porque vive aflita

por assistir faz tempo sua pátria virar

pária entre as nações ao naturalizar o

discurso bolsonarista do ódio.

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BASTA!

Aquela antiga foto em foco alertava

que:

“A boa política deve desarmar e não

armar as pessoas. A boa política

deve unir e não desunir. A boa política deve estimular o amor e não o

ódio. A boa política deve reverenciar

a cultura e não apequená-la.”

Espantosamente, à beira do abismo,

escolheu-se nele se lançar. Para isso,

sem dúvida, contribuiu o acirramento

da campanha orquestrada com avidez

pela extrema direita, semeando massivamente informação manipulada a

ponto de corromper, o adoecendo, o

pensamento de grande parte do eleitorado.

Jornalões e TV aberta não tiveram vergonha de colocar na mesma balança

duas candidaturas de perfil inconciliável em paridade assemelhada. De um

lado, um democrata, professor universitário, escritor, servidor público

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BASTA!

de carreira exemplar como ministro

da educação e prefeito de São Paulo e,

do outro, um político profissional defensor da ditadura e da tortura, iletrado, truculento, misógino, homofóbico,

ressentido, enriquecido na política, integrante obscuro do centrão, ex-militar expulso do exército, presença disputada em programas humorísticos

por sua bizarrice.

Neste domingo, o país terá a chance

de reverter essa escolha que tamanho

estrago lhe causou, elegendo a frente

suprapartidária de defesa da democracia. Capitaneada por um ex-presidente cuja vida virou livro e filme; que

sempre pregou a conciliação pelo diálogo. Praticando o exercício do poder

construindo elos entre os divergentes

e demolindo os muros da segregação

que humilham e martirizam os desamparados.

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Fernando Haddad entre simpatizantes, em

Caraguatatuba

Para o bem do estado de São Paulo e,

principalmente, do Litoral Norte, é imprescindível eleger Fernando Haddad,

um paulista que está plenamente qualificado para o cargo. Evitará que esse

estado ainda pujante e tão importante, se torne um nicho do retrocesso,

da selvageria bolsonarista. Evitará que

ocorra em seu território, o desastre

que tomou conta do Brasil assustando

o mundo civilizado.

BASTA!

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BASTA!

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Diferentemente de boa parte da imprensa nacional que evita tomar lado

no esforço de estabelecer uma simetria inexistente entre as candidaturas

em disputa, a prestigiosa revista científica nature tomou lado em editorial

aberto com caixa alta.

BASTA!

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o carnaval que

não houve

6 de março de 2022

https://novaimprensa.

com/2022/03/o-carnaval-que-nao-

-houve.html

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A nata suprassumo dos negócios insulares, a supimpa regência eleita que

zelosa governa num vale a pena viver

escalafobético, comemorou com prazer e com pleno direito, o sucesso dum

carnaval que não houve.

Sem escolas de samba, sem blocos

festivos, sem banho da Doroteia. Sem

show cultural de drones perto do meio

milhão.

Mas com gente e quanta quanta quanta gente, a quase afundar a ilha numa

comemoração seguramente nada carnavalesca pois que nelas faltou samba

e sobrou funk, pagode, rock pauleira, sertanejo universitário, sofrência e

que tais pelas casas e quintais, pelos

bares, botecos, botequins, clubes, boates, danceterias e afins. Marchinhas

da família Passos, porém, só mesmo

no YouTube.

A Ilhabela Nova Zelândia tão primeiro mundo logo comprando à farta kit

o carnaval que não houve

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covid foi policialesca ao cobrar passaporte vacinal pra inglês ver com a

sua câmara das leis querendo é ver de

longe, bem de longe. Reafirmando sua

autoridade, pela imprensa passava um

recado de ar intimidatório, mandando

todos todas todes todx se mascararem, mas não de Arlequim ou Colombina ou Pierrot. Em vão.

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fila pra quê?

Quem é jovem, acha que é imortal posto que é chama e, incendiando a avenida da princesa, se aglomerou, pouco

pudicamente em área pública, todos

todas todes todx respirando o mesmo

ar de interminável espera duma inolvidável festa, desmascarados, desmascaradas, desmascarades, desmascaradx. Fora do clube de nome estrangeiro,

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se perfilavam, pacientes, em fila homérica de beldades que poderiam encantar o mamãe falei, talvez a ponto

de o animar a economizar e não viajar

para tão longe no ano que vem.

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loiras beldades brasileiras

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A morte, contudo, tão deslumbrada

em sua infatigável contabilidade de

defuntos que os terraplanistas reputam menores que as de infarto ou de

acidente, pode ser que de quebra leve

uma ou outra pessoa desse juvenil

agrupamento; talvez, até pais ou avós

negacionistas antivacinas bolsonaristas ultradireitistas antipetistas fascistas nazistas anticomunistas dum

deles ou delas. E lembrando que na

Nova Zelândia ilhabelense abundaram

por tudo quanto é canto aglomerações desmascaradas todas reputadas

como não carnavalescas, a morte, por

leviandade, poderá ainda capinar mais

vida desses/dessas que nelas dançaram barulhentos/ barulhentas.

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isso não é nada carnavalesco

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Aí, ensacada em plástico preto feito

lixo, essa antes da hora extinta vida

pueril ou vá lá saber, nem tanto, não

será nem zelada e muito menos, pranteada. Seu destino é caixão fechado

num buraco sem fundo nesse muito

mais final de mundo de quase milhão

de almas brasileiras que não brilham

feito drones em céu de aniversário ou

de fim de ano da ilha cidade das mais

ricas do Brasil.

Na contagem insular dos boletins covid, essas vidas mortas não se encaixarão por forasteiras. As que falecem

na Nova Zelândia plubieditorial não se

contam no plural; se escrevem assim:

9 óbito. Esquecendo de outros trinta

e oito mortos, como se tivessem sido

assassinados por outro vírus.

o carnaval que não houve

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no boletim oficial, 9 óbito ( sic ). No da Fundação

SEADE – Sistema de Análise de Dados, 47

o carnaval que não houve

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Essa escolha de veicular informação

morta do plural se soma berro numa

zoeira que não é carnavalesca e que

faz o planeta inteiro zurrar agoniado, cobrando a volta duma normalidade que acabou, sucumbiu, faleceu. A

Nova Zelândia litorânea paulista agora

novamente inova, largando na frente.

Decretou, pela segunda vez, o fim da

obrigatoriedade de uso de máscara de

proteção facial nos espaços abertos.

Se eram três os cavaleiros airosos na

tela da globeleza onipresente nas mentes e nos lares dementes, posando de

garbosos galãs, – a fome, a peste e a

morte -, agora um quarto a esses se

emparelha: a guerra. E haja estômago

forte pra assisti-la mais do que novela, mais do que série, mais do que filme supercine, mais do que vício, mais

do que febre infernal de covid, mais do

que sequela dessa praga a desgraçar

sobreviventes que, orgulhosamente,

o carnaval que não houve

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se glorificam na tabela verdolenga dos

recuperados, recuperadas, recuperades, recuperadx.

Entretanto todavia no entanto, que não

se amolem os que sofrem, se descabelam, se preocupam, alucinam e se

desesperam com essas coisas mamãe

falei secundárias que nem morte ou

doença, pois afinal, carnaval matador

no sentido inequívoco dessa palavra,

pelo brasil desalmada pátria pária brasil, nem houve; não é mesmo?

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Save the date, em inglês colonizador imperialista, ficou chiquerrímo, debulhando uma frase

lacradora peidando perfumosa

nesses banners d’avenida vale

a pena viver desbundando que,

bravateando, nos contaram: na

Nova Zelândia tropical, carnaval

de fato, só no maio outonal vai

haver.

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inglês, língua da Nova

Zelândia tropical

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28 de maio de 2021

mais um ano

sem congada

https://novaimprensa.

com/2021/05/mais-um-ano-sem-

-congada.html

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Mais uma ano. Sem congada. Mas desta vez com missa. Campal. Clérigos e

autoridades insulares juntinhas todas

confortavelmente sentadas na providencial sombra dum toldo especialmente providenciado em frente à porta de entrada da igreja matriz Nossa

Senhora d’Ajuda. Duas horas de pregação. Suportadas em pé sob o sol escaldante do final da manhã pelo povaréu piedoso. Torcendo o pescoço para

enxergar na doce e fresca penumbra

lá no alto do terraço monacal a performance dos religiosos acariciada pela

presença tão ao pé do altar improvisado, da elite insular e dalguns congueiros. Horas de sol quase a pino,

pernas e lombares ardendo no esforço de manter o prumo numa aglomeração de penitentes; sem dúvida, esse

um brioso feito dos devotos de São

Benedito que, perfilados às dezenas

ao longo da calçada fronteira da praça

do cruzeiro, da praça Coronel Julião e

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na ladeira da ladeira da Santa Casa, só

arredaram dolorido pé, findo o ofício

religioso.

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São Benedito é um santo negro, pobre e sua ocupação era a de cozinheiro. Por ser negro, pobre e trabalhador duma profissão visto pela

maioria das pessoas como inferior,

pois afinal, o santo não foi chef de

restaurant ( em francês ) incensado

pela Michelin, vive entre a brasileirada sempre excluída da água fresca

e sombra sorvidas com tédio pela fidalguia nacional. Mais do que viver

nesse inóspito meio, é o santo que a

representa e lhe confere algum, ainda que muito pálido, pertencimento

social.

Esse extrato da sociedade que vem a

ser a sua base piramidal, só tem visibilidade em manchete dos jornais

sanguinários que se reproduzem aos

milhares no gozo noticioso do cancelamento de cpfs daqueles que rotulam como bandidos.

Pois que pouco antes dessa liturgia

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insular, figuraram como notícia o assassinato de dois pobres pretos ladrões de carne-velha e o fuzilamento

duns outros pretos na favela do jacarezinho em exitosa missão nas palavras da polícia civil que avalia como

sucesso uma operação que resulte

em vinte e oito mortos a bala.

O 13 de maio que antecedeu a Congada que não houve foi marcado por

manifestações de protesto Brasil inteiro, em Ilhabela inclusive, com a

particularidade de ter sido aqui iluminada, involuntariamente, pela estroboscópica luz vermelha da viatura

que faz plantão na praça dum lado e

importunada pelo berro acrimonioso

dos bolsonaritas raiz que passavam

raivosos pela rua do São João, doutro.

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Próxima a essa praça que sediou o 13

de maio de luta, a praça do Pimenta de

Cheiro, aconteceu uma das primeiras

ações da secretaria de meio ambiente

comandada por celebridade bolsonarista arrependida. Foi o desmate duma

pequena área densamente vegetada

de praia num trabalho apresentado

como de eliminação de plantas invasoras. Homens e Mulheres da Pedra do

arquipélago comemoraram nas redes

sociais: acabou o ponto de encontro

dos maconheiros! Foi arruinado o motel a céu aberto! Vagabundos perderam sua sala! Todavia, apesar dessas

demonstrações apaixonadas de apreço pela atitude mais que ambientalista, – policial, nas mesmas redes houve

vozes, ainda que tímidas por abafadas

pela berraria histérica em defesa intransigente da moral e dos bons costumes, que objetaram que a intervenção favoreceu, em última instância, o

novo restaurante do local que agora

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tem visão privilegiada do canal e nem

precisará fazer que nem o seu concorrente vizinho que invadiu a estreita

faixa de areia a sua frente, nela distribuindo mesas, cadeiras, guarda-sóis e candelabros a granel sem ser admoestado pela secretaria porque ela

deve crer que esse cacaréu todo não é

planta invasora.

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A Congada de Ilhabela é desde sempre

enquadrada como legítimo espetáculo

caiçara. E a palavra espetáculo, ultimamente, mais se tem categorizado como

adjetivo do que substantivo. Três festivos dias de espetáculo inseridos no

calendário oficial para o deleite da turistada porque decidiu-se nos gabinetes palacianos do poder ilhéu que o turismo é o provedor maior dessa cidade

que no passado sustentou-se exercendo diferentes atividades econômicas.

Caiçaras viviam da pesca e da agricultura de subsistência. A vida deles

era muito simples, despojada além de

qualquer conta para os padrões consumistas atuais.

Quem assistir o filme de 1950, Caiçara, o primeiro da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, terá uma boa ideia

de como era Ilhabela quando terra caiçara.

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O clima da história é sombrio; isso, apesar dela acontecer numa locação tropical. Mas além da narrativa da vida desajustada e agônica dos protagonistas

Marina e José Amaro, o que nos importa é observar o cenário duma Ilhabela

da qual encontramos hoje pouquíssimos vestígios.

Uma Ilhabela muito pobre na indigência das suas moradias e no vestuário

da sua gente. A película em preto e

branco reforça essa pobreza nos fotogramas de paredes descascadas, emboloradas, nas portas e janelas de madeira carcomida, na face desdentada

dos figurantes maltrapilhos, boa parte

deles, negra. A Congada e sua exótica

sonoridade está presente num pequeno fragmento, acontecendo na Vila,

em meio a construções coloniais que

não existem mais; uma das poucas sobreviventes é a igreja matriz aparecendo como pano de fundo. Emblemático

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que o final da fita aconteça no cemitério da ilha num sepultamento que

reuniu em luto e cortejo fúnebre toda

a população, como se essa cena metaforizasse o futuro aniquilamento da

vida caiçara.

Vinte anos depois da filmagem, aumentou expressivamente o número

de pessoas que se encantaram com

Ilhabela e compraram propriedades

na ilha. Alguns dos herdeiros desses

compradores vivem até hoje do dinheiro da enorme valorização desses bens

e da sua subsequente venda.

Especulação imobiliária. Esse é o nome

da praga que se abateu sobre a terra

que nada valia e os caiçaras foram, literalmente, perdendo sua morada. Os

que chegavam comprando tudo, erigiam muros onde nunca os houve e

foram pagando merreca pra caiçarada

vizinha servir de mão de obra doméstica.

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Praias inteiras foram cercadas virando

condomínios de luxo e hoje só se chega nelas caminhando ladeira abaixo

sob o olhar intimidatório de seguranças trogloditas.

E há praias em que nem se pode mais

na areia sentar ou deitar levando para

consumo sua bebida e lanche, pois

logo chegam paus mandados do dono

do negócio praiano do pedaço na missão miliciana de afugentar os não consumidores para deixar espaço pra sua

clientela endinheirada.

As modestas casas caiçaras frente ao

mar deram lugar a mansões emuralhadas duma gente de nariz empinado e fala arrogante. As casas distantes da praia foram sendo derrubadas

por veranistas de menor calibre financeiro que no lugar delas construíram

esse padrão de imóvel de periferia

que infesta nosso litoral desvalido e

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se enxerga bastante em Caraguatatuba, Peruíbe, Praia Grande, Mongaguá,

etc. Edificações sem nenhuma beleza

arquitetônica, sem história alguma de

valor para as gerações futuras.

Se eram pobres e simplórias as habitações de Ilhabela, a “Ilha Verde” no filme Caiçara, elas tinham sim encanto e

relevância como autênticos exemplares da arquitetura colonial de paredes

grossas e altas, portas e janelas de

madeira de lei, telhados de caimento

delicado encapados com parrudas telhas de coxa delimitando um interior

de penumbra e frescor onde a existência corria sem pressa e sem fragor.

Se a saúde era precária e a ignorância

grande, a comunidade era solidária e

boa companheira ainda que houvesse

fuxico e alguma desavença.

Naquele tempo ninguém interditaria a

passagem dos outros pelo seu quintal,

mesmo porque, os quintais tinham um

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caráter comunitário; as crianças brincavam em todos e os adultos não os

encaravam como propriedade privada.

Essa era, verdadeiramente, uma ilha de

todos e, para assim o ser, nem precisava depender do trabalho de muitos.

Uma Ilhabela de uma gente ciosa de

dizer bom dia boa tarde boa noite e

caridosa de compartilhar suas poucas posses com quem menos tinha. E

mesmo caminhando de pés descalços

e se vestindo com andrajos, se respeitavam e se gostavam. E festejavam.

No filme, além da Congada, há o registro do caiapó e das cantorias reunindo dezenas de pessoas que não se

envergonhavam de sorrir banguelas.

Nas mercearias, quitandas, nos comércios desse tempo as pessoas se

conheciam e se sentiam à vontade, se

cumprimentado pelo primeiro nome.

Nos supermercados que enterraram

esses negócios obsoletos era muito

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comum o dono e dona botarem funcionário brucutu pra aterrorizar cliente desavisado que o adentrasse com

mochila às costas, chegando ao paroxismo de mandar empregado fortão

advertir quem tirasse fotografia do

seu portentoso estabelecimento da

rua sob a justificativa surreal de que

é “proibido tirar fotografia”.

Hoje Ilhabela inaugura supermercado

vitrine de boa educação com sua clientela e de elegante e higiênica organização dos produtos que comercializa

dando rasteira nesses antigos e presunçosos, tão acostumados a maltratar quem achavam que é pobre ou bicho grilo.

Mas dentro de seu espaço climatizado

e bem iluminado, à vontade se sentem pessoas de alto poder aquisitivo

que não se conhecem e até por isso,

nem se cumprimentam. A caiçarada

da década de cinquenta se chegasse

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na porta do seu estacionamento cheio

de reluzentes SUVs de centenas de

milhares de reais, de pés descalços e

roupas rasgadas, morta de vergonha

e desdentada, voltaria atrás para esconder sua miséria.

Hoje a ricaiada ilhabelense acha que

o suprassumo é morar em condomínio fechado na ilha, todinho murado

feito presídio de segurança máxima

com patrulha vinte e quatro horas

da sua milícia particular, paisagismo

todo de plantas exóticas, fibra ótica

e rede elétrica enterrada longe da vista das suas vivendas de padrão brega

chique trumpista bolsonarista vivendas da barra; ricaiada ignorante que

jamais na vida saberá quem foi Paulo Mendes da Rocha ou Yraê Aranha.

A Ilhabela caiçara ainda que tivesse

desigualdade social com caiçara morando em barraco de pau a pique enquanto outros moravam em palacete

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de princesa ou de fazenda de engenho

estimulava a convivência dos seus moradores; era uma cidade sem guetos,

em tudo diferente da cidade dos condomínios egoístas fechados para a vida

pública plural onde só residem gente

de igual pensamento e gosto que ora

se alastram feito câncer pela esclerosada malha urbana.

A cultura caiçara não tem na ilha lugar

oficial que verdadeiramente a acolha,

a estude, a preserve; que a estimule a

sobreviver orgulhosa e senhora de si.

A Congada se repetia ano após ano

antes da pandemia como evento midiático turístico pra encantar visitantes

de férias que a enxergam como uma

bizarra dança e teatro de marmanjos

fantasiados com tecidos de liquidação

numa gritaria ininteligível. E haja filme

e fotografia oficial pra popularizá-la

vendendo Ilhabela como protetora da

cultura caiçara. Não é. Não protegeu

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também seu patrimônio arquitetônico.

Não protegeu também seu mar; seus

mangues que viraram lixão e Jardim do

Éden; seus rios e cachoeiras próximos ao

tecido urbano. Não protegeu também as

suas áreas de risco, fazendo vista grossa às invasões e construções irregulares

que se espalharam sem controle. Não

protegeu também sua costeira, permitindo que a ricarada dela se apropriasse

e depois construísse muralhas para encapsular seus palácios que, de quebra,

obliteraram a visão do horizonte dos

mortais comuns que passam pela estrada. Não protegeu também seu povo humilde que tinha na pesca e na agricultura familiar o seu sustento. Não protegeu

também os operários que edificam essa

cidade listada como uma das mais ricas

do Brasil morando em buracos e pirambeiras. Não protegeu também o turista

de poucas posses que para visitá-la por

umas poucas horas sacrifica seu modesto orçamento.

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Ilhabela tem se enchido de hotéis e

pousadas e shoppings e lojas e restaurantes com pomposos nomes em língua estrangeira quando não somente

abreviados onde a caiçarada se aparece é quase sempre pela entrada de

serviço pra carpir mato ou limpar privada.

E Ilhabela acredita piamente no pensamento da sua classe dirigente de que

o turismo é o único caminho do verdadeiro paraíso, desmerecendo os resistentes produtores fomentadores de

pujantes economias alternativas que

nela vivem lhe dando o melhor de si e

se esquecendo de que o que robustece

o erário municipal é a receita milionária dos royalties do petróleo que não

são fruto de trabalho turístico algum.

Essa renda já começa a minguar e no

futuro será irrelevante. Quando isso

acontecer, a cidade viverá o mesmo drama doutras outrora movidas a

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royalties. Sua prefeitura palácio sauna

de cristal matagado por falta de manutenção viverá uma triste novela de deterioração; a mesma que viverão seus

incontáveis prédios públicos fruto de

desapropriação imobiliária e suas escolas, quadras esportivas e postos de

saúde mal construídos segundo relatórios do tribunal de contas do estado.

Nesse momento de colapso financeiro não faltará mandatário que sonhe

numa derradeira transformação: a da

ilha virar uma Cancún brasileira, destino imaginado por Bolsonaro para Angra

dos Reis. Ou então uma paulista versão

do catarinense balneário de Camboriú

com seus arranha céus de centenas de

metros de milionários cretinos fazendo sombra perpétua na areia da praia.

Mas quem se importa?

O desrespeito, a falta de interesse não

só pela cultura caiçara, mas por toda e

qualquer cultura, seja ela urbanística,

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política ou artística, cobra no presente

a fatura duma cidade não inclusiva.

Quer dizer, uma cidade onde a palavra

ordem do dia, melhor se exprimiria no

inglês que a ricaiada jeca deslumbrada por Miami tanto adora: apartheid.

E essa segregação não seria somente

entre brancos e pretos ou ricos e pobres. Também entre cultos e ignorantes; moradores e os “de fora”; direitistas ferrenhos e os por eles xingados

de “petralhas” ou comunistas; imprensa oficial e realidade; quem manda e

quem obedece; apadrinhados e perseguidos…

Nessa Ilhabela, melhor mesmo que as

pessoas nem se cumprimentem por

não valer mesmo a pena se conhecerem.

Nas pequenas coisas do dia a dia, os

avisos de alerta faz tempo tentam advertir; porém ninguém dá bola e a vida

segue como se tudo se resumisse a

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uma pendenga de torcida.

O noticiário chapa branca só faz abarrotar as redes sociais com fotos de

ações policiais tecendo e fortalecendo

uma ética de mundo cão para desfrute sádico duma crescente plateia de

linchadores virtuais.

E o discurso do “quero trabalhar”, “economia em primeira lugar”, “tratamento

precoce é a solução” e assemelhados

inflama os espíritos numa guerra fratricida logo no meio dessa pandemia

que já matou quase meio milhão de

brasileiros.

É triste, é dolorosa a inação dos que

poderiam reverter esse descalabro.

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Um exemplo simples é essa obra intitulada de revitalização da Cocaia. Coisa de mais de quinze milhões e não se

sabe mais quanto direito porque seu

valor não aparece na vistosa placa que

a noticia na entrada do bairro. Muita

gente se assusta com a supressão das

calçadas e a construção dum pavimento liso que permitirá maior velocidade

no largo quase avenida leito carroçável.

Na época da Ilhabela caiçara, a rua, a

estrada da Cocaia, mal passava duma

estreita trilha. Na década de oitenta

era um caminho de terra onde penavam para passar carros que trafegassem em sentido contrário. É certo que

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as pessoas andavam a pé pela rua,

mas não há relatos de atropelamento.

Que só aconteceram depois que ela foi

alargada e pavimentada com bloquetes de concreto.

Hoje muita gente caminha por ali, por

necessidade ou lazer e não será surpresa alguma que venham a ser atropeladas muito em breve com a finalização da obra.

Tentou-se alertar a secretaria municipal de planejamento urbano, obras

e habitação, mas mesmo no vídeo do

YouTube com a nova jovem secretária

que precisou, por causa do seu nervosismo, interromper a leitura que fazia

do plano de metas da sua pasta, essa

preocupação grave não foi respondida a contento ainda que tivesse sido

levantada antes e durante a transmissão ao vivo da audiência pública do

PPA – Plano Plurianual 2022/2025 em

30 de março.

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Cinco quarteirões. Não mais que isso.

A distância entre o gabinete da secretária no palácio sauna de cristal matagado e a obra sem calçada inclusiva. Não precisa nem usar carro oficial.

Menos de dez minutos de saudável

caminhada para averiguar no local a

inexistência de calçadas logo na entrada do bairro e a diminuição drástica na pouca largura das precárias que

antes existiam dando origem a uma

nova modalidade de calçada ilhabelense, a saber, a calçada insular equilibrista. Porque será um exercício de

equilibrismo caminhar numa largura

tão pequena. Pequena, apesar da planilha orçamentária da obra presente

no contrato 071/2020 firmado entre

prefeitura e prestadora de serviço arrolar quase dezessete mil metros quadrados de pavimento pra calçada ao

custo de aproximadamente dois milhões de reais.

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A câmara municipal poderia, se exercesse seu dever fiscalizador, supervisionar essa obra. Mas está ocupada

demais em legislar sobre dia ilhabelense de oração em círculo e em assegurar para as igrejas e templos evangélicos da cidade a categorização de

serviço essencial, categorização essa

já existente em nível estadual, assim

reforçando a concessão aos religiosos ilhéus, do direito e para aqueles

fiéis mais devotados e dizimistas, da

satisfação prazerosa de se aglomerarem em devoção sonorosa mesmo durante essa terceira onda da pandemia

que se avizinha veloz com mortífera

nova cepa indiana do coronavírus.

Porém, se por desventura no interior

abençoado desses locais celestiais alguém se contaminar e morrer, poder-

-se-á conjecturar que isso aconteceu

por imprevisível e inevitável fatalidade, fruto de vontade divina, no dever do cumprimento da prestação de

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ofício de caráter religioso para a população beata ora enquadrado como

serviço essencial e, portanto, obrigatório para os que dele tanto carecem,

excetuando-se, é claro, macumbeiros,

agnósticos e ateus que não integram

essa freguesia. Além disso, havendo

dificuldade em aprovar até pedido de

informações ao executivo por causa

da sua aguerrida bancada situacionista, pouca é a esperança de que dessa

casa de leis sediada em casa de princesa protegida por um gigantesco furibundo Moisés de aço inox possa vir

alguma pálida luz mesmo à custa de

fervorosa reza de cocaienses amolados feita na privacidade das suas moradias descalçadas e agora também

em cálida reunião religiosa nos templos e igrejas serviços essenciais invocando a intervenção não divina e

sim terrena, do clerical poder legislativo municipal.

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Sem dúvida, caiçaras da década de cinquenta não teriam dificuldade de se

locomover nessas calçadas minúsculas acostumados a correr por picadas

no meio da mata. Mas caiçaras aparentados desses que quase se contam

agora nos dedos e embora resistam

bravamente e se orgulhem da sua descendência, além de não terem tido sucesso em nos ensinar a decifrarmos os

sinais da natureza e a sermos humildes e solidários, não nos ensinaram

como andar na corda bamba.

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fé cega,

faca amolada

8 de outubro de 2022

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Existem lugares privilegiados para a

fala à sociedade e são ditos privilegiados por causa da grande visibilidade

que possuem e porque neles quem se

aboleta e discursa detém o privilégio

de estar ali. Nos casos tratados por

esta coluna, o privilégio em questão

veio por força do voto num e por meio

de ordenação eclesiástica, noutro.

Foi do alto da tribuna da ilustre câmara

ilhabelense que um seu eleito soltou inverdades à farta exigindo que seu eleitorado não votasse na “esquerda”. Entre aspas pois essa palavra na boca do

orador perdeu sua essência, seu real

significado. Apesar de advertido com

firmeza pela presidente da câmara, da

ilegalidade da sua pregação eleitoreira

pública afrontar a lei eleitoral vigente,

o edil zangado retrucou com soberba

que os incomodados então o processassem. Seguro será que esse parlamentar

ilhéu de estampa bastante parecida ao

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do deputado ex-presidiário marombado, cassado, famoso por destruir placa de rua em grotesca encenação de

afronta ao movimento Marielle Franco,

não enfrentará dos seus coleguinhas

camaristas processo de cassação por

falta de decoro como o injustamente

imposto a vereador da oposição.

Pastores evangélicos, não todos, ressalte-se, fazem pregação semelhante

ao desse orador e espanta que haja

padres que repitam o mesmo. Relatos

indignados de fiéis católicos a ponto

dalgum virar denúncia encaminhada à

Confederação dos Bispos do Brasil, dão

conta de que isso aconteceu em missa

justamente no dia do primeiro turno

da eleição em igreja de Ilhabela. Fica

difícil conceber que esse mesmo clero

que teve em suas fileiras dom Hélder

Câmara e hoje tem o padre Júlio Lancelotti possa abrigar empedernidos

defensores do bolsonarismo usando

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o púlpito não como local de pregação

da fé cristã, mas de imposição duma

preferência política extremista que só

faz despertar nas pessoas a sordidez

espiritual e o ódio ao próximo.

Poderia bem passar por mera fanfarronice o ocorrido na tribuna da Câmara; no entanto, a situação é grave.

A atitude do vereador como frisou a

presidente da Câmara, desrespeitou a

legislação eleitoral ao se corporificar

como uma conduta vedada de agente

público. O vereador fez uso da tribuna

da Câmara Municipal de Ilhabela para

a realização de um discurso eminentemente político, com proveito eleitoral, objetivando favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro. Para averiguar

a existência de delito, magistrado da

área só vai precisar assistir o vídeo do

discurso ora propagandeado por seu

autor belicoso no facebook como feito grandioso, ao invés de ter sido, na

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verdade, uma incitação ao apedrejamento duma esquerda brasileira bicho-papão que só existe no mundo

furibundo da terra plana, concitando

o eleitorado a votar em Bolsonaro. Pretendeu-se transformar a Câmara Municipal de Ilhabela num cabo eleitoral

bolsonarista e a TV Câmara em propagandista da candidatura da extrema

direita.

A lengalenga urrada na tribuna com

voz trêmula emulando o figurino dos

discursos do ódio que infestam as redes sociais, é uma coletânea intragável de fake news a começar pela pregação amedrontadora do risco do Brasil

virar Venezuela nas mãos do “governo de esquerda”. A realidade, bem outra, é que o país caminha a passos

largos e rápidos pra isso acontecer e

nas mãos de um governo de extrema

direita. Bolsonaro segue a mesma estratégia de Maduro: bajula, enobrece,

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pavoneia as forças armadas ao mesmo tempo em que agride e desmantela impiedosamente o poder judiciário

e a imprensa e coopta, ao custo de o

corromper, o poder legislativo.

O edil mete o sarrafo no MST se esquecendo que quem hoje invade e se

apodera de terra pública com o beneplácito do governo são garimpeiros,

grileiros e gente do agro lixo que, literalmente, põe fogo na terra brasileira.

O edil gritou que governo de esquerda toma o dinheiro do povo, ao passo

que quem o faz agora em solo pátrio

é o governo federal através do maior

escândalo de corrupção da história da

república: o orçamento secreto.

O edil reclamou que o “governo de esquerda” trata mal as mulheres, quando quem o faz reiteradamente é o seu

líder mito Bolsonaro dando péssimo

exemplo aos seus aduladores.

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O edil lastimou que “governos de esquerda” deixam as famílias passando

fome quando ainda estão vívidas as

cenas impactantes e degradantes de

brasileiros e brasileiras disputando

osso e pelanca de carne num container originalmente destinado à fábrica

de ração animal sob a indiferença do

governo bolsonarista de extrema direita.

O edil se pôs na posição de defensor

da liberdade se esquecendo que nos

dias que correm, opositores do atual

do governo temem falar de suas preferências políticas com medo de serem

espancados e até assassinados; muita

gente não torna pública sua escolha

política a exibindo na fachada do seu

lar e no vidro do seu carro por medo

de sofrer vandalismo. Márcia Tiburi

que escreveu o livro “como conversar

com um fascista” se deu conta da pior

maneira do quanto isso é difícil e junfé cega, faca amolada

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tamente com milhares de brasileiros

perseguidos e ameaçados de morte

pelos extremistas da direita, foi morar

fora do Brasil. O influenciador Felipe

Neto continua morando, mas explicou

em vídeo recente que só sai da sua

casa acompanhado por forte esquema

de segurança e que, em nome dessa

segurança, achou melhor mandar sua

mãe morar no exterior. Nesse mesmo

vídeo, rememorou seu passado de antipetista radical, comentando que apesar das suas críticas contundentes,

jamais sofreu qualquer ameaça a sua

liberdade quando as fez. A maioria absoluta da população não tem como se

proteger da maneira que se protege

Felipe Neto. Então o que acontece é o

que registra o vídeo do jovem preto e

pobre sendo surrado e preso aos berros de “vai gritar Lula lá na África!”

Liberdade está em falta e sob ataque

até mesmo em Ilhabela onde o vereador Raul foi covardemente agredido

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apenas por ter exercido o seu direito

de fiscalizar a obra dum muro de arrimo construído por uma empreiteira

contratada pela prefeitura.

O edil, não teve temor de ser rotulado de homofóbico ao descrever o seu

banheiro público ideal, interditado a

transsexuais.

Não temeu ser chamado de mentiroso

ao repetir chavões preconceituosos

sobre o governo Dilma, chavões esses

há muito desmascarados pela imprensa e por institutos de verificação de

notícias, como falsos.

Disse que “escola é lugar pra criança

brincar” e essa máxima tiro no pé atropelou seu feito mais vistoso, qual seja,

o de apoiar e incentivar a construção

ao custo de centenas de milhares de

reais, duma escola cívico-militar em

Ilhabela, onde a veneração à disciplina da caserna não deixará espaço pra

criança alguma brincar livremente.

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Não bastasse contaminar o ambiente

da Câmara Municipal com sua bagaçada eleitoral virulenta, o edil por duas

vezes, cinicamente, fez troça. Logo no

início da sessão ordinária, fez questão

de parabenizar a escolha do salmo 22

para a abertura dos trabalhos e enfatizou: “é um número muito bom”. Com

a mesma retórica barulhenta de campanha concluiu sua alucinada explanação dizendo que “o salmo 22 caiu

como uma luva!”.

Pois surrealmente, no meio desse salmo se encontra um apelo a deus que

muitos, agnósticos e ateus inclusive,

agora aos céus lançam em busca de

temperança:

Livra-me da espada,

livra a minha vida do ataque dos

cães.

Salva-me da boca dos leões,

e dos chifres dos bois selvagens.

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Política e religião: essa mistura desanda.

“A boa política deve desarmar e não

armar as pessoas. A boa política deve

unir e não desunir. A boa política deve

estimular o amor e não o ódio. A boa

política deve reverenciar a cultura e

não apequená-la.”

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Esse pensamento foi fixado numa coluna de 2018 e permanece atual. Se

escolhessem abraçá-lo, parlamentares

insulares não cuspiriam perdigotos em

sermões raivosos e, talvez, desembaraçados da bílis que turva não somente o entendimento, mas também a visão, enxergassem ao redor.

A foto em foco registrou quatro imagens que falam por si e dispensariam

legenda.

Isso é Ilhabela: terra duma abissal desigualdade social entre turista rico e morador fuçador de lixo.

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Isso é Ilhabela que não merece o seu nome

por naturalizar a feiúra.

Isso é Ilhabela que desrespeita a cultura caiçara e empareda cruelmente sufocando um

dos últimos exemplares da arquitetura colonial na sua principal avenida.

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Isso é a Ilhabela onde se acumulam detritos

gigantes duma polêmica obra milionária de revitalização de bairro que se arrasta lerda sem

nunca terminar. Calçadas foram eliminadas,

material de baixa qualidade foi largamente

empregado; fato esse noticiado publicamente

pelo vereador Raul da habitação. Empresário

do bairro denunciou o caso no Ministério Público, mas o promotor decidiu arquivá-lo. Quando o primeiro morador ou moradora morrer

atropelado, queixar pra quem? Pelo jeito, nem

pro bispo.

Infelizmente, nesses nossos trevosos

tempos, tribuna e púlpito têm se prestado a ser lugar privilegiado não de

discurso sadio e de pregação caridosa da crença religiosa; têm ambos se

prestado a difundir a bizarrice duma

fé política obtusa e cega. E essa, bem

nos ensina a história, é pedra boa para

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bem amolar a faca que apunhala de

morte o respeito e o amor ao próximo

e, não sendo impedida pela mão forte da cidadania, assassina o estado de

direito e a própria democracia.

o desabafo de Felipe Neto

Numa singela palavra, o bom conselho. Reza a

prudência, que antes de falar, se fizesse isso,

de coração tranquilo e mão desarmada.

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16 de setembro de 2021

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Passada uma semana do sete de setembro, quando as pessoas tentarem

se recordar de onde estavam naquele

dia marco histórico, é bem capaz que

lembrança alguma aflore à superfície

do opaco lago da memória.

Certo que haverá quem tenha o fugaz

gosto desbotado de reviver num lampejo o feriado prolongado tostando o

corpo empalecido no sol fuzilante do

litoral e o salgando no mar depois de

embebedá-lo com caipirinha e cerveja;

mas a maior parte das pessoas, provavelmente, lembrança nenhuma de

peso e ou de relevo vai ter, a não ser a

sensação modorrenta de que esse dia

passou e se perdeu falecendo na contabilidade impiedosa dos dias mortos.

A multidão verde amarela que ocupou

a Paulista e a esplanada dos ministérios

vai ter sim mais que recordação intangível; vai ter foto e muita para exibir.

Entretanto, pode ser que escolha não

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o fazer; que deseje mesmo, assassiná-las todas, as apagando do celular.

Essas mesmas fotos feitas com tanto

prazer e garbo varonil; essas mesmas

fotos que comprovariam a presença

cívica no evento maior de celebração

do repúdio à tirania portuguesa. A história oficial conta que isso aconteceu

de maneira cinematográfica e sem resistência, mas há quem conteste essa

visão edulcorada como Lilia Schwarcz.

A pintura de Pedro Américo, – o Grito

do Ipiranga, tão tardiamente concluída, sonhou uma cena de mentira. Dom

Pedro não se vestia com tamanho apuro envergando fardamento limpinho

e nem montava um alazão; montava

uma simplória mula e além disso, estava com caganeira, precisando se aliviar com frequência e foi por isso que

parou a viagem naquele momento e

lugar.

Como de logros não nos cansamos, a

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própria pintura tão efusivamente celebrada cheira a plágio, a saber, da 1807,

Friedland, do francês Jean-Louis Ernest

Meissonier.

Então a multidão bolsonarista que se

bateu em defesa empedernida da liberdade de proclamar um regime que

suprimiria essa mesma liberdade viveu seu logro: o de assistir, incrédula, acreditando ser uma fake news do

nível dessas tantas que costuma com

deslavado mau caratismo propagar, o

seu presidente mito messias amarelar mais que o amarelo das milhares

de camisetas todas elas juntas poucas horas depois de virilmente vociferar publicamente em Brasília e em São

Paulo.

Porém, se o presidente amarelou, amarelou como vem há demasiado tempo

amarelando, quem tem a obrigação

constitucional de responder na proporcional altura ao autoritarismo em

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curso como cristalinamente destaca a

jornalista Eliane Brum.

E na órbita rasteira das ruas empobrecidas e degradadas, muita gente Brasil

inteiro também amarelou, só que antes, no dia sete passado mesmo e escolheu não sair às ruas marcando posição

contrária a dos embandeirados festivos

feito torcida do escroto escrete canarinho inesquecivelmente derrotado fragorosamente por sete a um por medo

de se envolver em encrenca com eles.

No Litoral Norte inteiro, apenas em

Ilhabela houve manifestação de oposição, considerada por quem a viu e por

quem dela participou, como a melhor,

a mais impactante e criativa de todas

as feitas. Pois essas fotos, marcando

diferença das fotos dos bolsonaristas

massa acéfala de manobra criminosa,

vão ser para os que nelas figuraram,

motivo de orgulho e prova de honradez e civilidade para ser exibida com

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prazer no futuro para outros verem

assim como fazem os fotografados na

passeata dos cem mil, na dos cara-pintadas e nas diretas já.

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43º Salão Waldemar

Belisário, o que os

olhos viram

24 de outubro de 2021

https://novaimprensa.com/2021/10/foto- -em-foco-43o-salao-waldemar-belisario-o- -que-os-olhos-viram.html

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No distante ano de 1968, o prefeito

amante das artes Geraldo Junqueira,

atendendo ao pedido de artistas locais duma Ilhabela provinciana, criou

as condições materiais para a realização duma sequência de exposições

coletivas de artes visuais que, em

1986, sob a gestão de Gilson Tangerino, passariam a ser nomeadas como

Salão de Artes Plásticas Waldemar Belisário para homenagear o pintor falecido em 1983.

Belisário não era caiçara e não viveu

a maior parte da sua vida na ilha. Se

escondeu nela, amargurado, na baía

de Castelhanos, a conselho de Martim Fontes, em 1930. Havia sido rechaçado por sua aristocrática família de criação onde exercia a posição

serviçal de limpador de pincéis de

Tarsila do Amaral e viu desmoronar

seu sonho de conquistar o pensionato artístico paulista, uma bolsa de

o que os olhos não viram

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estudos, sonho maior dos artistas de

poucas posses, que viabilizava viajar

para Europa visitando seus museus e

frequentando o atelier de pintores célebres, para voltar depois consagrado

à pátria mãe gentil.

Para colocar em termos de comparação atuais, esse pensionato equivaleria

hoje a um ProAc super turbinado, um

programa de ação cultural do governo

do estado de São Paulo com uma verba bem robusta porque, afinal, o ganhador recebia mil francos mensais,

– valores sem correção da década de

vinte -, mais passagem de ida e volta na primeira classe nos transatlânticos da moda e transporte de todas as

obras criadas nos cinco anos residindo na Europa para o Brasil.

Belisário era já nessa época um pintor

respeitado mas isso não bastava para

garantir o pensionato. Era preciso também o tão brasileiro QI: quem indica. E

o que os olhos não viram

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quem indicaria seria ninguém menos

que Júlio Prestes, hoje nome de escola, rua, avenida, rodoviária, etc etc etc

a pedido de Patrícia Galvão, imortalizada com o apelido de Pagu; o acordo foi intermediado pelo casal Oswald

de Andrade e Tarsila do Amaral. Pagu,

amiga do casal, queria sair de casa e

ser livre para politicar e fazer arte e

para tanto, numa conjuntura social de

rígida primazia do patriarcado, seu

mais descomplicado passaporte para

a liberdade seria casar com Belisário

porque, casando, seus pais prontamente consentiriam que saísse. O casamento era de mentira; seria anulado

em seguida.

O que não poderiam imaginar nem

Belisário e muito menos Tarsila, com

quem Belisário, apesar da enorme inferioridade da sua precária condição

social e financeira, mantinha uma tênue familiaridade por ser agregado da

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família Amaral, é que logo em seguida

Oswald e Pagu fugiriam para ficarem

juntos.

Pois é. Parece dramalhão mexicano.

Descoberta a trapaça, era natural que

Tarsila e sua família ficassem furibundas com Belisário. Pagu cumpriu

sua promessa e Júlio Prestes indicou

o artista para o pensionato. O problema é que naquelas turbulentos anos

trinta, com a economia e a política

em polvorosa, escafedeu-se o pensionato e Belisário ficou, literalmente a ver navios até decidir embarcar

num, bem modesto, para aportar em

Ilhabela, uma terra esquecida e decadente com a quebra da cafeicultura;

lugar sem autoridades públicas que,

de tão depauperado, perdeu a condição de comarca, voltando ao julgo

de São Sebastião no continente.

Logo se bandeou pra Castelhanos,

onde comprou com suas parcas ecoo que os olhos não viram

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nomias um pequeno terreno, para

então gastar sua energia na lida da

terra.

Mas como não há mal que nunca se acabe, nem bem que sempre dure, o pintor conheceu lá naquele cafundó uma

professora, normalista recém-formada por quem se apaixonou e foi com

grande paixão correspondido: Celina

Cerqueira Leite Guimarães. Os dois se

casaram em 1937 e viveram uma bela

história de amor até a morte do pintor.

A acanhada Ilhabela que nessa ocasião

nem Ilhabela era, mas sim Formosa por

vontade getulista, era morada por demais simplória para um casal de espírito cosmopolita e por isso, em 1940,

tomam juntos a decisão de se mudarem pra São Paulo.

Onde se enfronham na comunidade artística e onde Belisário passa a ensinar

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a desenhar em escolas para garantir

o sustento que a pintura não oferecia.

Além de lecionar, Belisário construiu

para vender, bonecos de madeira articulados para servirem de modelo para

desenho. Um deles está exposto numa

sala indigente que se diz chamar museu Waldemar Belisário. Esse espaço

acanhado que não exibe pintura alguma do artista, apenas alguns desenhos

e esboços na companhia de fotos amareladas jamais estará à altura da importância da obra do pintor. Sem pinturas

suas porque a prefeitura que tanto gasta em comprar terreno e casa particular

pela cidade inteira pra virar repartição

municipal não se sabe lá de quê, nunca

se preocupou em criar uma pinacoteca

que tivesse pintura do artista cujo nome

batiza também escola pública. Durante

algum tempo, na fachada do centro cultural que abriga o “museu”, penduravam

pavorosos banners reproduzindo pinturas suas que seguramente causaram

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dano lastimável a sua memória.

Menos mau que apesar de tantos pesares exista essa salinha que teve melhor

vida que o finado “cinema” inaugurado

com pompa no mesmo centro cultural

para logo depois ser interditado e fechado porque seu projeto e sua construção foram decrépitos como acontece de ser com uma boa quantidade

de obras públicas de construção civil

ilhabelenses, entre elas, exemplos,

ou melhor, maus exemplos notórios,

o centro de convenções e teatro municipal e a ponte estaiada; a primeira

delas, ruína arquitetônica a céu aberto e a outra, uma sobrevivente que,

para sobreviver, precisou ter todo seu

piso e guarda corpo trocados depois

de inutilmente serem mais remendados que Frankstein.

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o Belisário de inox

E falando de Frankstein, a estátua que

adorna a entrada do Centro Cultural

é ela uma versão obesa franksteiniana inoxidável do Belisário que aparece em fotografia carcomida, posando

com seu cavalete de pintura pintando uma paisagem com uma arruinada

fazenda Engenho d’Água como tema

central, na década de trinta. Tomada

pelo mato, suas paredes emboloradas

e descascadas é um retrato em tudo

diferente àquela que agora se inaugura, felizmente, depois de tantos anos

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fechada, para a visitação e deleite público.

Na metrópole paulistana, Belisário se

enturmou com os pintores do grupo

Santa Helena; frequentava a casa de

Volpi. Durante a semana eram ele e

Celina professores para prover a subsistência; nos finais de semana, viajavam pelos arredores para Belisário

pintar paisagens, cenas de rua, festas

populares.

A sua pintura foi sempre figurativa,

mas isso não significou que fosse acadêmica; longe disso. Na construção

do desenho e na elaboração da cor

exercitou sua independência dos cânones em voga com um virtuosismo

que somente o talento aliado ao trabalho diligente edificam. Nunca pretendeu retratar a realidade. Ainda que

montasse seu cavalete na rua ou no

campo, aquilo que via era apenas uma

baliza a partir da qual construía sua

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pintura; ela, na sua integralidade, materializava um novo objeto no mundo,

aberto a ser visto prazerosamente pelo

observador livre de preconceitos.

Coincidiu que naqueles anos o mundo

fosse tomado pela arte abstrata e os

artistas figurativos passaram a ser tachados de passadistas.

“Acredito em meus sonhos e eles são

figurativos” dizia Oswaldo Goeldi um

ano antes de morrer, numa antológica frase que naufragou no maremoto

abstracionista.

Nesse mesmo ano, Waldemar e Celina

decidem voltar a morar em Ilhabela.

Vendem sua casa na Cidade Ademar e

compram um terreno no Perequê, na

rua do Supermercado Frade. No ano

seguinte, Belisário acamparia no local

para construir ele mesmo sua moradia

e seu atelier. Tanto um quanto outro

eram construções simplórias, pequenas com telhado de cimento amianto;

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o atelier, na frente, tinha paredes de

madeira.

Cadê a casa caiçara que estava aqui?

Foram demolidos em 2005, tragados

pela especulação imobiliária que desmantelou a morada e o lugar de trabalho do artista. A casa onde Marcelo

Grassmann nasceu e viveu sua infância

e parte da adolescência é conservada

como atração turística em São Simão,

mas Ilhabela que sem peias destruiu

quase completamente toda o casario

colonial que a adornava e aparecia no

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filme Caiçara e que recentemente também demoliu o singelo rancho caiçara

de pau a pique e sapé que embelezava

o anódino centro cultural da vila, nem

um pouco se importou com a destruição completa do derradeiro lar do pintor e sua esposa, incentivando o esquecimento desses dois que tanto fizeram

pela cidade. Belisário, a imortalizando

em suas pinturas e Celina, entre tantas

amorosas ações, compondo o hino da

cidade. O pintor a custo virou nome

de escola e salão de arte, mas Celina… Cantora lírica que se apresentou

com Villa Lobos, inspirada professora

de música, foi o nome bem escolhido para intitular o coral municipal de

Ilhabela, de vida breve. Mas por não

ser caiçara, não teve em vida a satisfação de ser agraciada com o pomposo

galardão de Título de Gratidão Caiçara

com o qual alguns daqueles que se refestelam na egrégia câmara municipal

e nas repartições públicas insulares,

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hoje se lisonjeiam festivamente.

Como artista esquecido pela historiografia oficial, Belisário foi lembrado na

ocasião da comemoração dos cinquenta anos da semana de arte moderna

de São Paulo, integrando o grupo dos

pintores de descendência italiana que

pintavam nas horas vagas e ficaram à

margem do movimento modernista,

sendo por isso injustamente enquadrados como antiquados.

Pietro Maria Bardi, diretor do Museu

de Arte de São Paulo, admirador da

obra de Waldemar Belisário, faria nesse aclamado museu uma individual do

artista com quarenta pinturas. Essa

exposição é considerada por muitos

como um ato de consagração do pintor, então octagenário.

Tarsila Amaral faleceria em 1973, dois

anos antes da individual de Belisário.

Em 2019 o MASP exporia cento e vinte obras suas numa mostra que teve

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público recorde onde os visitantes se

digladiavam para fazer a mais faceira selfie usando suas pinturas como

pano de fundo. Elas valem milhões;

as de Belisário, uma fração muitíssimo pequena disso correndo o risco,

se colocadas em leilão, de passarem

despercebidas.

As exposições coletivas da década de

setenta na ilha iniciadas em 1968, reuniram um time brilhante de artistas

além de Belisário: Fernando Odriozola, Yarê Aranha, Rafalel Desimore, Maciej Babinski, Jannik Pagh, Durval Palermo, Henrique Smith, Giba Ilhabela,

Gilda Pinna, Lavínia das Ilhas, Pituca.

Odriozola endoideceu uma outrora

bucólica Vila ao ser premiado como

melhor desenhista nacional na oitava

Bienal Internacional de São Paulo, em

1965. Naquela ocasião, a notícia foi

comemorada com entusiasmo pelos

artistas locais que fizeram e se inscreo que os olhos não viram

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veram na história e comemorada também, pelos demais moradores, felizes

por terem vivendo entre eles, alguém

tão importante por ter sido em Bienal

distinguido.

Na década de noventa muitos artistas

seguiram encantando em exposições

coletivas, parte delas feita no Hotel

Itapemar. Novos surgiram de lá pra

cá: Carlos Pacheco, Hugo, Lícia Ferreira, Ursula Möllhoff, Zé Paulo, Gilmara

Pinna, Crau da Ilha, Ângelo Cavalheiro, Renato Pascoal, Marcos Emendabili, Leon Ribeiro, Antônio Tom, Vicente

Bernabeu, Fernando Feierabend …

Na passagem para o terceiro milênio seguiu o Salão Waldemar Belisário

acontecendo ano após ano com muitas artistas se destacando: Rosangela

Capella, Ana Canale, Sdondi, Laís Helena, Sadala, Evelyn Siqueira…

Hoje, Ilhabela com quarenta mil almas,

cresceu, a bem da verdade, inchou.

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Palacetes se dependuram pelas costeiras interditando a passagem ao mar e o

que restou de caiçarada arma barraco

em vão porque nos tempos de agora

essa grana toda que ora aporta com

a boçalidade a tiracolo sempre berra mais forte sentenciando a palavra

final. Nesses ambientes espaçosos à

beira d’água, a propaganda governista se esmera em vender Ilhabela Home

Office filmando madame e coroa ricaço de shorts, ele e ela tão despidos e

folgazões como se por aqui não habitassem também facinorosos borrachudos e pernilongos muito mais sedentos

de sangue do que o anjo vampiresco

da missa da meia noite. Doutro lado,

casebres e barracos se esparramam

pelas encostas, pelos grotões e pelos

buracos; seus moradores invisíveis à

publicidade institucional se prestando

como mão de obra servil desses tão

desejados festejados bem-vindos novos ricos residentes; esses sim, duma

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visibilidade fuzilante correndo velozes

com seus suvs reluzentes nas ruas recém-calçadas atropelando os pés de

chinelo que lhes servem, órfãos eles

todos de calçadas decentes.

A Ilhabela que nos governa quer porque quer ser outra que não ela mesma

e nos publieditoriais de jornalões que

se apequenam no papelão de jornalecos sonha ela ser a Nova Zelândia se

esquecendo da notícia de repercussão

nacional que a revelou inteiramente

pelada sem maquilagem que ocultasse a feiúra da sua ignorância; notícia

essa, tratada com a usual gabolice jocosa pelos repórteres e colunistas, da

aquisição e da distribuição pela rede

de saúde municipal insulana do kit covid, isso em março de 2021, quase um

ano portanto dele ter sido mundialmente desmascarado como ineficaz e

nocivo por médicos e cientistas sérios,

bem como, por renomadas instituições

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científicas e pela Organização Mundial

da Saúde. Nova Zelândia? Será que feito lá, cá será em breve exigido daqueles que quiserem aqui entrar, a caderneta de vacinação confirmando que

seu portador foi integralmente vacinado contra a covid? A partir de primeiro de novembro só se entra na Nova

Zelândia mostrando esse documento.

Caso contrário, ainda que portentoso

seja o saldo bancário do visitante, é

porta batida na cara; entrada negada,

voltar pra trás. Mas não. Seguramente

a propaganda oficial ilhabelense não

abraçará essa bandeira a deixando de

lado, desmerecida, coitadinha, como

o faz com as vermelhas da CETESB que

tremulam sanguíneas nas praias do arquipélago.

Cena de covarde pancadaria contra

pescador idoso que poderia até figurar

como um desses home office workers que tanto os gestores do turismo

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ilhéu desejam viralizou nas redes sociais e foi notícia na televisão com o

habitual alarde desses comentaristas

mundo cão. Bizarro é que essa agressão covarde tenha sido desferida por

profissionais do turismo, conforme

foi noticiado; todos jovens, todos trogloditas. Esse vídeo de embrulhar o

estômago com certeza não será capitalizado pelos çábios fazedores de reclames numa nova campanha “é tempo de apanhar em Ilhabela”.

As autoridades da cultura insular se

ufanaram porque o 43º Salão de Artes

Plásticas Waldemar Belisário recebeu

muita inscrição de artista de fora, superando duas centenas. Pois na época

do fastígio dos salões esse número era

café muito, muito pequeno. O Salão

Nacional de Artes Plásticas promovido

pela Fundação Nacional de Arte sob

demolição bolsonarista transformada

em naufrágio nacional de arte pátria

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e o Salão Paulista de Arte Contemporânea, para ficarmos apenas em dois

vistosos de numerosos exemplos, recebiam milhares de inscrições.

Fastígio? Sim, pois os salões vivem seu

ocaso e foram um a um, se apagando,

se extinguindo; o Waldemar Belisário

é um dos poucos sobreviventes.

Numa época de difícil acesso para expor, pela ausência de lugares dedicados a isso, os salões foram o cobiçado

baile de debutantes para incontáveis

artistas. Além de oferecer visibilidade,

ofereciam medalhas brilhosas feito

atestado de qualidade do IMETRO que

os artistas de antanho orgulhosamente exibiam no afã de valorizarem monetariamente suas obras e realizarem

o objetivo maior e inalcançável para a

maioria dos pobres arteiros mortais,

qual seja, o de viverem de arte.

Waldemar Belisário, a despeito de

seu incontestável talento e dos seus

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esforços infatigáveis, não conseguiu

pagar suas contas à custa da sua pintura.

Porém, depois que a arte se instituiu

feito oportuno negócio inclusive de lavanderia industrial de lavagem de dinheiro sujo e decoração de ambientes

dos novos ricos, pulularam comércios

se denominando galerias de arte em

tudo quanto é rincão verde amarelo

para a contento atender o despejo linha de montagem de artistas que as

faculdades disso, de artes que se pretendem ensinar, se nomeavam e afoitamente descarregavam e continuam

a descarregar. E esses milhares de artistas no pujante brilhantismo da sua

juventude se batem uns contra os outros nas redes insociáveis logrando

êxito fácil em mostrarem a esse mundo boquirroto suas maquinações descoladas e sempre escrupulosamente

modernosas.

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Por outro lado, foram fortalecidos programas governamentais em todos os

níveis de estímulo à criação artística,

garantindo além de espaço expositivo,

condições financeiras que viabilizam o

trabalho envolvido; sim, porque fazer

arte é trabalho e dá trabalho.

Cidades e estados criaram pelo país

inteiro seus programas de incentivo e

uma característica peculiar de todos

é que chancelam a reserva de mercado. Dessa maneira, nas cidades, concorrem somente os que moram nela

e nos estados, os que nele residem e

tanto num caso como noutro, o tempo

mínimo de residência é de dois anos.

Havia programa federal; bom isso antes da consagração da música clássica wagneriana, do canto gregoriano e

do sertanejo barraco invade tribunal,

do realismo negacionista, do messianismo caça-níquel e da cultura da incultura em patamar nacional. Afora

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os programas governamentais, proliferaram os privados, sob a batuta de

empresas que descobriram neles uma

propaganda empresarial de bom-mocismo de amplo alcance e baixo custo.

Ilhabela, na época da eclosão da pandemia, durante a finada gestão Tenório/Gracinha sentiu o gostinho ligeiro dessa progressista política cultural

com a semana de arte virtual e o edital de fomento que, infelizmente, não

tiveram mais sequência.

Por causa dessa mudança de cenário,

os salões perderam seu poder de atração e, consequentemente, seu prestígio.

O Salão Waldemar Belisário persevera por inércia e os gestores da cultura oficiosa municipal se esmeram

em apresentá-lo como uma sua pérola, literalmente montando fanfarra na

sua abertura, com direito a show jeca

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brega gringo de entrega de checão gigante impresso para quem sabe ocultar

o embaraço dos seus ganhadores por

detrás dele no palco montado para espetáculo televiso no facebook da prefeitura. Cuja transmissão ao vivo não

durou neste último salão nem cinco

minutos poupando as autoridades do

constrangimento de ficarem chamando em vão os medalhados no tablado;

os esperando, inutilmente, com cara

de tacho.

Quase todos não subiram pra posar

com o checão e o troféu, cujo conjunto custou uma verba que teria melhor finalidade se fosse destinado aos

prêmios aquisição; esses, com poder

de estimular a formação de uma pinacoteca municipal. Aconteceu dos

premiados se ausentarem não porque

eles soubessem antecipadamente que

iriam pagar mico participando dum

ato publicitário padrão sinta natureza

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e se esconderam. Não foram porque

simplesmente não ficaram sabendo

que haviam sido premiados. Não souberam porque o regulamento do salão

determinou que os premiados só seriam revelados no ato da abertura. O

que é, evidentemente, uma regra absurda como acontece ser boa parte do

regulamento; absolutamente sem pé

nem cabeça.

Limitar a exibição a uma obra por artista em cada técnica é uma atitude estúpida. Os salões memoráveis especificavam a obrigação de avaliarem no

mínimo dez obras por artista inscrito,

exibindo, caso fossem selecionados,

ao menos cinco delas. Isso porque uma

única obra não possibilita uma avaliação acertada; é preciso um número

maior para se ter uma visão ampla. Estancar as técnicas artísticas num momento em que se mesclam e se misturam criando novas e impactantes

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poéticas, é de um anacronismo cruel.

E mais cruel ainda é tentar hierarquizar prêmios em categorias medalháveis de ouro, prata e bronze como se

a exposição fosse um certame esportivo ou pior, uma feira agropecuária.

Artista que se preza pode até gostar

do Muttley, o cão do Dick Vigarista

doido por medalha; mas não pretende

jamais posar de militar engalanado.

Os salões que respeitavam os participantes inscritos, faziam uma seleção

preliminar por foto ou vídeo, o que

poupava os concorrentes do custo,

por vezes, elevado, do envio de trabalhos que corriam o risco de serem recusados. Ilhabela tratou com ruindade

muito artista que veio de longe carregando sua obra, gastando dinheiro

que nem tinha pra ser eliminado num

processo de julgamento sem transparência pois a composição do júri de

seleção não foi divulgada e tampouco

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a ata do processo dessa seleção e premiação, se é que foi lavrada como sempre era a praxe dos salões sérios.

Quem viu a exposição montada em

apenas duas salas do centro cultural

da vila, tendo Ilhabela tantos espaços

expositivos espalhados capazes de

exibirem juntos centenas de obras, de

imediato percebeu que o evento que

teve quase trezentos inscritos, resultou numa exposição minúscula.

Foi uma atitude segregatória isolar os

premiados na melhor das salas, sendo mesmo ela, limitada, para poder

sediar uma exibição que tivesse uma

expografia profissional.

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o salão oficial

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Pretendia talvez posar de MASP usando ali suportes miniaturizados daqueles lá empregados: grandes lâminas

de vidro blindex ancorados em blocos

de concreto. Isso cai bem num espaço generoso, amplo, bem ventilado e

arejado como acontece no MASP; não

numa sala estreita onde nem tiveram o

cuidado de eliminar janelas sem qualquer função, escolhendo simplesmente ocultá-las com toscas cortinas. As

peças escultóricas foram exibidas em

cantos ou encostadas em paredes; limitando a chance do expectador rodeá-las, numa óbvia eleição de projeto

expositivo burro. Com uma quantidade expressiva de artistas talentosos

morando e criando em Ilhabela, com

obras vigorosas e carreira consolidada,

causa estranhamento que tão poucos

deles tenham participado desse 43º

salão. Se foram cortados, houve falta de sensibilidade e de conhecimento

da riqueza artística da ilha por parte

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do jurado que, então, julgou mal; se

não se inscreveram, é ainda pior porque isso sinaliza que nem deram bola

pro salão que foi uma árdua e muito importante conquista dos artistas

ilhabelenses da década de sessenta,

unidos, a despeito das suas diferenças e idiossincrasias, pela melhoria da

cultura insular.

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o salon des refusés

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Uma louvável iniciativa foi a de contornar a estultice de se expor um número tão ridículo por ser demasiadamente diminuto de obras, fazendo-se

uma exposição de lambuja, a “o que os

olhos não viram”. O que, seguramente

muito mal viram ou nem viram mesmo,

os olhos míopes e astigmáticos dos

jurados contratados. Pena ela nascer

estigmatizada como uma mostra de

restos, de obras desclassificadas, rejeitadas. Quem tiver visto a Waldemar

oficial e olhar com sadios olhos agora

essa inteiramente feita a partir da exibição daquelas obras recusadas que

entulhavam amortalhadas uma enorme sala depósito do centro cultural,

há de constatar que muitas delas deveriam, além de terem figurado no salão oficial, terem sido premiadas fosse o jurado melhor capacitado. O fato

incontestável é que foram por ele eliminadas no processo de seleção, sendo pois impinchadas como menores.

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A oportunidade de serem nesse momento apresentadas, estimula o salutar debate acerca do acerto ou, mais

acertadamente, do desacerto do juízo

que as eliminou. Seja como for, essa

segunda exposição, por sinal bem melhor montada que a anterior e ocupando as salas por ela antes ocupadas,

além de permitir aos moradores e turistas momentos de consistente fruição estética, aliviará um pouco a barra

suja dos organizadores do salão cujos

olhos viram o malfeito que com ele fizeram apesar de o terem inaugurado

com tanta fanfarronice.

A alegação de que o regulamento é impeditivo para a permitir a melhoria do

salão é uma desculpa esfarrapada. Regulamentos se amoldam aos tempos

e os regulamentos dos salões antológicos passaram por alterações que os

tornaram cada vez melhores. É função

da comissão organizadora promover

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essas mudanças que, se bem elaboradas, terão o poder de oxigenar e

dar roupagem contemporânea a esse

evento cultural ilhabelense quase cinquentenário numa cidade que pouco

fez e faz para valorizar a sua cultura.

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nostromo

e a ilha

da morte

4 de maio de 2021

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nostromo-a-ilha-da-morte.html

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Nostromo. É nome dum romance de

Joseph Conrad e é também o do rebocador espacial de duzentos e quarenta metros de comprimento que se

afigura ainda muito mais gigantesco

por causa da refinaria de minério, medindo três mil e duzentos metros de

comprimento por dois mil e quatrocentos metros de largura que reboca,

abrindo as primeiras cenas do filme

de terror Alien, o oitavo passageiro,

dirigido por Ridley Scott.

O exterior da enorme nave é repleto

de saliências que se parecem com uma

inescrutável escrita em relevo feito

hieróglifo. Duma solidez de encouraçado, parece navegar devagar no escuro espaço sideral e depois dos frames

iniciais exibirem seu costado rugoso,

passamos a ver suas entranhas metálicas labirínticas.

Numa época em que a gente podia circular livremente pela balsa, sem nos

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aprisionarmos no interior do carro ou

na área destinada aos pedestres, fiz

uma das minhas primeiras séries fotográficas tomando como tema os petroleiros.

A visão desses navios portentosos

que a travessia na balsa favorecia era

privilegiada; a aproximação era lenta,

permitindo divisar o perfil deles que,

na distância, pareciam se amalgamar

com o sopé da serra do mar para, aos

poucos, gradualmente dela se apartarem, ganhando um primeiro plano

onde emergiam cada vez maiores, monumentais conforme a balsa percorria

a estreita língua de mar navegando da

ilha para o continente.

O momento de maior impacto era

quando a embarcação cheia de carros

passava rente à proa ou à popa dos gigantes. Nessa hora a sensação era de

sermos formigas diante do paredão

ferroso e enegrecido que se levantava

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escultórico d’água torcendo o pescoço de quem o encarava pretendendo

enxergar o convés lá acima, na altura

dum arranha-céu.

Obra primorosa da melhor engenharia naval, nas décadas de oitenta e noventa, eram mal vistos; considerados

sucatas emporcalhando o canal de São

Sebastião. Acidentes envolvendo derramamento de petróleo e poluição de

praias no Litoral Norte eram comuns.

Ainda vive na memória o desastre que

foi a explosão no Alina P.; seis tripulantes se feriram e um morreu. O estrondo foi ouvido em Ilhabela e São

Sebastião e houve quem achou que foi

trovão, estranhando trovoar num dia

ensolarado.

O enorme navio ficou semi afundado

durante uma eternidade, agonizando.

Foi então finalmente rebocado e afundado longe da costa.

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Que paralelismo existe entre os petroleiros no canal de São Sebastião e a

nave espacial Nostromo? Afora a semelhança do tamanho, o fato de transportarem material nocivo. No filme, fica-se sabendo que a ordem de trazer

o alien assassino para a Terra ocultava interesse militar e comercial, forte

o suficiente para fazer vista grossa à

segurança da tripulação.

O petróleo transportado nos tanques

dos navios desgraçou as praias de

Ilhabela, São Sebastião e Caraguatatuba por anos a fio, assassinando a vida

marinha e espantando turistas para

longe.

Esse petróleo que alimenta a indústria

polui a terra, contamina a água, enegrece a atmosfera e ao fazer funcionar

automóveis e caminhões, desorganiza

as cidades fomentando a segregação

social e a degeneração do tecido urbano o tornando área inóspita. As cidades

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se esforçam para se adaptar aos carros, mas esse esforço é inglório e inatingível. Nessa batalha, elas se degradam e degradam a vida humana ao se

transformarem em selvas de concreto,

tijolo baiano e madeirit onde a existência se esgarça machucando as pessoas.

Se no passado o petróleo prejudicou

Ilhabela, hoje a sua exploração atrás

da ilha a beneficia ao elevá-la ao patamar duma das mais ricas cidades

brasileiras, graças à receita milionária

dos royalties, uma compensação financeira paga pelo direito de instalar

plataformas petrolíferas off-shore no

seu território.

Diante disso, seria esperado que a ilha

fosse festejada por assim possuir dinheiro em fartura para assegurar uma

vida confortável e segura aos munícipes e não infelicitada com a alcunha

de “ilha da morte”.

Nostromo e a ilha da morte

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“Ilhabela não pode ser a ilha da morte”:

palavras de Marco Vinholi, Secretário

do Desenvolvimento Regional de São

Paulo, censurando o prefeito de Ilhabela, Toninho Colucci por ter desrespeitado várias vezes o Plano São Paulo

do governo do estado. “A conduta é típica de quem flerta com o negacionismo e os maus exemplos do presidente

Jair Bolsonaro” disse o secretário.

Rotular Ilhabela de ilha da morte é um

exagero, sem dúvida. E o prefeito expôs seus argumentos num vídeo incorporado na matéria jornalística de

Thaís Leite publicada no jornal o Vale.

Boletim informativo da Covid informa

que faleceram na ilha trinta e quatro

pessoas. Do final de 2020 para os últimos dias dos primeiros quatro meses

de 2021, o número de casos de contaminação quase dobrou, passando de

3.348 para 6.024 e o de mortes, mais

que dobrou, subindo de 16 para 34.

Nostromo e a ilha da morte

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Sob qual ótica interpretar esses números?

Bom, no entendimento do senador

Luiz Carlos Heinze, suplente na Comissão Parlamentar de Inquérito da

Covid, são um exemplo de sucesso

porque Ilhabela, nas suas palavras,

presidida pelo médico Cássio Prado,

aplicou o tratamento precoce. Prefeito

Cássio Prado; não Toninho Colucci. Se

o parlamentar do Partido Progressista

pelo Rio Grande do Sul trocou estupidamente em rede nacional logo nessa

CPI que hipnotiza o país, o nome do

prefeito de Ilhabela pelo de Porto Feliz, será então confiável essa sua longa

arenga de defesa bolsonarista citando

como verdadeiros casos de fake news

amplamente desmascarados pelos órgãos de imprensa de verificação?

Todavia, esses trinta e quatro mortos,

se comparados aos cento e trinta e seis

mortos da vizinha São Sebastião, são

Nostromo e a ilha da morte

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menos alarmantes. Mas, se empáticos,

sofrermos uma fração pequena do que

sofreram as famílias que rapidamente

enterraram seus parentes sem ter tido

a chance de os velar como mereciam,

esses números não nos reconfortam. E

também são inteiramente inúteis para

todos que se contaminaram e ficaram

sequelados.

O número de mortos foi crescendo no

Brasil inteiro e a cada novo recorde foi

se tornando apenas isso: um número

incompreensível como incompreensível é o acidentado relevo do costado

da nave espacial Nostromo e a rugosidade fora do alcance das nossas mãos

do casco áspero dos petroleiros no canal.

Um número. Totalmente dissociado

dos rostos conhecidos e queridos que,

ensacados em invólucros plásticos tão

escuros quanto o espaço sideral e o

mar profundo, foram imediatamente

Nostromo e a ilha da morte

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sepultados. Aqueles que os perderam,

padecem sozinhos no seu desespero,

potencializado pela brutal recessão

econômica que está levando à miséria

uma infinidade de pessoas.

Trinta e cinco milhões é um número

maior do que o dos contaminados pelo

coronavírus no Brasil propagandeados

no noticiário onipresente da pandemia. Jânio de Freitas nos informa que

esse é o número de brasileiros agora

passando fome por viverem com apenas oito reais por dia. Não iam além

de vinte e quatro milhões quando, tão

pouco tempo faz, Bolsonaro se sagrou presidente. A quem endossaram

inequívoco apoio neste sábado ensolarado, dia 1 de maio, manifestantes

verde amarelos brandindo e vestindo

bandeiras do Brasil numa estrepitosa

aglomeração na praça Alan Kardec em

Ilhabela, ornamentada com berrantes

cartazes amarelo ovo violentados pela

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escrita em fonte capitular “EU AUTORIZO O PRESIDENTE“.

Nostromo acolheu nas suas entranhas

encardidas, inadvertidamente, o terror

que lhe era estranho, exógeno. A malignidade que destrói e arruína o país

e robustece sem freios o número com

tantos zeros de mortos pelo coronavírus não foi colhida nalgum planetoide

distante como o fizeram os tripulantes da Nostromo. Já estava aqui, entre

nós.

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o horror,

O horror

21 de novembro de 2020

https://novaimprensa.com/2020/11/

foto-em-foco-o-horror-o-horror.html

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Desde o seu nascimento passados mais

de quatro anos, a foto em foco fazendo

jus ao seu nome sempre saiu estampando fotos. Fotografia de rua versando sobre o cotidiano de Ilhabela, São

Sebastião, Caraguatatuba.

A coluna de agora rompe essa tradição

e sai sem foto alguma.

Porque não há foto à altura de retratar a

desumanidade do assassinato de João

Alberto num supermercado Carrefour

em Porto Alegre.

Todo mundo viu esse vídeo curto, de

menos de cinco minutos, exibindo a

barbaridade de uma mortífera agressão despropositada.

Diante dele, diante dessa cena de um

João preto imobilizado por um segurança branco enquanto outro igualmente

branco o soqueava na cabeça sem piedade numa sucessão interminável de

murros fortes, as palavras que ocorrem

são as de “o horror, o horror”. Essas

o horror, o horror

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mesmas proferidas pelo ensandecido

bem-nascido europeu Kurtz, no romance de Joseph Conrad, coração das trevas, que inspirou o filme Apocalypse

Now de Francis Ford Coppola.

Tempos alucinados no Brasil bolsonarista que parece ter se transformado

naquela sociedade depravada perdida nos confins dos trópicos pestilentos presidida por Kurtz que se tinha na

conta de um deus, com poder e direito

de cometer reiteradas atrocidades contra o seu povo.

A gente sabia e até viu tortura em vídeo

compartilhado nas redes sociais sendo

praticada num desses comércios racistas. Mas ela acontecia sempre longe

dos olhares indiscretos, sempre nos

fundos, nalguma salinha escondida de

depósito.

Agora no brasil pátria amada brasil ela

ficou escancarada para o mundo inteiro; aconteceu logo em frente a um dos

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principais acessos desse supermercado

Carrefour à vista da clientela que passava circundando a arena da matança

como se nada lhe significasse.

Uma corpulenta funcionária branca do

Carrefour filmava com celular a selvageria bem de perto como quem filma

uma criancinha fazendo gracejo.

Enquanto o piso caramelo se salpicava

de sangue; gotas e mais gotas vermelhas se destacando no pavimento brilhoso.

Enquanto João Alberto gritava de dor e

pedia socorro.

Mas ninguém o socorreu e sua vida inteira se estilhaçou nesses cinco minutos de pancadaria covarde.

O que fez João Alberto para ser morto?

“Olhou feio”para uma funcionária do

Carrefour? Deu um soco no segurança troglodita que o conduzia impositivamente para fora do hipermercado,

o horror, o horror

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contrariando sua vontade, quem sabe,

talvez, reagindo a um insulto dele?

Fosse ele branco rico como aquele de

Alphaville ultrajando com furor os policiais militares mansinhos na porta

da sua mansão, também em filme registrado e diferente teria sido o desfecho. Jamais milico brutamonte lhe faria

sombra. O gerente do supermercado

correria prestativo para repreender severamente a funcionária que teve o desplante de ofender o doutor. O doutor

teve um surto, justificado foi seu surto;

perdão excelentíssimo senhor doutor.

Um jovem preto que cometeu o crime

de surtar no Extra da Barra da Tijuca

ano passado teve como fim morte brutal.

O fato é que por se tratar não de um senhor seu doutor branco rico bem trajado mas sim de um preto pobre mal vestido que importunou uma funcionária só

por lhe ter dirigido um olhar enviesado,

o horror, o horror

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provavelmente por ter se sentido discriminado como o são, rotineiramente,

os que não brancos são nesses templos

de consumo todos construídos sob a

égide marqueteira de lugar de gente

feliz, ali mesmo na boca do estacionamento e diante do olhar indiferente

das pessoas próximas foi instituído tribunal penal e prontamente aplicada a

sentença de morte.

O Carrefour então solta notinhas de

desagravo como o fez antes diante de

monstruosidades em suas dependências. Em 2009, sua milícia surrou o vigia

e técnico em eletrônica negro Januário

Alves de Santana, de 39 anos, no estacionamento de uma unidade em Osasco por acreditar que ele estava roubando seu próprio carro, um Eco Sport. Em

20018, foi a vez de Luís Carlos Gomes,

negro e deficiente físico ser alvo da selvageria desses algozes de guarda pretoriana que o agrediram com tamanha

o horror, o horror

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brutalidade a ponto de lhe ocasionar a

sequela de ficar com uma perna mais

curta. Ano passado, um segurança da

unidade de Osasco não satisfeito em envenenar com chumbinho um cachorro

que poderia cometer a suprema heresia

de importunar a visita de supervisores

da matriz, o espancou selvagemente

até a morte.

Quando se trata de morte, ainda que

humana, pouco caso é o que lhe atribui

essa rede haja vista a dada a de Moisés Santos, negro ele também, falecido numa unidade do Recife; seu corpo

foi encoberto por caixas de cerveja e

guarda-sóis enquanto a loja continuava sua rotina atestando sua total falta

de empatia pelo sofrimento alheio.

E ficou por isso mesmo. Suas ações em

alta na bolsa de valores. Os assassinos

de João Alberto em breve soltos à espera dum julgamento de pena branda.

Bolsonaro e Mourão pregando que não

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há racismo no país que governam reprisando o discurso obtuso da insepulta ditadura militar. Esses dois e sua entourage vão deixar para a história o fato

incontestável de terem sido os maiores

artífices do desmantelamento do mito

do brasileiro cordial. Ao capitanearem

a nação, legalizaram o discurso dos

ressentidos, dos odiosos, dos racistas,

dos ignorantes.

E a brasileirada vai continuar a fazer

suas compras normalmente lá nesse

supermercado de funcionários sociopatas, racistas e matadores de aluguel

passado algum tempo depois de limpo

o chão ensanguentado.

Num jornal regional é extemporâneo

publicar essas linhas?

Se olharmos por um momento para Ilhabela e percebermos que muito da xenofobia que nela grassa é dirigida aos

negros, mulatos, cafusos, mestiços em

geral pobres, a resposta é não.

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Há hoteleiros, há donos de restaurante, há donos de botecos que invadem

a areia das praias as emporcalhando

e obstruindo com centenas de mesas,

cadeiras, guarda-sóis com o consentimento e o estímulo do poder público

semeando preconceito contra esses

brasileiros porque eles não gastam tanto em seus estabelecimentos. Com deseducação os tratam pretendendo espantá-los da frente dos seus negócios.

Os próprios moradores alimentam esse

sentimento daninho; lastimam o turismo de um dia; o turismo dos ônibus

de excursão da periferia das metrópoles que estacionam em São Sebastião

e descarregam na balsa seus usuários.

Acham que eles “fazem feio” na paisagem e podem pôr para correr a ricaiada, essa sim tão bem-vinda e bem tratada.

Paradoxal é que parte desses moradores sinta na pele essa discriminação

o horror, o horror

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ignominiosa quando frequentam as

praias por serem confundidos com os

turistas de um dia por causa da cor da

sua pele e da sua indumentária.

É certo que os donos do pedaço e seus

seguranças e garçons não chegam ao

extremo de espancar ninguém; mas

sua atitude de proscrição, de repúdio

a esse povo desde sempre oprimido e

humilhado machuca tanto quanto soco

e chute.

O racismo e a barbárie escancarados

pelo homicídio de João Alberto reverberam pelo país inteiro neste instante.

Por isso, mesmo apartada do continente, Ilhabela respira e vive o Brasil

porque nela se encontra a perversa semente dessa maldade nativa crescendo impunemente no seu coração.

o horror, o horror

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carnaval

da tragédia

14 de março de 2023

https://novaimprensa.com/

2023/03/foto-em-foco-carnavalda-tragedia.html

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O carnaval de 2023 no Litoral Norte

recebeu esse adjetivo que dói: tragédia. Foi uma tragédia anunciada, mas

como sempre desgraçadamente acontece, ignorada, desprezada. É vívida

em Ilhabela a lembrança dum morro

que desabou no sul derrubando casas e interditando a estrada do sul em

maio de 2019 . Outra chuva torrencial no fim de dezembro de 2021 rendeu vídeos no YouTube de audiência

colossal de ruas transformadas em

rio de corredeira de águas barrentas,

marrons, onde carros submergiam e

uma caçamba de entulho boiava sem

rumo, colidindo com postes e paredes.

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O estrago das chuvas na ilha.

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A chuvarada que desgraçou São Sebastião, não causou dano tamanho na

ilha, embora, dano considerável tenha

causado. Houve alagamentos, queda

de muros, erosão em ruas e no asfalto

e abertura de crateras na estrada do

sul com direito a fotos em rede nacional de carros engolidos. Felizmente,

ninguém morreu.

Na cidade fronteira vizinha, o prefeito

vestiu o colete da defesa civil e posou,

contrito, com o presidente Lula, de

quem foi opositor ao fazer campanha

pela eleição de Bolsonaro, recebendo

dele um abraço benção emocionado.

Posou também ao lado do governador do estado Tarcísio, a quem dirigiu

pesadas críticas. O momento trágico conclamava à conciliação os atores políticos divergentes exercitando

uma política verdadeiramente virtuosa, levando ao pé da letra, numa coincidência inesperada, o lema do governo federal: união e reconstrução.

carnaval da tragédia

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Numa entrevista à rádio Bandeirantes, o prefeito perdeu a compostura

e partiu para o grito numa atitude naturalizada pelo bolsonarismo quando

acuado num debate público; o âncora do programa, Luiz Megale, em vão,

tentou restituir a ordem no barraco

armado: “ou o senhor se acalma, ou a

gente não tem como conversar”. Nessa altura da entrevista, ela simplesmente, acaba.

carnaval da tragédia

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A pergunta que tamanha irritação

provocou na autoridade municipal

foi sobre a existência de sirenes nas

área devastadas. Berrando a plenos

pulmões, a resposta foi a de que sirenes não salvam vidas. Esse pensamento não é compartilhado por outros municípios; em Niterói, a Defesa

Civil diz que “Estamos entrando no

período de chuvas fortes e precisamos destacar que as sirenes salvam

vidas. O sistema de alerta por meio

de sirenes é acionado de acordo

com um protocolo específico, referente ao volume de chuvas imediato

e acumulado, sob o monitoramento

ininterrupto da seção de meteorologia da Secretaria. Quando as sirenes

são acionadas, as pessoas que residem em áreas de risco devem se dirigir para os pontos de apoio pelas

rotas seguras previamente sinalizadas em suas comunidades.” .

carnaval da tragédia

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Sirenes Salvam Vidas

O carnaval em São Sebastião foi cancelado.

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Resgate áereo das pessoas que ficaram isoladas.

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Ilhabela teve, não um, mas dois carnavais. De 10 a 12 de fevereiro e de

17 a 21 de fevereiro. Na propaganda

oficial baba ovo, seria esse o maior

carnaval do Litoral Norte. Não mentiu; ele foi por ter sido o único.

Bertioga, Ubatuba e Caraguatatuba,

sob estado de calamidade pública,

diante da tragédia que matou 65 pessoas e deixou 2.400 outras desabrigadas, cancelaram seus carnavais.

Ilhabela, não. Sob o pretexto de não

prejudicar a “indústria do turismo”, ignorou-se o sofrimento de tanta gente

caída em desgraça. É difícil imaginar

que haja pessoas que consigam festejar, se alegrar, se embebedar sabendo

que logo ali, doutro lado dessa linguazinha de oceano, morreram dum jeito

terrível, quase uma centena de pessoas. Sepultadas vivas, soterradas num

mar de lama e destroços, esmagadas,

asfixiadas. Sambar sabendo que mais

carnaval da tragédia

P:484

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de duas mil pessoas ficaram desabrigadas, sem ter para aonde ir, sem ter

nem como se alimentar apesar de fome

não sentir diante da calamidade. Que

tanta gente perdeu sua casa, construída com muito esforço, muita economia; perdeu seus móveis, perdeu seus

eletrodomésticos, perdeu suas roupas, perdeu seus documentos. Sorte

teve de não perder a vida, mas tanto

perderam em vida que vivem sua vida

agora na agonia indescritível duma

vida que não se vive, duma vida que

se afoga numa dor insuportável.

P:485

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Indústria do turismo?

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Ponto alto do carnaval de Ilhabela, o

banho da Dorotéia permaneceu incólume. Festejar, sambar, se embebedar

para, com estardalhaço, pular num

mar que cheira morte, num mar que

carregou a lama assassina, num mar

que se molhou não só da chuva, mas

também das lágrimas dos que perderam seus pais, seus irmãos, suas irmãs, seus tios, tias, primos, primas,

seus amigos todos mortos; como puderam?

Ilhabela que soube tão bem ser solidária na copa se vestindo de verde amarelo e colorindo a avenida com esses

banners ufanistas rastaqueras de incentivo à seleção, não foi solidária à

dor dessa gente que, sim desta vez,

saiu e bastante no jornal e cuja melhor matéria foi a do jornalista João

Lara Mesquita, “Litoral Norte: pobres

morrem de novo, e daí?”.

Escolher ignorar o sofrimento alheio

carnaval da tragédia

P:487

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em nome do turismo, foi tiro no pé.

Pois brasileiro, brasileira, estrangeiro,

estrangeira humanista e solidária ao

saber dessa atitude tão mesquinha,

tão insensível vai é achar Ilhabela uma

terra muito escrota, um local de falta

de empatia comparável a do brasil pátria amada brasil completamente alienado do infortúnio nacional que foi a

mortandade gigantesca causada pela

covid, a ponto de torná-la objeto de

zombaria, de falar desavergonhadamente “não sou coveiro” como fizeram impunemente tantas autoridades

e bolsonaristas desalmados. E achando Ilhabela um lugar que pode até ser

bonito mas é cidade dum governo desumano, vai é riscá-la do mapa e gastar seu dinheiro noutra freguesia que

seja humanitária.

Essa força negacionista, reacionária

da extrema direita que animou tanto discurso perverso e ainda anima,

carnaval da tragédia

P:488

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perdeu nas urnas e a esperança finalmente venceu o medo elegendo um

governo de frente democrática.

Mas na terra ilhabelense, é como se

ainda estivéssemos naquele cavernoso tempo. Seguem céleres obras de

asfaltamento de ruas onde havia broquetes de concreto; impermiabilizadas, serão leito ótimo para enchentes

futuras. A ocupação urbana de áreas

de risco está espalhada pela ilha em

encostas e buracos, à vista de todos

e há tanto tempo se inseriu na paisagem que ninguém nem mais a enxerga.

O Espaço Cultural Pés no Chão lotou

seu teatro com moradores da ilha,

para assistir uma reunião aberta da

sociedade civil que se intitulou Até

Quando?! no sábado, 25 de fevereiro.

As pautas desse encontro foram inspiradas pela tragédia ocasionada pelas

chuvas e destacaram a importância da

carnaval da tragédia

P:489

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ação coletiva e em rede, o panorama

do planejamento urbano, plano diretor, áreas de risco e os relatos da situação dos bairros depois do temporal.

Várias organizações participaram, entre elas, a Associação Elementos da

Natureza, Instituto Ilhabela Sustentável, Grupo Organizado Semear, Coletivo Educação, Coletivo SOS Mangue,

Associação Amor Castelhanos, Instituto Verde Azul, Instituto Bonete.

Num mormaço cruel, abrasador, os

presentes sonhavam e se encantavam

com uma Ilhabela socialmente justa e

responsável, com uma Ilhabela plural

e sustentável. Porém, lembrando os

versos de Caetano:

”E quem vem de outro sonho feliz de

cidade

Aprende depressa a chamar-te de

realidade

Porque és o avesso do avesso do

avesso do avesso”.

carnaval da tragédia

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Existe em Ilhabela gente capacitada

não apenas para sonhar, mas para

tornar seus sonhos reais construindo

uma cidade melhor. A realidade contudo, é que essa gente não tem espaço

dentro da estrutura do poder econômico e político que controla a cidade.

Suas propostas colidem e se esfacelam

diante dum poder executivo hipertrofiado e dum poder legislativo vassalo,

submisso a esse poder executivo que

por ser, tão poderoso, atua com autoritarismo e destempero atropelando a

tímida oposição que uns tão poucos e

tão frágeis lhe fazem.

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Até Quando?! no Espaço Cultural Pés no Chão.

P:492

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Não é a indústria do turismo que enriquece Ilhabela; é a do petróleo, com

sua morte há tempos decretada. São

os royalties do petróleo que transformaram a cidade numa das mais ricas

do Brasil. Essa riqueza, a beleza e a

felicidade, o bem-estar que ela poderia proporcionar aos moradores e visitantes, todavia, só se enxergam nas

placas onipresentes da publicidade

oficial espalhadas pela orla inteira.

Nelas existe um Éden, uma Pasárgada. Fora delas, são praias e cachoeiras

poluídas, calçadas inóspitas, lixo derramado pela cidade, mato crescendo

descontrolando, ruas esburacadas,

escolas precárias, profissionais da

educação desrespeitados e desvalorizados, transporte público deficiente,

falta de água e falta de saneamento

básico, praças desmanteladas, cultura

órfã, urbanismo e paisagismo urbano

medíocres, turismo predatório, absurda desigualdade social, especulação

carnaval da tragédia

P:493

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imobiliária desenfreada, obras, obras

e mais obras de má qualidade que

nem bem são inauguradas e já demandam reforma, enorme feiúra das

edificações, maior feiúra logo na rotatória de entrada bistecão de inox da

cidade que foi projetada originalmente por Burle Marx sendo depois terraplanada quando nela eram exibidas

duas esculturas de Frans Krajcberg de

pronto assassinadas, pedaço de praia

transformado em Jardim dos Horrores ou Praça do Martírio com estátuas

alugadas pelo dinheiro púbico, áreas

de risco ocupadas se perpetuando e

se tornando cada vez de maior risco,

tudo numa sucessão de malfeitos que

crescem e se avolumam pela cidade

e pelo tempo a despeito de existir dinheiro e muito para evitá-los e corrigi-los, construindo uma cidade muito

melhor, inclusive, verdadeiramente

humana a ponto de se compadecer

com a desgraça alheia e não festejar

carnaval da tragédia

P:494

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o carnaval num momento em que todas as demais cidades a sua volta se

entristecem e se enlutam.

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A Ilhabela perfeita só existe nos banners publicitários da avenida.

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Enfim, essa é uma história que não

vem de agora, mas de muito antes.

Muito jornalista sério se esgoelou a

revelando e criticando.

Nivaldo Simões que escreveu com destaque no finado e saudoso Jornal Imprensa Livre, de quem o Portal Nova

Imprensa é sucedâneo, foi um deles.

Nivaldo morreu. Seus textos se perderam numa época em que a internet

não tinha o alcance de agora. Nivaldo não nasceu na ilha; não era caiçara. Mas amou tanto esse lugar que

era como se a ele pertencesse desde

sempre.

Para contar essa história sem meias

palavras nem meia verdade, precisamos recorrer ao melhor e mais corajoso jornalista, que não vive na ilha,

mas fora dela e é novamente ele, João

Lara Mesquita em recente e longo artigo, “Litoral Norte, SP: nossa geração

será cobrada”.

carnaval da tragédia

P:497

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P.S.: em respeito a dor de tanta gente próxima, a foto em foco sai sem

foto do carnaval; foto alguma foi tirada. A coluna demorou para sair não

por falta de assunto, mas por falta

de tempo para abordá-los. O tempo

foi todo ele refém doutro trabalho,

o projeto Márcio Pannunzio – Quatro

Décadas apoiado pelo Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Programa

de Ação Cultural. Como o seu nome

revela, é de comemoração de mais de

quarenta anos de carreira de artista

plástico e fotógrafo do articulista. Exposição homônima acontece no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba e será prorrogada além do dia 15

de março; aproveito para convidar os

leitores a visitá-la enquanto está em

cartaz. Informações mais detalhadas

podem ser encontradas no site www.

quatrodecadas.com.

carnaval da tragédia

P:498

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marciopan.com

ilhabelaemfoco.com

P:499

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© Márcio Pannunzio 2024

https://novaimprensa.com/author/

marciopannunzio

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